Maria João Brito de Sousa
MEMÓRIAS A DOIS TEMPOS
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Acendi-vos velas de vários tamanhos,
Depois, entre estranhos, cantei para vós
Com sonhos na voz. Preparei-vos banhos,
Desatei-vos nós, pra vós fiz desenhos.
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Falei-vos de antanhos parentes, avós
Com saias de cós e corpetes castanhos
Que, entre outros amanhos, teciam totós
Às netas que, após, semelhavam rebanhos
*
De laços branquinhos de seda, ou cambraia,
Correndo na praia, traçando caminhos,
Explorando cantinhos. Quer caia ou não caia,
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Já trepa, a catraia... qual quê? Pergaminhos?
Nunca os viu nos ninhos do topo da faia
E abraça-se a Gaia nos galhos fininhos.
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Maria João Brito de Sousa - 31.10.2017 – 15.40h
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(Soneto em verso hendecassilábico e rima encadeada)
publicado às 15:51
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso hendecassilábico e rima intercalada)
Já estás perdoado, mas sempre te digo
Que amante ou amigo não deixo de lado;
Cometes pecado? Prometo castigo,
Mas esqueço e prossigo... já estás perdoado!
Só peço cuidado, de resto... nem ligo
E apenas consigo dar-te outro recado,
Este, mais pensado, pr`a nunca haver pr`igo
De, estando eu contigo, ser logo olvidado;
Sou, tal como tu, tenho veias com sangue
E se fico exangue partirei de vez...
Depois, não me vês, nem me afagas no mangue,
Pois carne sem sangue nunca aceita arnês,
Tem os seus porquês e tão pronto se zangue,
Esconde-se no mangue, perde a languidez...
Maria João Brito de Sousa -30.10.2017 – 11.35h
publicado às 15:10
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassilabo heróico)
Vê o meu belo ventre, hoje rasgado
Pelo cru bisturi... este destroço
Do que, dizes, podias ter amado
Quando era firme, fértil, liso e moço...
Olha o cabelo cinza, inda ondulado,
Mas cada vez mais branco e, troço a troço,
Este corpo doente e já cansado
Ao qual ofereceste um lauto almoço
E os livros que eu fui lendo avidamente
Com olhos tanto sábios, quanto estetas,
E a lucidez que falta a tanta gente...
Mas repito-te; vê mais claramente,
E podes confessar - nada me afectas... -
Que nada vês de belo, no presente.
Maria João Brito de Sousa - 10.07.2016 - 19.41h
publicado às 19:56
Maria João Brito de Sousa
NA PENUMBRA PINTADA PELA LUA
É teu corpo um soneto que imagino
Que escrevo tantas vezes e, adormeço
No verso que o percorre peregrino
Por curvas e caminhos que conheço
Outros versos me levam ao destino
Quando as horas me acordam e te peço
Que completes um tal verso ladino
E dês ao meu poema recomeço
Na penumbra pintada pela lua
Crescem versos da rima quente e nua
Que fazem a beleza dessa escrita
Sem haver da manhã sequer vislumbre
Declamo cada verso com deslumbre
Quando de mim se abeiram em visita
MEA
23/10/2017
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NUM RECANTO QUALQUER DO MEU PASSADO
“É teu corpo um soneto que imagino”
Recolhido num berço, eternizado
Pela minha memória, meu menino,
Num recanto qualquer do meu passado.
“Outros versos me levam ao destino”
Desse bercinho em mim cristalizado,
Mas sempre que te evoque, pequenino,
Estarás presente, embora em tempo errado;
“Na penumbra pintada pela lua”,
Abres porta e sais comigo à rua
Num gesto rotineiro e natural.
“Sem haver da manhã sequer vislumbre”,
Espero que o sono volte e me deslumbre,
Passando, em vez de sonho, a ser real...
Maria João Brito de Sousa – 23.10.2017 – 17.05h
Imagem - "Le Berceau", Berthe Morisot
publicado às 17:14
Maria João Brito de Sousa
Fotografia de Rogério Vidal Pereira
publicado às 11:06
Maria João Brito de Sousa
publicado às 10:17
Maria João Brito de Sousa
INFORMAÇÃO AOS AMIGOS
Informo todos os amigos que a Cerimónia de Agraciação com o Título Honorífico na categoria de Arte e Cultura, que me foi conferido pela Assembleia da União das Freguesias de Oeiras e S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, terá lugar no Auditório da Biblioteca Municipal de Oeiras, Avª Dr. Francisco Sá Carneiro, Oeiras, na próxima segunda-feira, dia 16 de Outubro pelas 21.30 horas, com a presença do Presidente do Executivo, Engº José Eduardo Neno.
A vossa presença será o meu maior estímulo. Obrigada.
Maria João Brito de Sousa- 11.10.2017
publicado às 17:23
Maria João Brito de Sousa
Escuridão que te exaltas, arrojada,
no sincelo da carne em que me sou,
mesmo quando de meu não tenho nada,
por mais que nada seja o que te dou,
Tens sido sempre a cor da minha estrada
e a noite que os cabelos me enfeitou
quando ao longo da longa caminhada,
nela cresci e o mais me abandonou.
Se és ausência de cor, o que me importa?
Serei da mesma cor, que dizem morta,
mas amo a Vida mais do que ninguém
E afirmo que nenhuma cor conforta
tanto quanto este negro que recorta
palavras sobre o branco que as contém.
Maria João Brito de Sousa – 09.10.2017 – 12.07h
publicado às 15:31
Maria João Brito de Sousa
DEI VOZ ÀS MINHAS MÃOS
Dei voz às minhas mãos num fim de tarde
Quando o sol ao cair no azul do mar
Parece que se ateia e depois arde
Nas águas onde prendo o meu olhar
Vestiram gestos mansos sem alarde
E falando ao teu corpo devagar
Numa voz calma quase que cobarde
Por ele se deixaram encantar
Libertados que foram os seus medos
Sussurraram palavras e segredos
Bailando no silêncio da atmosfera
Já no horizonte o céu enegrecia
Porquanto o sol ali se despedia
Calou-se então a voz que às mãos eu dera
MEA
2/10/2017
A CAMINHO DO INEVITÁVEL FIM DE TARDE
Por muito que adiasse a voz crescente,
por muito que, hoje ainda, eu a resguarde,
a voz do sonho ousou passar-me à frente,
“Dei voz às minhas mãos num fim de tarde”
E nunca mais, de mim, tornada ausente,
que a voz das minhas mãos não mais retarde
palavras mil, que tão precocemente
“Vestiram gestos brandos sem alarde”
Livres do pseudo-sonho que os tolhia
enquanto, passo a passo, eu mal crescia,
“Libertados que foram os seus medos”,
Deixaram de iludir-se. São brinquedos,
ilusões de uma infância. Mal nascia,
“Já no horizonte o céu enegrecia”.
Maria João Brito de Sousa -04.10.2017 – 11.01h
publicado às 11:28