Maria João Brito de Sousa
PASSEEI PELO MEU EU
Passeei pelo meu Eu e passo a passo
encontrei infortúnios e alegrias,
tudo isto recolhi no meu regaço,
pedaços de sonhos e fantasias.
Encontrei-me com momentos de euforia,
e lágrimas rolando no meu rosto,
já vi o sol brilhando no meu dia,
e, vi o fim da tarde de um sol posto.
A vida não escolhemos, acontece!
nem sempre é aquilo que parece,
é um livro muito nosso... é pessoal.
Desfolhamos dia a dia a nossa vida,
já lemos parte dela, é a vivida,
não vamos conhecer, é o final!
.
Dulce Saldanha
A VIDA QUE EM MIM PASSEIA...
"Passeei pelo meu Eu e passo a passo",
Redescobrindo espaços já esquecidos,
Colei-os, quando feitos em pedaços,
Descosendo os que estavam já cosidos.
"Encontrei-me em momentos de euforia,"
Espelhei-me, criativa, em mais de mil,
Vasculhei-me por dentro, em cada dia
E, em cada dia, achei rastos de Abril.
"A vida não escolhemos, acontece!"
Nunca sabendo o que ela nos of`rece,
Lembrando tudo o que ela já nos deu,
"Desfolhamos dia a dia a nossa vida"
E enquanto a desfolhamos, de corrida,
É ela quem passeia o nosso Eu...
Maria João Brito de Sousa - 26.10.2016 - 08.54h
publicado às 23:29
Maria João Brito de Sousa
RECEBO-TE MANHÃ
Recebo-te manhã que nasces prenha
De futuro, de amor,de paz, de vida
Que entras sem precisares duma senha
E no meu dia fazes-te nascida
Recebo-te manhã mesmo que venha
Contigo não apenas luz cupida
Mas triste descrição numa resenha
Dum dia que parece de saída
Recebo-te manhã todos os dias
Vislumbro de ti tantas melodias
que se escondem na paz do teu nascer
Recebo-te manhã, cada manhã
Como se não houvesse outra, amanhã
Aonde eu me pudesse renascer
MEA 15/12/2016
RETRATO HIPER-REALISTA DE UMA MANHÃ GELADA DE DEZEMBRO
(Contraponto)
Recebo-te encolhida, a tiritar,
Manhã deste Dezembro em que envelheço
Um ano por minuto... e, sem chorar,
Enfrento-te, manhã que desconheço
Se vieste tão só pr`a me enfrentar,
Ou porque, em te acolhendo, eu não te impeço...
Cada renovo teu, mais vem gelar
Este quarto em que durmo e nunca aqueço
E por ser bem real o que aqui digo,
Que mais posso dizer? Não te mendigo
A caridade de um calor de estio,
Pois bem sabes, manhã; estarei contigo,
Eu que, apesar das queixas, tenho abrigo...
Mas a verdade é dura e... tenho frio!
Maria João Brito de Sousa - 16.12.2016 - 17.36h
publicado às 23:30
Maria João Brito de Sousa
FIM DE TARDE
Entra o sol pla vidraça entreaberta
Vem brilhar no meu rosto já esquecido
Dos suaves afagos desta oferta
Que por beijá-lo o deixam aquecido
Com ele traz suave mas incerta
A música dum pássaro atrevido
E que mesmo cantando fica alerta
E faz-se esvoaçar por um estalido
O sol é tão ameno. O canto frágil!
Vai desmaiando o Sol. O passaro ágil
Desfaz-se do seu canto, cala a voz
Pla vidraça fechada apenas escuro
Nem o brilho do sol, mesmo inseguro
Nem o canto do pássaro veloz
MEA
11/12/2016
ESPAÇO-TEMPO
(Um dia sem poesia)
Por cá, passou-se o dia, e mal o vi...
Choveu, é certo, a meio da manhã,
Mas se houve sol, nem del` me apercebi
Nesta canseira imensa, inteira e vã
Em que, por força externa, me encolhi
Por dentro, qual semente da maçã
Que fiquei a olhar, mas não colhi
Porque, olhando melhor, não estava sã...
Por cá, passou-se o dia. Mais um dia
Em que nem mesmo o verso, a melodia
Me veio consolar com suave abraço,
Pois tudo o que o cansaço permitia
Era ir sobrevivendo... e prometia
Mais um dia sem tempo pr`a ter espaço...
Maria João Brito de Sousa - 15.12.2016 - 09.10h
publicado às 23:30
Maria João Brito de Sousa
CONSOADA ESPECIAL
Havia pela tarde uma magia
No preparo da noite desejada
Lenha seca arrumada com mestria
Massa que se queria levedada
Noite fora a família em harmonia
Junta à volta do lume, atarefada
Esticando os coscorões logo os frigia
Numa alegria simples e animada
Havia brincadeira, festa, riso
Um misto de loucura e paraíso
Na noite desenhada de surpresa
Fumegante no púcaro, café
Amigo fiel, vai da chaminé
Acompanhar a nossa sobremesa
MEA
13/12/2016
A VELHA BRASEIRA DE COBRE
Diluídos no tempo, ecoam, vagos,
Vestígios de uma antiga Consoada;
Sorrio, cá por dentro, e são afagos
Que a memória me dá, não dando nada.
Os meus olhos, agora, são dois lagos
Onde se espelha o tempo e, consolada,
Nem vejo quanto o tempo fez de estragos
Ao longo desta longa caminhada.
Não sei dizer porquê, mas, de repente,
Impõe-se-me, da ceia, o morno, o quente
Da braseira de cobre, sob a mesa
E, ainda sem saber se outrém o sente,
Acendo-me eu, inteira, internamente,
Num brasido de humana natureza.
Maria João Brito de Sousa - 13.12.2016 - 14.52h
publicado às 23:30
Maria João Brito de Sousa
A MINHA DOR
*
A minha Dor é um convento ideal,
Cheio de claustros, sombras, arcarias,
Aonde a pedra em convulsões sombrias
Tem linhas dum requinte escultural.
*
Os sinos têm dobres de agonias
Ao gemer, comovidos, o seu mal...
E todos têm sons de funeral
Ao bater horas no correr dos dias...
*
A minha Dor é um convento. Há lírios
Dum roxo macerado de martírios,
Tão belos como nunca os viu alguém!
*
Nesse triste convento aonde eu moro,
Noites e dias rezo e grito e choro,
E ninguém ouve... ninguém vê... ninguém...
*
Florbela Espanca
In "Livro de Mágoas"
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MINHA DOR, MINHA MUSA
*
A minha Dor, se às vezes me domina,
As mais das vezes bate em retirada;
Diante de um poema, vale um nada
Do que me vale o verso que a fascina!
*
Minh`alma - minha carne e minha sina -
Quando por tanta dor desencantada,
Consuma-se em soneto e, consumada,
Torna-se a dor, menor, mais pequenina
*
E se, em verdade, a Dor molda o meu mundo,
Também a ela a moldo, se a confundo
Com tão frontal estratégia e, já confusa,
*
Envergonha-se e tenta-se esconder...
Quanto daria a Dor para entender
Como é que dela faço a minha Musa?
*
Maria João Brito de Sousa - 11.12.2016 - 10.10h
IMAGEM - "Fábula e Verdade" , José de Brito (meu bisavô)
publicado às 23:30
Maria João Brito de Sousa
(leitura) *
... e depois das discórdias, dos consensos da carne alvoroçada e dos sentidos, sobraram-me alguns versos embutidos em mim, que ainda os sonho e sempre imensos... *
Vibram estirados estes versos tensos, arcos de besta em tiro distendidos, que apenas olhos, gastos, consumidos, não varam nevoeiros, quando densos *
Mas, melhor vendo um verso do que nada, mais retesam a corda já estirada entre autor e leitor. Sempre nós dois *
No centro da tensão já consumada sobre um verso qualquer, na balaustrada deste nem-sei-o-quê que vem depois.
*
Maria João Brito de Sousa - 12.12.2016 - 14.39h
publicado às 23:30
Maria João Brito de Sousa
NÃO ME FALES DE GLÓRIA: É OUTRO, O ALTAR
(A Alberto Sampaio)
Não me fales de glória: é outro, o altar Onde queimo piedoso o meu incenso, E animado de fogo mais intenso, De fé mais viva, vou sacrificar. A glória! pois que ha n'ela que adorar? Fumo, que sobre o abysmo anda suspenso... Que vislumbre nos dá do amor immenso? Esse amor que ventura faz gosar? Há outro mais perfeito, único, eterno, Farol sobre ondas tormentosas firme, De immoto brilho, poderoso e terno... Só esse hei-de buscar, e confundir-me Na essencia do amor puro, sempiterno... Quero só n'esse fogo consumir-me!
Antero de Quental
In "Sonetos"
AINDA UM OUTRO ALTAR
"Não me fales de glória: é outro o altar"
E outra é a razão dos meus sonetos,
Que são, pr`á glória, trastes obsoletos,
Mas são, pr`a mim, o pão que eu cozinhar!
"A Glória! Pois que há nela que adorar?"
Palácios de ilusões, sempre inconcretos,
Com túneis, tão sombrios, quanto secretos,
Em que me perderei, se os alcançar...
"Há outro mais perfeito, único, eterno,"
Aonde sempre fui (re)construir-me
Enquanto resistia ao duro Inverno;
"Só esse hei-de buscar, e confundir-me"
Num menos rebuscado e mais fraterno
E, quer creiam, quer não, muito mais firme!
Maria João Brito de Sousa -11.12.2016 - 12.19h
Imagem - Gravura de Manuel Ribeiro de Pavia
publicado às 00:57
Maria João Brito de Sousa
CARÍCIA QUE ACALENTA
É tão cedo que o sol ainda dorme
Numa cama só feita de luar
Macia e tão branca, catre enorme
Sobre as nuvens cinzentas lá no ar
Espreguiça-se então lento e ramiforme
E num sorriso breve faz-me olhar
Pró horizonte belo e cordiforme
Anunciando então seu acordar
Aos poucos se reforça de calor
Beijando cada rosto com ardor
Em suave carícia que acalenta
Quando cansado volta a adormecer
Qual criança num sono de prazer
Porém sem ele há frio que atormenta
MEA
9/12/2016
PRELÚDIO(S)
Não há maior carícia do que o beijo
De um verso inesperado a despontar
Deste limbo sem nome em que o protejo,
Tranformando em soneto o meu pensar,
Fluindo, acrescentando-se ao "meu" Tejo,
Fazendo-me correr sem vacilar
Ao encontro do verbo e do solfejo
Que alguma Musa errante ousou soltar...
Pr`alguns, não faz sentido, eu bem o sei,
Mas como o calarei, se o exp`rimentei
Como a mais tentadora das carícias
Desta já longa vida? E negarei
Que mais me tenta aquel`que nem provei,
Mas que virá depois dar-se em primícias?
Maria João Brito de Sousa - 10.12.2016 - 11.52h
publicado às 08:25
Maria João Brito de Sousa
SENTIR A LIBERDADE
Ah! Como é bom sentir a Liberdade
De evoluir-se, de estar, de sonhar
Deixar transformar em realidade
O querer, o cantar, o festejar...
É bom ser feliz e sentir-se bem
É bom fazer um passeio qualquer
É muito bom estar junto de alguém
E ceder a tentação do querer
Sem preocupar-se com a tal censura
Sem angústia ou medo, sem violência
Sem o sofrimento da ditadura
Ser livre, sem ter d´alguém, anuência
Ser livre para uma simples loucura
Ter a nossa total independência
Cida Vasconcellos
21/04/2016
8:47
POR NÓS E PELA RAZÃO QUE NOS MOVE
"Ah! Como é bom sentir a Liberdade",
Quando nos foge e nós não desistimos
De correr atrás dela, se se evade,
E de alcançá-la, assim que nos cumprimos!
"É bom ser-se feliz, sentir-se bem",
Tendo o suficiente pr`a escrever
E pr`a gravar na pel` que nos contém,
Os versos de um soneto por nascer,
"Sem preocupar-se com a tal censura",
Quando a razão se ganha em transparência
Justificando os p`rigos da aventura...
"Ser livre sem ter d`alguém anuência",
Por mais que alguém nos diga que é loucura
Contrariar, sem medo, esta indigência...
Maria João Brito de Sousa - 11.08.2016 - 10.50h
publicado às 09:52
Maria João Brito de Sousa
PEDRAS NO MEU CAMINHO
Na estrada onde caminho, no meu trilho Há pedras que se soltam na passagem Contudo não me servem de espartilho E prossigo serena na viagem
Delas faço um castelo, sem caixilho, Sem portas, sem janelas, sem ferragem Para que nada seja um empecilho Aos ventos que me trazem nova aragem
E das pedras que sobram orno leiras Onde extasio o olhar de tais canseiras Que ficam das pedras afastar
Pra que não se duvide deixo aviso Neste castelo que é meu paraíso Somente eu poderei pra lá entrar
Maria da Encarnação Alexandre
18/10/2016
UM SONETO, PEDRA A PEDRA
"Na estrada onde caminho, no meu trilho"
Tão solitário, inóspito e selvagem,
Há mil pedras que esculpo e que partilho,
Moldando cada pedra à vossa imagem...
"Delas faço um castelo, sem caixilho,"
Mas deixo sempre aberta uma passagem
Pr´a que possa acender-se algum rastilho
Que faça vislumbrar nova mensagem
"E das pedras que sobram, orno leiras",
Procuro, em vez de estradas, as pedreiras
Em que possa encontrar matéria-prima...
"Pra que não se duvide deixo aviso";
Em cada pedra encontro o que é preciso
Para erguer um castelo em cada cada rima...
Maria João Brito de Sousa - 20.10.2016 - 10.52h
publicado às 11:38
Maria João Brito de Sousa
VOU ESCREVINHANDO FRASES E VERSOS
Neste livre pensar que existe em mim
E que de mim se apossa, livre penso
o que em sonhos me faz querer assim
Sem contudo perder o meu bom senso
Galopam meus pensares plo jardim
Onde ardem os perfumes desse incenso
Que acalma esta inquietude sem ter fim
Serenando-me em paz onde pertenço
Não me sinto porém assim completa
E faço apelo à voz que me aquieta
Pra que dê nexo e lógica ao que sinto
Vou escrevinhando então frases e versos
Que aqui me vão nascendo nestes berços
E que vou abraçando por instinto
MEA
7/12/2016
CAVALOS GALOPANDO À BEIRA DE UM MAR DE SILÊNCIOS
"Neste livre pensar que existe em mim",
Que mesmo sendo livre, é responsável,
Fico a aguardar o verso que põe fim
À estagnação da prosa (in)violável;
"Galopam meus pensares plo jardim"
E, dessa cavalgada, irrompe, instável,
Liberto já de rédeas e selim,
O que não parará, porque imparável.
"Não me sinto porém assim completa";
Quero que o meu poema alcance a meta
Do que entenda dizer (porque eu lho digo...)
"Vou escrevinhando então frases e versos"
Do espólio desta Barca, ainda imersos
No mar sem fundo de um silêncio amigo.
Maria João Brito de Sousa - 07.12.2016 - 16.36h
publicado às 10:22
Maria João Brito de Sousa
QUERO UM POEMA DE AMOR
Hoje quero um poema só de amor
Que me fale de beijos e carícias
Que me dê seus prazeres sem pudor
Que satisfaça em mim suas malícias
Que faça de mim escrava com ardor
Que torture inteira de delícias
Que me dê seu agrado protector
Sem tortura, castigos nem sevícias
Quero apenas sentir nele a emoção
De quem se dá completo de paixão
Quero sorver venturas e alegria
Hoje quero um poema pra espalhar
Toda a felicidade que é amar
Conjugada de afecto e harmonia
MEA
24/11/2016
PALAVRA E CONCEITOS
"Hoje quero um poema só de amor",
Um poema de beijos, de paixões,
De projectos a dois, desse furor
Repleto de desejo e transgressões,
"Que faça de mim escrava com ardor"
- de mim, que hoje abomino escravidões... -,
Tão dócil quanto ovelha de pastor,
Tão frágil que sucumba às tentações...
"Quero apenas sentir nele emoção",
Esquecer a mais premente compulsão
Da palavra poética abrangente;
"Hoje quero um poema pra espalhar"
Urgências que me esqueço de lembrar
Porque a paixão da escrita é mais premente...
Maria João Brito de Sousa - 24.11.2016 - 11.07h
publicado às 09:39