Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Se eu pudesse despir-me de razões,
Minhas asas ao vento deitaria
Ou, mesmo desasada, voaria
Sem rumo, sem destino e sem paixões.
Mas tem, este meu “se”, contradições;
Eu sei lá se a paixão me moveria
Nesse acto de voar, nessa ousadia
De rebelar-me contra as convenções?
Confesso que já houve ocasiões
Em que qualquer paixão me perderia
E, não fora a razão, despir-me-ia
Cedendo às ilusórias tentações...
Mas vem pôr-me, a razão, novas questões
E, afinal, se eu pudesse... não podia!
Maria João Brito de Sousa – 18.08.2017 – 11.23h
publicado às 11:43
Maria João Brito de Sousa
A SEREIAZINHA
*
(Soneto em verso hendecassilábico)
*
Uma maré-cheia, duas marés cheias,
Três marés tão cheias que já transbordaram,
São as coisas belas que de mim ficaram
(se não forem belas, tão pouco são feias)
*
E caso surgisse galgando as areias
Onda que espantasse gentes que as pisaram
Logo de olhos postos nos que se espantaram
Alguém juraria: - São belas sereias!
*
Mas... coitadas delas, meras invenções
Deste nosso infindo, estranho imaginário,
Cantam nem sei como porque, sem pulmões,
*
Faltando-lhes órgão tão prioritário,
Depressa se esvaem nas contradições;
Na rocha, a sereia sonha um mar lendário.
*
Maria João Brito de Sousa – 15.08.2017 – 10.36h
publicado às 11:22
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso hendecassilábico)
Nasci sendo parte de outro cinescópio;
Desde os meus primeiros momentos de vida
Via, em cada letra, um caleidoscópio
E a frase sorria de tão colorida...
Só sentido faço deste modo impróprio
E só me concentro quando diluída,
Mas nunca me digam; - Foi consumo de ópio...
Pois desta maneira fui nada e parida!
Sei ser muito humana, mas não sei se sei
Explicar subtilezas que só eu distingo...
Talvez o consiga, depois o verei,
Caso sobre ainda uma gota, um pingo,
Disto que, em verdade, sempre vos contei...
Chamam-me aldrabona? Nem assim me vingo!
Maria João Brito de Sousa – 14.08.2017 – 13.59h
NOTA - Estas letras e dígitos não apresentam as cores com que eu mentalmente os vejo.
publicado às 15:31
Maria João Brito de Sousa
Que faço de um poema que não pinto,
Nem burilo, polindo-lhe as arestas?
Que faço ao que me escapa pelas frestas,
Daquilo que não vejo ou que não sinto?
Que faço, já que eu própria me desminto
Pois vou desperdiçando em mornas sestas
As horas de criar, quando em giestas
Podendo transmutar-me, o nem consinto?
Ah, toda a minha vida andei correndo
E agora repouso, compreendo...
Mas pudesse eu correr como corria
E garanto que, ainda que morrendo,
Seria mais veloz, menos doendo
Depois da maré-cheia, outra, vazia...
Maria João Brito de Sousa – 11.08.2017 – 11.40h
publicado às 11:48
Maria João Brito de Sousa
UM MOSQUITO NO COPO DO LEITE II
*
Olho o copo de leite que aquecera
E emito logo involuntário grito,
Porquanto, nesse copo, acontecera
Boiar um desgraçado dum mosquito!
*
Sem saber por que raio se metera
Esse insecto no leite que ora fito,
Penso: - Quando mosquito assim se esmera,
Fica qualquer humano apoucadito!
*
Em leite, nunca nado... e sou mulher!
Como pode um flebótomo fazer
Tamanha veleidade, ousar assim?
*
Talvez tenha pousado pra beber
E mergulhado sem se aperceber
Que o leite desse copo era pra mim.
*
Maria João Brito de Sousa – 06.08.2017 – 13.10h
Imagem retirada do Google
publicado às 13:49
Maria João Brito de Sousa
UM MOSQUITO NO COPO DO LEITE
*
Neste copo de leite anda um mosquito!
Que falta de cuidado e de respeito
Por parte de quem faz, do leite, um mito,
Por parte de quem vê, no mito, um feito!
*
- Senhor, peço um favor, não fique aflito
Que eu salvo a situção de qualquer jeito!
Vou buscar outro copo e não repito
O erro de o deixar no parapeito...
*
- Ao erro cometido, lho credito
E juro que não peco por defeito,
Pois posso garantir que assim que o fito
*
Vejo alguém que não faz nada direito
E está mais que ditado o veredicto:
Mosquitos no meu copo... nunca aceito!
*
Maria João Brito de Sousa -04.08.2017 – 10.18h
NOTA - De visita a um blog amigo, fiz algo que muito raramente faço; cliquei no "nick" de um dos comentadores e, de acaso em acaso, acabei por ir dar a um blog que propunha uma história sobre um mosquito num copo de leite, em setenta e sete palavras.
A curiosidade foi grande e não pude resistir à tentação de conseguir um soneto perfeito com as tais setenta e sete palavrinhas... não alcancei o objectivo. Em poucos minutos percebi que teria de optar entre um soneto muito, muito manco e um verdadeiro soneto, mas composto por cem palavras.
Escolhi este último e espero a vossa compreensão, bem como a compreensão do/a "blogger" que lançou a ideia.
publicado às 10:57
Maria João Brito de Sousa
Eu reivindico as rugas! Ruga a ruga,
Fui conquistando ao tempo a Poesia,
Esta que agora gravo, inda que, em fuga,
Mais pareça criar desarmonia,
Porquanto, cruamente, a dor me aluga
Os sentidos em flor com que escrevia
E nem a melodia em mim madruga
Como há bem pouco tempo acontecia...
Foi, no entanto, delas que me veio
Cada verso daquel`s por que hoje anseio
E que não trocarei por coisa alguma;
Venham mais rugas porque as não receio!
De falsidades anda o mundo cheio
E, às minhas, conquistei-as uma a uma!
Maria João Brito de Sousa – 03.08.2017 - 11.35h
Dedicado à MEA e escrito após a leitura do seu lindíssimo soneto
“Não Deixem que me Vista de Saudade”.
Imagem retirada da Fábrica de Histórias
publicado às 11:50