Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso hendecassilábico)
Lá vou escada abaixo, coração nas mãos,
De asinhas nos pés contra os impossíveis
Porque sempre incertos e sempre insensíveis
São os meus desígnios tantas vezes vãos...
Quantos mais o fazem? Quantos cidadãos
Passarão, por mês, horas tão temíveis
Que, para os demais, nem sequer são criveis
Mesmo quando dizem serem seus irmãos?
Se hoje, aos vinte e seis, não chegar... não chega!
Tudo se me esfuma, tudo se me nega
Nas voltas da dança que me coube em vida
Por isso vos digo que se a norma “pega”
Terei de aceitá-la, mas vou ver-me “grega”
Pr`a manter-me viva e de fronte erguida.
Maria João Brito de Sousa -26.09.2017 – 19.57h
Nota – Escrito à pressa e à revelia da musa, entre as duas primeiras idas à caixa do correio.
Pode conter erros ortográficos, métricos e até sintáticos.
publicado às 11:26
Maria João Brito de Sousa
A ILHA III
Disseste que estou só e quero crer
Que acreditas que sim… que absurda ideia!
A minha solidão está sempre cheia
De mundos que nem podes conceber!
A solidão só vem quando eu quiser
E há coisas como grãos de fina areia
Habitando este mar que me rodeia,
Nas ondas das palavras que eu escrever
Podes guardar as penas pr`a depois
Porque eu, ilha assumida e povoada,
Não quero as tuas penas nem procuro
A solidão da vida feita a dois
Tantas vezes pior que não ter nada.
É só que nasço e morro, isso to juro!
Maria João Brito de Sousa -02.11.2010 - 10.44h
O FEITIÇO
Por motivos que nem conceberias,
Enfeiticei-te a vida e não choraste…
Poderia jurar que até gostaste
E reparei, mais tarde, que sorrias
Mas, depois da mudança, entenderias.
Pensei-o, fi-lo e tu… nem te zangaste!
Não sei se o laconismo a que chegaste
Te impediu de mostrar quanto sentias,
Ou se sentir, pr`a ti, era uma coisa
Que surge como um pássaro que poisa
E só muito mais tarde afunda as garras
Enfeitiçado, ou não… a vida é tua!
O meu feitiço é brando e nunca actua
Sobre almas que estão presas por amarras
Maria João Brito de Sousa
A PERSISTÊNCIA DO POEMA
É este o meu destino, eu não duvido!
Em tudo o mais que fiz, não me encontrei
E quando faço a conta ao já vivido,
Só nestoutro presente é que me sei…
Poeta, obedecendo ao que é pedido,
Eu abençoo a hora em que me dei...
Mais tarde, num presente “em diferido”,
Hão-se crescer os frutos que plantei…
Viver, morrer… tudo isto é natural.
Tudo isto, acontecendo, me acontece,
Bem como a todos vós que possais ler-me,
Mas se o Poema nasce, esse imortal
Tão incorpóreo quanto a própria prece,
Persiste e há-de, após, sobreviver-me!
Maria João Brito de Sousa – 01.11.2010 – 14.32h
SONETILHO COM VISTA PARA OS MARES DA LUA
Hoje a Lua está tão perto
Que quase posso tocá-la!
Dela só quero esse incerto
Dos tais mar`s que vão banhá-la
E julgo ter descoberto
Que é desse mar que ela fala,
E é nessas marés, decerto,
Que eu hei-de, um dia, alcançá-la…
Da janela em que repouso
Olho esses mares que mal ouso,
Quando ouso ao longe, avistá-los
E lá por serem lunares
Não deixarão de ser mares
Nem eu vou deixar de amá-los!
Maria João Brito de Sousa – 01.11.2010 – 15.41h
publicado às 09:24
Maria João Brito de Sousa
MEMÓRIAS
DE UM
NÁUFRAGO PERFEITO *
Do vento que sopra, da proa que afunda,
Do mastro partido, do leme encravado,
De ouvir os gemidos do velho costado
Da barca que oscila, bojuda, rotunda, *
Na crista da onda, no mar em que abunda
Escolho traiçoeiro que espreita, aguçado,
Escondido na espuma, submerso, acoitado
Em água que a Barca julgava profunda... *
De tudo me lembro, se bem que já esteja,
No tempo passado, submerso também
E seja esta imagem longínqua o que eu veja *
Da Barca que afunda nos sonhos de alguém,
Apenas a sombra que passa e festeja
Não ser verdadeira, nem ser de ninguém. *
Maria João Brito de Sousa
11.01.2017 - 10.52h
*** (Soneto em verso hendecassilábico)
Ao meu avô poeta, António de Sousa
publicado às 09:17
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso alexandrino)
Adoro, ao pôr-do-Sol, ver a noite cair
Sobre esta minha rua, esta rua onde moro,
E por sobre a calçada amada ver surgir
Em raios de luar a luz com que a decoro.
Amanhã, se acordar, hei-de vê-la a florir!
Há sempre um “se” eu sei, mas nunca, nunca choro,
Tal como nunca sei se irei, ou não, mentir,
Dizendo não pedir, pois nunca nada imploro.
Passa a noite a correr. Nem dei por que passasse
Conquanto a sono solto um sonho cavalgasse...
E, quanto à rua amada, amor, vejo-a sem ti,
Pois por mais que no sonho ansiosa o procurasse
Não mais vi, nesta rua, abrigo que abrigasse...
Rua da qual gostasse, amor, não mais a vi.
Maria João Brito de Sousa – 12.09.2017 – 08.29h
publicado às 12:06
Maria João Brito de Sousa
Pr`a mim, perde o soneto o seu sentido
Se não sintonizar o que escrever
Com algo que sussurra ao meu ouvido
A toada que o faz poema ser,
Portanto nada dou por garantido;
Só criarei se o ritmo o preceder,
Impondo-se, em sentido proibido,
A quanto possa estar-me a acontecer...
Jamais admitirei um desmentido,
A não ser que me venha a arrepender
Caso o verso bloqueie, retraído,
Ou aconteça a pauta emudecer ...
Nesse caso, a razão terei perdido
E nem mais um soneto irá nascer.
Maria João Brito de Sousa – 11.09.2017 – 17.17h
publicado às 10:55
Maria João Brito de Sousa
O SILÊNCIO FALA E GRITA
Por vezes o silêncio fala e grita
De modo tão intenso tão feroz
Que quando ele aparece e nos visita
Faz-nos acreditar que ganha voz
Disfarça-se a rigor qual parasita
E expressa-se de modo tão atroz
Que entre seus brados sente-se a desdita
Cingir-nos e tomar conta de nós
Porém se a madrugada esparge luz
Logo o silêncio foge e se conduz
À plena fantasia dos sentidos
Surge então do silêncio a quietude
Que se quer nos proteja ampare e escude
Em momentos pra nós mais doloridos
MEA
10/09/2017
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EM SILÊNCIO
“Às vezes o silêncio fala e grita”
Tornando-se um tirano prepotente
Mas, noutras, surge harmónico e suscita
Uma viagem nova ao que se sente.
“Disfarça-se a rigor qual parasita”,
Ou despe-se de véus e, de repente,
Ouvimos, dessa voz que nos habita,
Aquilo que, no fundo, nos faz gente.
“Porém se a madrugada esparge luz”,
Ocorre outro silêncio; o que traduz
A esp`rança do nascer de um novo dia.
“Surge então do silêncio a quietude”
E, em silêncio, se atinge a plenitude,
Ou se morre, num espasmo de agonia...
Maria João Brito de Sousa – 11.09.2017 – 13.36h
publicado às 14:10
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso hendecassilábico)
-Dos lírios do campo que viste há bocado,
Nenhum foi plantado. Repara que além,
Já do outro lado, verdinho e doirado,
Aos olhos, um prado florido nos vem...
-São giestas bravas! Quero ir ver o prado!
Vem vê-lo comigo! Vamos vê-lo, mãe!
-Vamos! Não te esqueças, tens de ter cuidado,
Não estragues as flores, que cheiram tão bem!
-Ainda por cima, vê-se ao longe o gado!
Ver coisas tão novas deixou-me encantado...
Prometo cuidado e vou vê-lo também!
-Vai, filho, vai vê-lo, não fiques parado!
Eu fico sentada neste descampado
Que a todos pertence e não é de ninguém...
Maria João Brito de Sousa – 10.09.2017 – 16.05h
Imagem retirada da net, via Google
publicado às 16:17
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso hendecassilábico)
Setembro soprando nas asas do vento,
Embala-me, arrulha-me e... faz-me tremer,
Que, embora esquecida, se no vento atento,
Depressa me lembro de nada esquecer.
Do vento de Inverno que zumbe ao relento,
Lembrada, reduzo-me ao, “que hei-de fazer,
Se por mais que tente, nunca sei se aguento
A muita dureza que o frio me impuser?”
Formigas com asas virão, muito em breve,
Falar dos outonos que o tempo nos deve...
Nas asas do vento que sopra lá fora,
Eu penso que penso, mas sinto, ao de leve,
Que o tempo não deve e tampouco prescreve;
Sou eu quem prescreve, quem deve e quem chora...
Maria João Brito de Sousa – 07.09.2017 - 14.53h
publicado às 15:13
Maria João Brito de Sousa
É sempre bom lembrar quanto a gramática
Nos ensinou sobre a função verbal,
Pr`a melhor entender e pôr em prática
Os verbos mais comuns em Portugal.
Língua que é viva, não se mostra estática,
Porque um neologismo ocasional
Que muito ecoe, deixa a fonte errática
E vem juntar-se à língua original...
Quando racionalmente analisarmos,
Da Língua-mãe, a franca evolução,
Não teremos razão pr`a reclamarmos,
De um verbo, “propriedade” , ou “invenção”;
Não se “registam” verbos! Se um criarmos,
Talvez “entre” na língua... ou talvez não.
Maria João Brito de Sousa – 06.09.2017 – 12.41h
(Reservados os direitos de autor)
NOTA – Fui e continuo a ser contra o AO90, posição que em nada obsta a que entenda, na perfeição, o natural processo evolutivo da Língua portuguesa.
publicado às 16:48
Maria João Brito de Sousa
DEMÃOS DE TINTA
Já dei uma demão no meu cabelo de tinta que era branca, sem mistura pintando devagar, com pouco zelo, manchando a outra que era, negra, escura
Dizem "mais vale sê-lo que par'cê-lo..." E já pareço. E sou. Alguma alvura, atesta que há um selo no Sustelo de algum caminho andado... de lonjura...
Darei outra demão. De forma lenta... a ver se como esta, bem me assenta, formando um preto e branco, algo cinzento
Ao fim de três demãos estará pintado. Mas estarei eu por cá, ou abalado? Será que o tempo vai... deixar-me tempo?
Joaquim Sustelo
(direitos reservados)
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CONVERSANDO...
O meu, que era de um negro de carvão,
Lá se foi, pouco a pouco acinzentando...
Cedo lhe deram primeira demão,
Há tanto tempo que já nem sei quando...
Fosse essa a minha grande frustração,
Fosse esse o tanto que me vai magoando
E eu rir-me-ia, com ou sem razão,
Das mágoas com que a dor me vai brindando.
Mais branco do que teu, o meu vai estando
E, a cada dia, mais se vai pintando
Dessa cor branca, a nossa geração,
Portanto vai sorrindo e poetando!
Pensa que o teu cabelo branqueando
É sinal de que vives, meu irmão!
Maria João Brito de Sousa – 05.09.2017 – 15.35h
publicado às 15:51
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso hendecassilábico)
A Marte não posso subir, nem descer,
Conforme o sentido se entenda, no espaço,
Mas posso ir sonhando, se a Marte aprouver
Desvendar mistérios não dando um só passo.
Em Marte irei estando, enquanto puder,
Descansando um pouco deste meu cansaço
Porque, sem ter escolha, me deixei prender
Até que me imponham soltar-me do laço
A que fiquei presa, perdendo-me em Marte,
Na Terra, na Lua... ah, por toda a parte
Perdida de abraços, vivendo enlaçada
Por amor à vida, toda feita de arte
Que não sei exprimir-te, nem posso explicar-te,
Conquanto me encontre nela bem explicada.
Maria João Brito de Sousa – 01.09.2017 – 17.21h
(Reservados os direitos de autor)
publicado às 17:49