Maria João Brito de Sousa
MARIA DAS QUIMERAS
Maria das Quimeras me chamou
Alguém... pelos castelos que eu ergui,
Plas flores de oiro e azul que a sol teci
Numa tela de sonho que estalou...
Maria das Quimeras me ficou;
Com elas na minha alma adormeci,
Mas quando despertei, nem uma vi,
Que da minh`alma Alguém tudo levou!
Maria das Quimeras, que fim deste
Às flores de oiro e azul que a sol bordaste,
Aos sonhos tresloucados, que fizeste?
Pelo mundo, na vida, o que é que esperas?
Aonde estão os sonhos que sonhaste,
Maria das Quimeras, sem quimeras?
Florbela Espanca
In "Livro de Soror Saudade"
MARIA SEM CAMISA
Maria sem Camisa, chamo-me eu,
Usando de ironia - ou talvez não... -
E espelhando, no nome, a condição
Do pouco, ou quase nada, que há de meu...
Desse ´baptismo` insólito nasceu
- não saberei dizer por que razão... -,
Da vossa parte, alguma confusão,
Da minha, a força hercúlea que me ergueu,
Pois, sem camisa, embora enregelada,
Sobrevivo há ´milénios`, produzindo,
E de oiro(s) me cobri, não tendo nada;
Das infindas carências vão surgindo
Os versos que, no metro bem escorada,
De oiro e de seda azul, me vão cobrindo...
Maria João Brito de Sousa - 30.10.2016- 17.00h
(Inédito, respondendo ao soneto "Maria das Quimeras", de Florbela Espanca)
publicado às 09:15
Maria João Brito de Sousa
HEROÍSMOS *
Eu temo muito o mar, o mar enorme, Solene, enraivecido, turbulento, Erguido em vagalhões, rugindo ao vento; O mar sublime, o mar que nunca dorme. *
Eu temo o largo mar, rebelde, informe, De vítimas famélico, sedento, E creio ouvir em cada seu lamento Os ruídos dum túmulo disforme.
* Contudo, num barquinho transparente, No seu dorso feroz vou blasonar, Tufada a vela e n'água quase assente,
* E ouvindo muito ao perto o seu bramar, Eu rindo, sem cuidados, simplesmente, Escarro, com desdém, no grande mar!
*
Cesário Verde, in 'O Livro de Cesário Verde'
***
DIALECTOS MARINHOS
*
"Eu temo muito o mar, o mar enorme"
Que afunda sob as ondas encrespadas
Meus versos feitos de ilhas encantadas
Por muito que os (re)crie e (re)transforme...
*
"Eu temo o largo mar, rebelde, informe",
Mas, de tanto senti-lo e já cansadas
De olhá-lo e de temê-lo, amarguradas,
Gemem-me as rimas num verso disforme ...
*
"Contudo, num barquinho transparente",
Vencido o medo obtuso, é navegar
Até sentir que o mar também é gente
*
"E ouvindo muito ao perto o seu bramar"
Imito-lhe o bramido (in)coerente;
Mais sou feita de mar que o próprio mar!
*
Maria joão Brito de Sousa -28.10.2016 - 16.47h
publicado às 09:43
Maria João Brito de Sousa
BALADA PARA UM VELHO CEDRO
Eu sonho um cedro que me embale o sono;
Subitamente o sonho -imenso, austero... -
Ver, da janela de onde sempre o espero,
Rasgando o solo e, como eu sou, sem dono...
Um cedro que adoçasse este abandono,
Que não vergasse, sólido, sincero,
Que me escutasse sempre que me esmero
Em descrevê-lo, enquanto assim ficciono...
Somo silêncios sobre o velho cedro,
Mas se me sobra sonho, o cedro vem,
Subindo sempre, se o sonhei sem medo,
E, deste sonho, surgem-me outros cem,
Como se eu própria ousasse ser segredo
Da sementeira que lhes fez de mãe...
Maria João Brito de Sousa - 27.10.2016 - 16.19h
publicado às 07:52
Maria João Brito de Sousa
ENTARDECER
Despeço-me do sol que se anoitece Quando lá muito ao longe desce fogo E perfilo-me firme como em prece Analisando as regras do seu jogo
Na calma da penumbra calo e afogo Os suspiros e ais que a vida tece Para deixar que a noite no seu rogo Se enlace no meu corpo que arrefece
Do fogo do horizonte inspirei luz Que na noite me aquece e me conduz Por imagens e sonhos em bailados
Deixo-me adormecer em tal quimera Do fogo que já foi nasce uma esfera De intensa e branca luz com rendilhados
MEA 14/10/2016
"CHIAROSCURO"
"Despeço-me do sol que se anoitece"
Sempre em serenidade, como um rogo,
Vendo como se esconde e desvanece
Na linha de horizonte, aceso em fogo...
"Na calma da penumbra calo e afogo"
Esse eco que, de dia, me abastece...
Faz-se silêncio, enfim, que ao fim do jogo
Tão só se espera que outro recomece...
"Do fogo do horizonte inspirei luz"
E, para o compensar, dela repus
Quanto de luminoso havia em mim...
"Deixo-me adormecer em tal quimera",
Iluminando ainda e sempre à espera
Que o grande, imenso jogo, alcance um fim...
Maria João Brito de Sousa -26.10.2016 - 13.57h
Nota - Ambos os sonetos estão escritos em decassílabo heróico.
publicado às 18:35
Maria João Brito de Sousa
Ao(s) Poema(s)
(Soneto em decassílabo heróico)
Se, amargo, me enregela o corpo inteiro
O Frio que se aproxima, passo a passo,
Recorro à Poesia, a que me abraço,
Esquecendo o que é viver sem ter dinheiro...
Adianta-se-me o frio, vem sorrateiro
Instalar-se por dentro do meu espaço,
Tentando vir deitar-se em meu regaço,
Julgando ser - quem sabe? - "o meu primeiro",
Mas eu, que lhe conheço as veleidades,
Não lhe encontrando chama em que me aqueça,
Rejeito-lhe estas vis intimidades;
Não mais há-de haver frio que aqui me impeça
De ir-te aquecendo, ó gelo que me invades,
Assim que o meu Poema recomeça!
Maria João Brito de Sousa - 24.10.2016 - 15.35h
publicado às 17:33
Maria João Brito de Sousa
ANSEIOS DE LIBERDADE (II)
Quem me dera ser livre como o vento que circula p’las faldas da montanha… subir, pela razão, ao firmamento. E que a minha visão fosse tamanha…
que pudesse dotar-me o pensamento da força e da vontade que acompanha, que permite, sustenta e dá alento como a um bom soldado na campanha!...
Que o ser humano é livre p’lo saber, p’lo querer, pela razão, pela vontade e p’la capacidade em descernir…
É pela consonância do meu ser com os livres caminhos da verdade que, eu, livre… traço o plano ao meu agir.
Matos Serra
SER LIVRE
"Quem me dera ser livre como o vento"
Que sopra por soprar, não recuando,
E apenas suave sopro e lento, lento,
Me roçasse ao de leve, de tão brando
"Que pudesse dotar-me o pensamento"
De sopro tal que, nunca me domando,
Engenho me insuflasse e mais talento
Ao pouco que em talento vos vou dando...
"Que o ser humano é livre pl`o saber",
Se no saber confia e, não vergando,
O expressa na palavra e nas acções...
"É pela consonância do meu ser"
Que, mais e mais, me irei consolidando,
(Re)construída desde as fundações...
Maria João Brito de Sousa - 05.0.2016 - 12.22h
publicado às 15:40
Maria João Brito de Sousa
CHUVA
São quatro da manhã, a chuva cai, o vento a fustiga na vidraça, a saudade de ti, fica, não vai, e a recordação, essa não passa!
Lembro tantas noites, aqui deitados, a chuva tinha um sabor especial, sem sono ,estando até bem acordados ouvindo a melodia no beiral
Já não sinto a beleza da canção da cadência da chuva, que sentia, deixa-me só tristeza e solidão
e, hoje sem a tua companhia apenas só encontro escuridão, no teu lugar, a cama está tão fria!
Dulce Saldanha
BEMÓIS & SUSTENIDOS
"São quatro da manhã, a chuva cai(,)"
Na velha cobertura da marquise,
Embalando-me o sono em que se esvai,
Na suave melodia, a dor da crise...
"Lembro tantas noites, aqui deitados,"
Eu e meu velho gato, adormecidos
Ao som da chuva que, sobre os telhados,
Orquestrava bemóis e sustenidos*...
"Já não sinto a beleza da canção"
Quando pouco me aquece a cama fria,
Por muito que me cubra o edredão,
"E hoje, sem a tua companhia",
Meu velho gato, tenho a sensação
De haver perdido, a chuva, a melodia...
Maria João Brito de Sousa - 17.10.2016 - 19.00h
*Em música , osustenido é um acidente que, tendo seu sinal de notação (♯) colocado à esquerda da nota, indica que a altura desta nota deve ser elevada em um semitom. A palavra é usada como adjetivo para indicar entonação acima da altura constante da notação. O dobrado sustenido, (com a notação ✗) indica que a altura da nota que este sinal antecede deve ser elevada em dois semitons.
A presença do símbolo de sustenido produz modificações nas notas da seguinte forma:
(1) Se um sinal de sustenido marcar uma nota dentro de um compasso, todas as ocorrências seguintes dessa mesma nota dentro desse compasso deverão ser executadas em sustenido. Essa alteração não afeta, no entanto, a mesma nota em outras oitavas. Encerrando-se o compasso, as ocorrências seguintes dessa nota deverão ser executadas sem alteração.
(2) Se um sinal de sustenido aparecer na armadura da clave, todas as ocorrências da nota marcada ao longo de toda a música deverão ser executadas em sustenido. Exemplo: uma música em Lá maior tem três sustenidos na armadura (Dó, Fá e Sol).
(Wikipédia)
Bemol - Em notação de música , o bemol
é uma alteração que diminui meio tom a uma nota musical. O símbolo afecta todas as notas que se lhe seguem no mesmo compasso ou até haver um bequadro (acidente que desfaz o efeito do sustenido ou do bemol), tornando a nota natural.
(Wikipédia)
publicado às 08:34
Maria João Brito de Sousa
PRESÉPIOS E CASCATAS
“Para fingir presépios e cascatas” Desenho, com a linha do horizonte A pauta, para novas serenatas Com sons, de oliveiras pelo monte.
Entro em meditação, de verde espera Isolo-me, a olhar o interior Até desabrochar nova quimera Na corola inda fechada duma flor.
Abrindo os olhos, para a realidade Arrumo o passado em lugar seguro Para que, o sol poente da saudade Não se meta, no sonho, do futuro.
Maria Melo (em COM MOTE CERTO)
VERDE(S) & CINZENTO(S)
"Para fingir presépios e cascatas",
Dou rédea solta ao velho imaginário
Transformo arranha-céus em mil cubatas,
Espelho, na realidade, outro cenário...
"Entro em meditação de verde espera",
Pois sempre torna o Verde à terra-mãe
Cobrindo com seu manto imenso a esfera
De onde a razão de o ser sempre lhe vem...
"Abrindo os olhos para a realidade",
Vejo o Verde a sumir-se entre os cinzentos
Tom sobre tom, crescentes da cidade.
"Não se meta, no sonho do futuro"
Tanta monocromia que, em cimentos,
Se vista a Terra de cinzento escuro.
Maria João Brito de Sousa - 16.09.2016 - 14.54h
publicado às 09:27
Maria João Brito de Sousa
"Quanto mais perto estou do dia extremo
Que o sofrimento humano torna breve,
Mais vejo o tempo andar veloz e leve
E o que dele esperar falaz e menos."
PETRARCA
Quanto mais perto estou do dia extremo
Sei que esse dia vai mesmo chegar
Sei também que não mais irei voltar
E só pensando nisso sinto o demo
Que o sofrimento humano torna breve
E ninguém pode o mesmo controlar
Seu código ao ser lido vai ficar
Engrossado de um jeito como a neve
Mais vejo o tempo andar veloz e leve
Sempre em trilhos da vida sem ter jeito
Quanto mais que se esforça e se transcreve
E o que dele esperar falaz e menos
Não há método nem mesmo preceito
A mais nos nossos dias tão pequenos.
ARIEH NATSAC
QUANTO MAIS PERTO...
"Quanto mais perto estou do dia extremo",
Mais eu me prendo à pena que o descreve,
Mais dela espero o vôo que me eleve,
Mais me esqueço da morte que não temo,
"Que o sofrimento humano torna breve",
Por ser fugaz e breve o sopro ameno
Da nossa curta vida, e bem supremo
Este dom de o cantar, pr`a quem se atreve...
"Mais vejo o tempo andar veloz e leve",
Quanto mais, por cabelos, tenho neve,
E, ao corpo, mo corrompem mil venenos
"E o que dele esperar falaz e menos(.)"
Será, talvez, bem pouco... mas não deve
Firmar-se em Vida, quem já morta esteve?
Maria João Brito de Sousa - 14.09.2016 - 12.10h
publicado às 21:20
Maria João Brito de Sousa
(a um bairro que deixou de se rever no seu próprio nome...)
Chama-se ainda Bairro das Palmeiras
O espaço onde eu as vi, de pequeninas,
Medrarem frescas, jovens, altaneiras,
Emulando um grupinho de meninas.
Uma só sobrevive às mil rasteiras
Da cupidez das larvas assassinas,
Mas até nessa as palmas sobranceiras
Sucumbem já - escavados como minas
os troncos dantes fortes quais pilares -
As promissoras palmas dos palmares,
Tombando, também elas, já sem vida
E nem a "minha" velha resistente
Que ousou reverdecer estando doente,
Ousa o que quer que seja, assim despida.
Maria João Brito de Sousa - 07.10.2016 - 12.14h
Imagem retirada do Google
publicado às 09:56
Maria João Brito de Sousa
DE VENTO.....A BRISA
Fui vento, nesse dia do passado
E para te alcançar soprei um beijo
Em aroma de lima. Perfumado
Com a verde esperança do desejo
E esse vento que fui , te fez legado
E em sopros fez de ti, águas do Tejo
Que correram pra mim , por todo o lado
Dos meus campos de amor, fizeram brejo
Fui vento de frescura no Verão
No teu mar bebi, águas de paixão
E amanheci submersa de certezas
No Outono que já sou, sou subtil brisa
Que entardece serena, sem divisa
Em douradas espigas de incertezas
Maria da Encarnaçao Alexandre
13/09/2016
NEM SEMPRE BRISA, NEM SEMPRE TEMPORAL...
"Fui vento, nesse dia do passado"
Em que esqueci pretérito e futuros,
Ficando, o fruto em mim, condicionado
Ao espaço conquistado entre os teus muros
"E esse vento que fui, te fez legado"
De um beijo que recordo entre os mais puros
De quanto beijo tenha sido dado
Entre dois jovens frágeis, inseguros...
"Fui vento de frescura no Verão",
Mas... fazendo cedência à tentação,
Transmutei-me, exaltada, em ventania...
"No Outono que já sou, sou subtil brisa"
Que a si mesma se doma e se ajuíza
Segundo as leis da Vida e da Harmonia..
Maria João Brito de Sousa - 15.09.2016 - 15.09h
publicado às 10:59
Maria João Brito de Sousa
Inspiração
"Um dia de chuva é tao belo como um dia de sol. Ambos existem, cada um é como é. "
Fernando Pessoa
BELEZA QUE VEM DA CHUVA
Veio a chuva, espiar a noite escura
Com a luz cintilante das estrelas
Compôs uma ritmada partitura
Junto aos vidros fechados das janelas
Na manhã, desenhada de aguarelas
Surge um raio de sol que se mistura
No solfejo das notas, e faz velas,
Arqueadas, às cores, com brandura
Há no cheiro da terra já molhada
Sons, que nela tombaram, em balada
Quando a chuva , a cantou em serenata
Há restos, espalhados plas colinas
Das gotas, que se julgam bailarinas
Refulgindo no sol, os tons da prata
Maria da Encarnaçao Alexandre
13/09/2016
Primeiro Chamamento -
"Veio a chuva, espiar a noite escura"
Compondo no telhado da marquise
Tão suave sinfonia que eu, sem cura,
A escando nota a nota e sem deslize..."
MJBS
SEGUNDO CHAMAMENTO
"Veio a chuva, espiar a noite escura",
Porque há na escuridão coisas tão belas
E notas musicais de tal candura
Que alguns não sonharão nem percebê-las...
"Na manhã desenhada de aguarelas"
Que a noite prometera mais que pura,
Vislumbro o Sol pintando um céu sem estrelas
E toda a tela astral expõe tal pintura...
"Há no cheiro da terra já molhada"
Saudades dessa chuva delicada
Que toca as sinfonias que me embalam,
"Há restos, espalhados plas colinas",
Assomando-me aos olhos e narinas,
Somando-se ao odor que elas exalam...
Maria João Brito de Sousa - 15.09.2016 - 19.44h
publicado às 08:42