Maria João Brito de Sousa
Mais um ano que chega, outro que vai
Neste vaivém de ser-se e estar-se vivo
Num tempo que julgámos ter cativo,
Mas que, medido em anos, sobressai
Na neve do cabelo, que essa cai
Sobre a sorte de tê-lo em nada esquivo...
Vou passando o passado pelo crivo,
Pr`a ver, do que me sobra, o que me sai;
Não fujo à Luta, mas já mal lhe chego,
Que o meu presente é lúcido, mas cego,
Ou vê tão pouco que me torna inútil
A mesma lucidez que não me nego
Enquanto lhe for tendo humano apego,
Pois de aço feita; firme, honesta e dúctil.
Maria João Brito de Sousa - 30.12.2016 - 15.32h
publicado às 19:00
Maria João Brito de Sousa
Por vezes tenho dúvidas . Não sei
Como chamar por Ti. Que nome tens? Mas sei que, quando chamo, sempre vens No mesmíssimo instante em que chamei
E se, enquanto chamando, exagerei Pedindo-te mais graças do que bens, Dando-me exactamente o que conténs, Dar-me-ás muito mais que o que almejei…
Se, assim, sem dar-te um nome redutor, Tu me dás tanta graça e tanto amor Que, por mais que agradeça, nunca chega,
Eu ser-te-ei leal, mas sem te impor Um nome sem valor – seja qual for! – Porquanto não tem nome a nossa entrega…
Maria João Brito de Sousa – 06.11.2010 – 14.26h
À Poesia
publicado às 21:30
Maria João Brito de Sousa
SONETO DO AMOR TOTAL
Amo-te tanto, meu amor... não cante O humano coração com mais verdade... Amo-te como amigo e como amante Numa sempre diversa realidade. Amo-te afim, de um calmo amor prestante E te amo além, presente na saudade Amo-te, enfim, como grande liberdade Dentro da eternidade e a cada instante. Amo-te como um bicho, simplesmente De um amor sem mistério e sem virtude Com um desejo maciço e permanente E de te amar assim, muito e amiúde É que um dia em teu corpo, de repente Hei-de morrer de amar mais do que pude. Vinicius de Moraes, in 'O Operário em Construção'
SONETO DO AMOR SAUDÁVEL
"Amo-te tanto meu amor... não cante"
mais alto este receio que me invade
de amor tirano que me prenda ou espante
o meu, que só se acende em liberdade...
"Amo-te a fim de um calmo amor prestante",
colaborante e que, em cumplicidade,
possa, ao lançar raiz, ser militante
da causa bem maior de uma amizade...
"Amo-te como um bicho, simplesmente",
no laço em que te abraço e não te ilude,
nem te quer prisioneiro ou dependente
"E de te amar assim, muito e amiúde"
decerto morrerei, mas não doente
do amor de que enfermei na juventude...
Maria João Brito de Sousa - 11.09.2015 - 14.46h
publicado às 21:35
Maria João Brito de Sousa
MUDAM-SE OS TEMPOS...
*
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, Muda-se o ser, muda-se a confiança; Todo o Mundo é composto de mudança, Tomando sempre novas qualidades.
*
Continuamente vemos novidades, Diferentes em tudo da esperança; Do mal ficam as mágoas na lembrança, E do bem, se algum houve, as saudades.
»
O tempo cobre o chão de verde manto, Que já coberto foi de neve fria, E em mim converte em choro o doce canto.
»
E, afora este mudar-se cada dia, Outra mudança faz de mor espanto: Que não se muda já como soía.
Luiz Vaz de Camões
*
DIALÉCTICA
*
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,"
Muda-se o gesto, o modo, o linguajar
E até por não poder se não mudar,
Se mudam, do ser vivo, as qualidades.
*
"Continuamente vemos novidades,"
De que iremos gostar, ou desgostar,
Conforme as consigamos, nós, olhar
Com lucidez que afaste ambiguidades.
*
"O tempo cobre o chão de verde manto(,)"
E, o nascimento, a vida de alegria
Que tanta vez se muda em desencanto
*
"E afora este mudar-se cada dia"
De sol brilhante, numa noite em pranto,
A Vida a toda a hora se cambia.
*
Maria João Brito de Sousa - 28.12.2016 -12.01h
publicado às 21:30
Maria João Brito de Sousa
Patrono: Florbela Espanca
Académica: Maria João Brito de Sousa
Cadeira -06
UM POUCO DE BOM-SENSO E DE HUMILDADE
(O Egotista)
Gabava-se esse, o todo-poderoso
Senhor dos mil juízos que ditava,
De nunca ter falhado e reclamava,
Da autoridade plena, o pleno gozo,
Um dos seus "réus", porém, menos faustoso,
Mas sábio, humilde e justo, retrucava
Que, não tendo isenção, lhe não bastava
Dizer-se omnisciente e ser vaidoso...
Nada ouviu, pois nenhuma opinião
Lhe toldaria a glória, a presunção
Da colossal cegueira da vaidade;
Sendo egotista, tinha a sensação
De não falhar, de sempre ter razão,
Por falta de Bom-senso e de Humildade.
Maria João Brito de Sousa - 09.12.2016 - 14.26h
publicado às 21:30
Maria João Brito de Sousa
Para te amar, soneto, ou por te amar,
Empunho a espada do meu livre arbítrio,
E ergo o meu escudo a quem tentar estocar
Teu coração pulsante, honesto e vítreo.
Razões não tenho, nem posso afirmar
Que estás a salvo, que é seguro o sítio
Erguido a pulso pr`a te resguardar,
Ou que é de aço esta espada, quando é lítio...
Hesitarás, portanto, em confiar-te
Às mãos de uma tão frágil defensora
Que nada tem pr` além de "engenho e de arte",
Mas... que posso fazer? Indo-me embora,
Quem mais daria a vida pr`a cantar-te?
Que outra, assim, loucamente, te (e)namora?
Maria João Brito de Sousa - 26.12.2016 - 15.44h
publicado às 21:15
Maria João Brito de Sousa
Soneto
Ao Luís Vaz, recordando o convívio da nossa mocidade.
Não pode Amor por mais que as falas mude
exprimir quanto pesa ou quanto mede.
Se acaso a comoção concede
é tão mesquinho o tom que o desilude.
Busca no rosto a cor que mais o ajude,
magoado parecer os olhos pede,
pois quando a fala a tudo o mais excede
não pode ser Amor com tal virtude.
Também eu das palavras me arredeio,
também sofro do mal sem saber onde
busque a expressão maior do meu anseio.
E acaso perde, o Amor que a fala esconde,
em verdade, em beleza, em doce enleio?
Olha bem os meus olhos, e responde.
António Gedeão
in Colóquio Letras, nº55, Maio de 1980
IMENSURABILIDADE(S)
"Não pode Amor, por mais que as falas mude",
Muito objectivamente ir-se explicando,
Pois perde-se em razões, nunca encontrando,
Quando se quantifica, uma atitude.
"Busca no rosto a cor que mais o ajude";
Quando se lilude, é porque a foi esboçando
E invariavelmente a vai cambiando
Conforme se lhe impõe essa, a que alude...
"Também eu das palavras me arredeio"
Sempre que de Amor falo e, reconheço,
Que da(s) palavra(s) tenho algum receio
"E acaso perde, o Amor que a fala esconde,"
Dessa chama, ou centelha, o alto preço,
Por mais que, ao zero, o preço se arredonde?
Maria João Brito de Sousa - 25.12.2016 - 12.11h
publicado às 21:25
Maria João Brito de Sousa
FOLHETIM
Jogou-se à vida o meigo desvairado
- em sete vezes sete cabriolas -
Com os nervos timbrados como violas
E uma pureza feita de pecado.
Tão cedo que chegou... e já deitado
O mundo todo - farto de violas!
Foi seu triste comer o pão de esmolas
De uns velhos astros, de um luar cansado.
Trazia um sonho e nenhum sonho o mede!
Só - como o vento em naves de pinhais -
O seu destino é uma paisagem morta;
Ninguém acode ao cheiro de quem pede
Sem moeda de compra, menos-mais...
Nem a Deus, nem ao Demo se abre a porta.
António de Sousa
In "Livro de Bordo", 2ª edição
Editorial Inquérito
INCÓGNITA
"Jogou-se à vida o/a meigo/a desvairado/a"
Nos seus tempos dourados de abastança
- que eram de sol, seus dias de criança -,
Que a vida recebeu por convidada.
"Tão cedo que chegou... e já deitado/a"
Às sortes de um pretérito em mudança,
Que havia de mudar-lhe a negra trança
Em cabelos de cinza desgrenhada...
"Trazia um sonho e nenhum sonho o/a mede!"
Não há metro que alcance o infinito,
Nem cálculo, ou perfeita dedução;
"Ninguém acode ao cheiro de quem pede",
Ou decifra a linguagem do seu grito,
Pois de imprevistos tece a solução.
Maria João Brito de Sousa - 24.12.2016 - 1.53h
publicado às 13:01
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Nove anos, por amor, moldei, esculpi,
Fui dando forma ao barro da palavra;
Nove anos, sol a sol, servi, qual escrava,
Na voz do verbo, o barro em que nasci!
Nove anos, por opção, não desisti
Dessa labuta que por mim clamava
E nove anos a fio sobrevivi
Dos parcos frutos que esse ofício dava.
Por outros nove, ou mais, resistiria
Se esta vida tão só mos concedesse;
Mais nove vezes nove os moldaria
No barro da palavra... se o pudesse,
Pois quem do barro vive, em barro cria
As palavras, nas quais se reconhece.
Maria João Brito de Sousa - 23.06.2016
publicado às 23:30
Maria João Brito de Sousa
DIVAGANDO SOBRE O “NADA”
Que não existe, nulo, sem valor
É o NADA a ausência bagatela
Diz-se para falar de algo menor
Ou do pouco que vemos da janela
Contudo olhando bem pró exterior
Veem-se nele vãos sendo procela
E ditos NADA essência bem maior
Que o cintilante brilho duma estrela
Tanto NADA podendo ser o muito
Depende da vontade ou do intuito
De quem o quer olhar ou perceber
E tanto muito sendo apenas NADA
Ninharia, irrisória madrugada
Para quem trilha caminhos de poder
MEA
20/12/2016
UM SONETO CONQUISTADO A UM NADA...
"Conquistado" ao melhor do meu pior
- porque em mau estado estou, não vou mentir -
Vou tentar responder, mas sem rigor,
Tanto quanto o meu estado o consentir...
Talvez tenha a palavra algum vigor
E de um nada consiga construir,
Em verso, um sonetito bem menor
Do que outros que costumo conseguir,
Pois TUDO faz sentido, em seu contexto,
Quando um NADA nos serve de pretexto
Pr`á conversa banal que agora insisto
Em deixar, sem cuidados, neste texto
Sem qualidade, eu sei, nem o contesto,
Que de um NADA me vem, quando o conquisto...
Maria João Brito de Sousa - 21.12.2016 - 09.56h
NOTA - Este soneto da MEA traz "pano para mangas", mas... dentro da minha actual "conjuntura", foi tudo o que consegui responder-lhe, em amena conversa, como vai sendo hábito.
publicado às 23:30
Maria João Brito de Sousa
O DIA NASCEU DEVAGARINHO
Hoje o dia nasceu devagarinho
Quando o sol despertou a madrugada
Abanou ao de leve aquele ninho
Construído há muito na ramada.
Levou-me no meu sonho de mansinho
Para outro caminho, outra estrada
Como se fosse um débil passarinho
Que voava tão pouco…quase nada.
Se a sua luz entrou pela janela
Raiando com intensidade bela
Capaz de iluminar o meu porvir,
Deixou um bom odor e sensação
Fiquei com alecrim no coração
No rosto, só o esgar do meu sorrir.
Alice Mendes
30.10.2016
PONDO OS PÉS NO CHÃO, AO DESPERTAR
"Hoje o dia nasceu devagarinho",
Com pés de lã prudentes, cuidadosos,
Escondendo o astro-rei nalgum cantinho
Dos céus acinzentados, nebulosos.
"Levou-me no meu sonho de mansinho"
Por mágicos caminhos pedregosos
E trouxe-me de volta ao velho ninho
Fazendo-me esquecer seus magos gozos...
"Se a sua luz entrou pela janela",
Fazendo esmorecer a luz da vela
Que iluminava um corpo adormecido,
"Deixou(-me) um bom odor e sensação",
Mas trouxe-me de volta à dimensão
Das mil funções do corpo, ao ter-me erguido...
Maria João Brito de Sousa -01.11.2016 - 10.16
publicado às 23:31
Maria João Brito de Sousa
FEL
Aceito haver o fraco, haver o forte,
A negra morte, o nada, a breve vida
O Sol a desaparecer na despedida
A Lua à noite viúva entregue à sorte.
Aceito aquele que anda já sem norte
O que não encontra a porta de saída
O que vive do vício da rapina
O que sucumbe sem ter passaporte.
Aceito o vento como obra do acaso
A cobra fria que usa letal veneno
Entrando num jardim que não é o seu
Aceito a flor que morre em seco vaso
A dor de ser mortal, de ser pequeno
Mas esse fel que provas não é meu
António Codeço, 2016
NEM TUDO FEL, NEM TUDO MEL...
"Aceito haver o fraco, haver o forte,"
Nascer, da sombra, a luz dum Sol intenso,
Queimar, até à cinza, um pau de incenso,
Ou quanto tempo reste, antes da morte...
"Aceito aquele que anda já sem norte",
E o outro, o que o descobre e torna imenso,
Mas mal me aceito a mim, se fico tenso
De tanto ir aceitando e, de tal sorte,
"Aceito o vento como obra do acaso",
Mas nunca meço o fluxo entre as pressões
Que, de alta para baixa, vão soprando,
"Aceito a flor que morre em seco vaso",
Mas duvido que aceite as distracções
Dos que a viram murchar, nunca a regando...
Maria João Brito de Sousa - 11.08.2016 -01.43h
publicado às 23:30