Maria João Brito de Sousa
QUERO COLHER O DIA
Quero colher o dia que nasceu Como quem colhe frutos. Com afecto E degustar os gomos que me deu Ao sorver seu perfume mais secreto
Saciar esta fome, no apogeu De sabores e cores, tão concreto Que ele nesse festim me concedeu Em ambiente ameno e tão completo
Inspirarei com gozo seus perfumes Os olhos bem fechados, sem queixumes Espargindo pelo ar minha ternura
Quero beber seu sumo envolto em sol No canto musical dum rouxinol! Enfim…quero colhê-lo sem bravura!
MEA 16/11/2016
VIAGEM
"Quero colher o dia que nasceu",
Lançá-lo no convés da minha barca,
Levá-lo além do mar, torná-lo meu,
Deixar-lhe, em hora incerta, a minha marca...
"Saciar esta fome no Apogeu"
Do ponto que a visão precisa abarca,
Rendê-lo e, por momentos, dar-lhe o céu
Onde, em tempos, reinava a velha Parca...
"Inspirarei com gozo seus perfumes",
Mostrar-lhe-ei corais, conchas, cardumes
De coloridos peixes tropicais;
"Quero beber seu sumo envolto em sol",
Tornar-me o próprio engodo deste anzol
Que usei para poder prendê-lo mais!
Maria João Brito de Sousa 1.11.2016 - 21.55h
publicado às 08:29
Maria João Brito de Sousa
RENDIÇÕES
Atrás de escura nuvem se escondeu Adivinhando a chuva que aí vinha O sol envergonhado lá no céu E foi-se embora o brilho que ele tinha
Fenómenos que são tão curiosos... A minha mente quase nem entende... Astro tão forte, raios luminosos, Esconde-se envergonhado... até se rende...
Será por ver na chuva que o céu chora Que a culpa é dos seus raios que hão lá posto Nas nuvens, água que há evaporado?
Também te fiz chorar... fui sem demora Secar-te duas lágrimas no rosto Depois eu me rendi, envergonhado.
Joaquim Sustelo
(em OUTONO DA VIDA)
NUVEM PASSAGEIRA...
"Atrás da escura nuvem se escondeu"
Uma lua tristonha, a soluçar,
E a noite, que de escura, era de breu,
Deixou de ter a bênção do luar...
"Fenómenos que são tão curiosos"...
Falando de matéria inanimada,
Damos-lhe sentimentos que são nossos
E até vemos a lua angustiada...
"Será por ver na chuva que o céu chora"
Que pensamos que a lua sofre, cora,
E pode ser passível de sonhar?
"Também te fiz chorar... fui sem demora"
Dizer-te que o luar, se foi embora,
Assim que a nuvem passe irá voltar...
Maria João Brito de Sousa - 16.11.2016 - 13.31h
(Imagem retirada do Google)
publicado às 15:18
Maria João Brito de Sousa
EXÍLIO
Cobriu-me de desprezo o dia pardo,
a flor azul do riso das donzelas,
o lento rio de águas amarelas
e o frio, que pesava como um fardo...
Meu sonho - vôo tonto de moscardo
a tentear vidraças de janelas -
zoava de horas túmidas e belas;
morria, seco e duro como um cardo.
Sempre de mim a mim, nos meus caminhos,
pedindo em vão a esmola de vizinhos
e lume certo a um lar que não tem brasas.
(Menino triste que já é demais,
sou de filhos, irmãos, mulher e pais
para esconder do Céu uns cotos de asas.)
António de Sousa
In "Livro de Bordo" (1ª edição), Editorial Inquérito
O CAIS
"Cobriu-me de desprezo o dia pardo"
que violava as frestas das janelas
como a nortada enfuna as rotas velas
da minha barca de pirata... ou bardo...
"Meu sonho - vôo tonto de moscardo"
somando à própria fuga, outras procelas... -
perdidos mastro e leme, embate nelas
e cai pesadamente, como um fardo.
"Sempre de mim a mim, nos meus caminhos",
tecendo, para as velas, novos linhos
e esculpindo-lhes versos que são remos,
"(Menino triste que já é demais",
vá eu por onde for, se aporto ao cais,
direi que um cais nos deu tudo o que temos!)
Maria João Brito de Sousa - 15.11.2016 - 12.10h
publicado às 09:02
Maria João Brito de Sousa
O VERBO AMAR DOS OLHARES
Nos olhares que sabem nos sorrir
Há vontade de querer, de ser feliz
E sem palavras sabem traduzir
Algo que nos colora de matiz
Nos olhares que sabem seduzir
Que sabem apagar a cicatriz
E despertar em nós outro sentir
Há a luz e a magia que se quis
Nos olhares que sabem convencer
Que o futuro é também um aprender
Duma forma diversa e diferente
Esses olhares sabem cativar
Neles há sedução do verbo amar
Conjugado pra sempre no presente
MEA
19/10/2016
DE OLHOS NOS OLHOS
"Nos olhares que sabem nos sorrir"
E nos enlaçam nesse seu sorriso,
Há canteiros de versos a florir
De quanto, sendo grato, for preciso...
"Nos olhares que sabem seduzir",
Nasce a amizade e morre o (pre)juízo
Do que apenas seduz pr`a reduzir
Cada ousadia, ao gesto mais conciso...
"Nos olhares que sabem convencer",
Luz algo que consegue converter
A própria dissidência, ao dissidente;
"Esses olhares sabem cativar"
A franca timidez de um outro olhar,
Quando o olham de perto e bem de frente...
Maria João Brito de Sousa -12.11.2016 - 11.17h
publicado às 11:06
Maria João Brito de Sousa
SOBE O PANO
Onde se solta o estrangulado grito, Humaniza-se a vida e sobe o pano. Chegam aparições dóceis ao rito Vindas do fosso mais fundo do humano.
Ilumina-se a cena e é soberano, No palco, o real oculto no conflito. É tragédia? É comédia? É, por engano, O sequestro de um deus num barro aflito?
É o teatro: a magia que descobre O rosto que a cara do homem cobre E reflectidos no teu espelho - o actor -
Os teus fantasmas levam-te pr`a onde O tempo puro que te corresponde Entre as horas ardidas está em flor.
Natália Correia.
DESCE O PANO
"Onde se solta o estrangulado grito" Das algemadas mãos do desengano, Redobra em esforço insano, o ser constricto, Que actua, invicto, até que caia o pano.
"Ilumina-se a cena e é soberano" O esforço (des)humano. Eu acredito Porquanto a fundo o fito, em"mano a mano", Qual de nós mais tirano... ou mais aflito...
"É o teatro: a magia que descobre" O primeiro a esvair-se, o que se dobre, Sobre esse seu reflexo - outro, afinal... -
"Os teus fantasmas levam-te pr`a onde" Nem mesmo esse reflexo te responde... Desce o pano. O fantasma era o real.
Maria João Brito de Sousa -13.11.2016 -19.18
publicado às 22:07
Maria João Brito de Sousa
EU FUI O SONHO Eu fui a ave desbravando o espaço, Eu fui o grito ecoando ao vento, Eu fui o mar sereno e o violento, Eu fui o beijo, o afago e o abraço! Eu fui a eternidade e o momento, Eu fui a caminhada passo a passo, Eu fui a resistência e o cansaço, Eu fui o desalento e o alento… Eu fui a meta e ponto de partida, Eu fui a paz e a raiva enfurecida, Eu fui o horizonte da verdade! Eu fui o amanhã da ilusão, Eu fui o sonho desta geração, Eu fui Democracia e Liberdade!...
José Manuel Cabrita Neves
EU FUI...
Eu fui a noite, quando o sol raiava,
Eu fui a cama de um quarto de lua,
Eu fui a pedra solta de uma rua,
Eu fui , em simultâneo, altiva e escrava...
Eu fui esta torrente que me estua,
Eu fui este estuário em que me olhava,
Eu fui, do sol, a nuvem que o tapava,
Eu fui a que se veste e fica nua...
Eu fui ninguém, quando era toda a gente,
Eu fui, de estranha forma, omnipresente,
Eu fui todos os versos que engendrei!
Eu fui opaca, enquanto transparente,
Eu fui pedra, papoila, água corrente...
Eu fui exactamente o que sonhei!
Maria João Brito de Sousa - 11.11.2016 - 16.27h
publicado às 19:05
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Não sei se as tuas horas - minhas, nossas.... - São suaves e sedosas, se, magoadas, À dor de cada dia são roubadas, Mas quero-te pedir, logo que possas,
A ti, que tantas vezes ris e troças De horas que se te alongam como estradas, Que acompanhes de perto outras passadas; As das horas pesadas, curtas, grossas,
Das solas da velhice e, das pegadas, Contar-me-ás depois: - Foram cardadas? Passeiam sobre asfalto, ou calcam roças?
E quantas pedras soltas, quantas poças De lodo e sofrimento são pisadas Quando as horas se arrastam, de cansadas?
Maria João Brito de Sousa - 10.11.2016 - 17.19h
Tela de Vincent Van Gogh
publicado às 17:09
Maria João Brito de Sousa
NA PAUSA DO ALMOÇO
Naquela negra rua aonde passo O Sol mudou a rota, já não brilha E nas pessoas há um tal cansaço Que vem, e nos seus rostos faz a trilha
Enganam sua fome nesse espaço Onde a indiferença é a mantilha Que lhes cobre seus ombros, sem abraço E, somente do espaço há partilha
Conversas soltas, risos amarelos Sugerem os diálogos singelos Dessa hora parada, e sem patrão
Cotovelos na mesa descansando breves palavras vão-se ali trocando Numa pausa banal sem emoção
MEA
8/11/2016
DA AUTONOMIA DO SONHO (adormecido)
"Naquela negra rua aonde passo"
Quando o sono me leva e quando sonho,
Há, por vezes, um brilho, um brilho baço,
Tentando, sem poder, ser mais risonho...
"Enganam sua fome nesse espaço"
Outros, cuja tristeza o faz medonho,
Que encontro nesse mundo gasto e lasso
Que apenas por cansaço pressuponho...
"Conversas soltas, risos amarelos",
Vão chegando também polichinelos
Ao sonho que sonhei naquela rua;
"Cotovelos na mesa descansando"
Meu sonho lá partiu, lá foi rumando
Desde esta mesa velha até à Lua...
Maria João Brito de Sousa - 09.11.2016 - 18.48h
Imagem retirada do Google
publicado às 09:50
Maria João Brito de Sousa
ESTE LIVRO
Este livro é de mágoas. Desgraçados,
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode talvez senti-lo... e compreendê-lo.
Este livro é pr`a vós. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom, nem belo!
Bíblia de tristes, ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acabe ao vê-lo!
Livro de Mágoas... Dores... Ansiedades!
Livro de Sombras, Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo... (trouxe-o no meu seio...)
Irmãos na dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!
Florbela Espanca
In "Livro de Mágoas"
ALMAS GÉMEAS
Destes sonetos meus, que ousei escrever,
Também brotaram mágoas - porque não? -,
Mas muito além da mágoa, vi nascer
Uma mesma incomum comum paixão
E da mesma paixão nos vi morrer...
Entendo-te a precoce rendição,
Irmã dos mil sonetos que eu tecer
Pr`além dos que me nascem sem razão,
Mas como condenar-ta, se entender
Que a dor que te matou teve a função
De engendrar teus sonetos? Que fazer,
Se te bendigo a própria maldição?
Florbela, eu que te sei, sem te saber,
Como glosar-te, assim? Sonhei-te, então?
Maria João Brito de Sousa - 07.11.2016 - 13.58h
(Inédito, respondendo ao soneto "Este Livro", de Florbela Espanca)
publicado às 16:20
Maria João Brito de Sousa
PORTAIS DE FLORES
Anda plo ar cheirinho a sardinheira Quando o sol à tardinha invade a rua Misturado no aroma da roseira Que decora a parede ainda nua
Bem junto a cada porta, a rua inteira É florido jardim, que apazigua Gentes que dela fazem ma"bandeira" Com esmero e alegria muito sua
Em cada portal há cor e beleza Há um modesto encanto e singeleza Que dão a esta rua ar pitoresco
Quando à noitinha se abrem as janelas Há perfume que sobe e entra nelas Suave delicado e muito fresco
MEA 3/11/2016
MEMÓRIAS DO ESTALEIRO
"Anda plo ar cheirinho a sardinheira"
Quando recordo a casa onde cresci,
Na qual me fiz amante e companheira
De um mar infindo aonde me perdi...
"Bem junto a cada porta a rua inteira",
Semelhava uma frota - assim a vi...-,
Que erguia ao vento Oeste uma bandeira
Que eu própria lhe inventei, pois que a teci.
"Em cada portal há cor e beleza"
E um pouco da romântica rudeza
Que um marinheiro traz no coração;
"Quando à noitinha se abrem as janelas"
Subo ao convés da nau, ergo-lhe as velas,
Tomo o seu leme nestas minhas mãos...
Maria João Brito de Sousa - 05.11.2016 -12.06h
publicado às 12:12
Maria João Brito de Sousa
BOM DIA, MEU AMOR!
*
Acordo-me. Acordo-te. Sorrio.
E sobre a tua pele que a minha adora,
navega o meu desejo, esse navio
que sempre parte e nunca vai embora.
*
E como um animal uivando o cio
de um milénio, de um mês, ou uma hora,
não sei se morro ou vivo, ou choro ou rio,
só sei que a eternidade é o agora.
*
E calam-se as palavras, uma a uma,
feitas de sal, saliva, dor e espuma,
com a exacta dosagem da alegria
*
Bom dia, meu amor! O teu sorriso
é tudo o que me falta, o que eu preciso
para acender a luz de cada dia.
Joaquim Pessoa
Inédito
In OS DIAS NÃO ANDAM SATISFEITOS.
***
DESPERTANDO *
"Acordo-me. Acordo-te. Sorrio."
Peço-te alguns minutos de paciência
Até que me agasalhe e espante o frio,
E até que me abandone esta indolência *
"E como um animal uivando o cio"
Invades-me, poema, a transparência
De quanto sinto ser, eu que sou rio,
Da vontade, do ser, da própria essência... *
"E calam-se as palavras uma a uma"
Enquanto, também tu, vestes de bruma
Os versos desnudados que acordei: *
"Bom dia, meu amor! O teu sorriso"
Traz-me a compensação do prejuízo
Do instante em que a acordar me demorei. *
Maria João Brito de Sousa
03.11.2016 - 13.18h ***
publicado às 13:39
Maria João Brito de Sousa
A ILHA III
Disseste que estou só e quero crer
Que acreditas que sim… que absurda ideia!
A minha solidão está sempre cheia
De mundos que nem podes conceber!
A solidão só vem quando eu quiser
E há coisas como grãos de fina areia
Habitando este “mar” que me rodeia,
Nas ondas das palavras que eu escrever…
Podes guardar as penas pr`a depois
Porque eu, ilha assumida e povoada,
Não quero as tuas penas nem procuro
A solidão da vida feita a dois
Tantas vezes pior que não ter nada...
É só que nasço e morro, isso to juro!
Maria João Brito de Sousa -02.11.2010 - 10.44h
O FEITIÇO
Por motivos que nem conceberias,
Enfeiticei-te a vida e não choraste…
Poderia jurar que até gostaste
E reparei, mais tarde, que sorrias…
Mas, depois da mudança, entenderias…
Pensei-o, fi-lo e tu… nem te zangaste!
Não sei se o laconismo a que chegaste
Te impediu de mostrar quanto sentias,
Ou se sentir, pr`a ti, era uma coisa
Que surge como um pássaro que poisa
E só muito mais tarde afunda as garras…
Enfeitiçado, ou não… a vida é tua!
O meu feitiço é brando e nunca actua
Sobre almas que estão presas por amarras…
Maria João Brito de Sousa
A PERSISTÊNCIA DO POEMA
É este o meu destino, eu não duvido!
Em tudo o mais que fiz, não me encontrei
E quando faço a conta ao já vivido,
Só nestoutro presente é que me sei…
Poeta, obedecendo ao que é pedido,
Eu abençoo a hora em que me dei...
Mais tarde, num presente “em diferido”,
Hão-se crescer os frutos que plantei…
Viver, morrer… tudo isto é natural.
Tudo isto, acontecendo, me acontece,
Bem como a todos vós que possais ler-me,
Mas se o Poema nasce, esse imortal
Tão incorpóreo quanto a própria prece,
Persiste e há-de, após, sobreviver-me!
Maria João Brito de Sousa – 01.11.2010 – 14.32h
SONETILHO COM VISTA PARA OS MARES DA LUA
Hoje a Lua está tão perto
Que quase posso tocá-la!
Dela só quero esse incerto
Dos tais mar`s que vão banhá-la
E julgo ter descoberto
Que é desse mar que ela fala,
E é nessas marés, decerto,
Que eu hei-de, um dia, alcançá-la…
Da janela em que repouso
Olho esses mares que mal ouso,
Quando ouso ao longe avistá-los
E lá por serem lunares
Não deixarão de ser mares
Nem eu vou deixar de amá-los!
Maria João Brito de Sousa – 01.11.2010 – 15.41h
publicado às 22:41