Maria João Brito de Sousa
CARAVELAS...
Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.
Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!
Se eu sempre fui assim este Mar Morto:
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram!
Caravelas doiradas a bailar...
Ai quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...
Florbela Espanca, in "Livro de Soror Saudade"
CARAVELAS...
"Chego a meio da vida já cansada",
O sopro humano gasto, a vela panda...
E a tempestade que não mais abranda
Não pára de galgar minha amurada...
"Tanto tenho aprendido e não sei nada"...
Nunca acaba esta busca, esta demanda,
Nem se cala esta voz que ma comanda,
Ainda que por vagas açoitada...
"Se eu sempre fui assim, este Mar Morto",
Que, à beira do naufrágio, fica absorto
Nesta contemplação do mar em mim,
"Caravelas doiradas a bailar",
Tão minhas quanto o devem ser do mar,
São quanto de mim sobra, até ao fim...
Maria João Brito de Sousa - 03.02.2016 - 13.04h
publicado às 13:39
Maria João Brito de Sousa
PERDI OS MEUS FANTÁSTICOS CASTELOS
Perdi meus fantásticos castelos Como névoa distante que se esfuma... Quis vencer, quis lutar, quis defendê-los: Quebrei as minhas lanças uma a uma! Perdi minhas galeras entre os gelos Que se afundaram sobre um mar de bruma... - Tantos escolhos! Quem podia vê-los? – Deitei-me ao mar e não salvei nenhuma! Perdi a minha taça, o meu anel, A minha cota de aço, o meu corcel, Perdi meu elmo de ouro e pedrarias... Sobem-me aos lábios súplicas estranhas... Sobre o meu coração pesam montanhas... Olho assombrada as minhas mãos vazias... Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"
... E EU, A MINHA PEQUENINA "TOCA"...
"Perdi os meus fantásticos castelos"
- ah, meras ilusões feitas de espuma... -,
No instante em que deixei de merecê-los
Por não ambicionar mais coisa alguma...
"Perdi minhas galeras entre os gelos";
Os sonhos, em cochins de sumaúma,
Foram-se transformando em pesadelos
Que hoje devolvo à dimensão da bruma...
"Perdi a minha taça, o meu anel
E esta incansável espada de papel
Foi-se embotando em causas destemidas...
"Sobem-me aos lábios súplicas estranhas"
Nos versos que me sobem das entranhas
Esgrimindo-se em batalhas já perdidas...
Maria João Brito de Sousa - 02.02.2016 - 13.54h
publicado às 12:11
Maria João Brito de Sousa
DA MINHA JANELA
Mar alto! Ondas quebradas e vencidas Num soluçar aflito, murmurado... Vôo de gaivotas, leve, imaculado, Como neves nos píncaros nascidas! Sol! Ave a tombar, asas já feridas, Batendo ainda num arfar pausado... Ó meu doce poente torturado Rezo-te em mim, chorando, mãos erguidas! Meu verso de Samain cheio de graça, Inda não és clarão já és luar Como um branco lilás que se desfaça! Amor! Teu coração trago-o no peito... Pulsa dentro de mim como este mar Num beijo eterno, assim, nunca desfeito!... Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"
DA MINHA...
"Mar alto, ondas quebradas e vencidas",
Ou, bem pelo contrário, `inda raivosas;
Ora serenas, frágeis, amorosas,
Ora enormes, rugindo enraivecidas...
"Sol! Ave a tombar, asas já feridas,"
Sobre as copas doiradas das mimosas
Que recolho, uma a uma, bem viçosas,
Do meu álbum de imagens não esquecidas...
"Meu verso de Samain cheio de graça",
Mal chegaste e já vais dizendo adeus,
Passo em falso, que passa e se ultrapassa...
"Amor! Teu coração, trago-o no peito..."...
Mas a memória, selectiva e escassa,
Já fez uso de um "crivo" activo... e estreito.
Maria João Brito de Sousa - 01.02.2016 - 16.28h
publicado às 17:56
Maria João Brito de Sousa
AS MINHAS ILUSÕES
Hora sagrada dum entardecer
D’Outono, à beira-mar, cor de safira.
Soa no ar uma invisível lira...
O sol é um doente a enlanguescer...
A vaga estende os braços a suster,
Numa dor de revolta cheia de ira,
A doirada cabeça que delira
Num último suspiro, a estremecer!
O sol morreu... e veste luto o mar...
E eu vejo a urna d’oiro, a baloiçar,
À flor das ondas, num lençol d’espuma.
As minhas Ilusões, doce tesoiro,
Também as vi levar em urna d’oiro,
No mar da Vida, assim... uma por uma
Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"
... E AS MINHAS...
"Hora sagrada dum anoitecer"
A que a nuvem se esquece que aspergira
Com a bênção da chuva e que suspira
Por ver o dia assim, quase a morrer...
"A vaga estende os braços a suster"
As mil desilusões que já sentira,
Pr`a que a força dos braços lhe sugira
Que, amanhã, há-de o dia amanhecer...
"O sol morreu... e veste luto o mar..."...
De nada serve à vaga sustentar
As razões por que escreve, ou por que fuma...
"As minhas Ilusões, doce tesoiro,"
Quais bolas de sabão, vão ´dando o estoiro`,
Nenhuma tem mais peso que uma pluma...
Maria João Brito de Sousa - 30.01.2016 -21.41h
publicado às 15:19
Maria João Brito de Sousa
AS MINHAS ILUSÕES
Hora sagrada dum entardecer D’Outono, à beira-mar, cor de safira. Soa no ar uma invisível lira... O sol é um doente a enlanguescer...
A vaga estende os braços a suster, Numa dor de revolta cheia de ira, A doirada cabeça que delira Num último suspiro, a estremecer!
O sol morreu... e veste luto o mar... E eu vejo a urna d’oiro, a baloiçar, À flor das ondas, num lençol d’espuma.
As minhas Ilusões, doce tesoiro, Também as vi levar em urna d’oiro, No mar da Vida, assim... uma por uma...
Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"
... E AS MINHAS...
"Hora sagrada dum anoitecer" A que a nuvem se esquece que aspergira Com a bênção da chuva e que suspira Por ver o dia assim, quase a morrer...
"A vaga estende os braços a suster" As mil desilusões que já sentira, Pr`a que a força dos braços lhe sugira Que, amanhã, há-de o dia amanhecer...
"O sol morreu... e veste luto o mar..."... De nada serve à vaga sustentar As razões por que escreve, ou por que fuma...
"As minhas Ilusões, doce tesoiro," Quais bolas de sabão, vão ´dando o estoiro`, Nenhuma tem mais peso que uma pluma...
Maria João Brito de Sousa - 30.01.2016 -21.41h
publicado às 09:52
Maria João Brito de Sousa
LANGUIDEZ
Tardes da minha terra, doce encanto,
Tardes duma pureza d’açucenas,
Tardes de sonho, as tardes de novenas,
Tardes de Portugal, as tardes d’Anto,
Como eu vos quero e amo! Tanto! Tanto!...
Horas benditas, leves como penas,
Horas de fumo e cinza, horas serenas,
Minhas horas de dor em que eu sou santo!
Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,
Que poisam sobre duas violetas,
Asas leves cansadas de voar...
E a minha boca tem uns beijos mudos...
E as minhas mãos, uns pálidos veludos,
Traçam gestos de sonho pelo ar...
Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"
PEQUENINAS FUGAS...
"Tardes da minha terra, doce encanto",
Lembrando cães e gatos e palmeiras
Com horas coloridas por tonteiras
E fronteiras rasgadas pelo espanto...
"Como vos quero e amo! Tanto! Tanto!"...
Pois, mesmo que me passem mil rasteiras,
As contas me parecem brincadeiras
E, enquanto o penso, vou esquecendo o pranto...
"Fecho as pálpebras roxas, quase pretas";
As contas por pagar parecem tretas,
Os prazos a cumprir ficam pendentes
"E a minha boca tem uns beijos mudos"
Que surgem nos momentos mais agudos
Pr`a me encher de certezas... aparentes...
Maria João Brito de Sousa - 30.01.2016 - 13.42h
NOTA - Peço desculpa à Florbela por ter pegado neste seu magnífico soneto e o ter "transformado", segundo a minha realidade, num "rosnido marcadamente social", mas... as realidades urgentes impõem-se-me às pequeninas fugas (im)possíveis e eu nunca fui vocacionalmente suicida...
Filho da puta de mundo este que constantemente vai retirando, a muitos de nós, toda e qualquer possibilidade de sobrevivência, mesmo quando ela resiste "no fio-da-navalha" e muito, muito além dos seus humanos limites... (Eu)
publicado às 11:12
Maria João Brito de Sousa
TARDE NO MAR
A tarde é de oiro rútilo: esbraseia,
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,
Poisa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue ao seu destino!
E o sol, nas casas brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!
Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...
E, sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"
TARDE NO MAR
"A tarde é de oiro rútilo; esbraseia,"
O céu, qual mão pesada em gesto irado,
Emana tal calor que quase ateia
Mil chamas sobre o chão já castigado...
"Poisa o manto de arminho na areia"
E abrasa mais, julgando ter poupado
A terra, o mar e tudo o que o rodeia,
Pois mais parece ter-se incendiado...
"Que linda tarde aberta sobre o mar!"
Mas... quem te soube ler, não acredita
Em descrição tão suave e linear...
"E, sobre mim, em gestos palpitantes",
Desce, de novo, o extâse da escrita,
Abraçam-se as vogais às consoantes...
Maria João Brito de Sousa - 29.01.2016 - 16.42h
Imagem via Google
publicado às 14:24
Maria João Brito de Sousa
ANOITECER
A luz desmaia num fulgor d'aurora, Diz-nos adeus religiosamente... E eu, que não creio em nada, sou mais crente Do que em menina, um dia, o fui... outrora...
Não sei o que em mim ri, o que em mim chora Tenho bênçãos d'amor pra toda a gente! Como eu sou pequenina e tão dolente No amargo infinito desta hora!
Horas tristes que são o meu rosário... Ó minha cruz de tão pesado lenho! Meu áspero e intérmino Calvário!
E a esta hora tudo em mim revive: Saudades de saudades que não tenho... Sonhos que são os sonhos dos que eu tive...
Florbela Espanca, in "Livro de Soror Saudade"
ANOITECER
"A luz desmaia num fulgor d`aurora",
Qual chama que se apaga humildemente,
Como se tivesse alma e fosse gente
Que percebesse que é chegada a hora...
"Não sei o que em mim ri, o que em mim chora"
No pouco que esta vida me consente,
Só sei que a luz me abraça mansamente
Quando se esbate, suave e sedutora...
"Horas tristes que são o meu rosário",
Mas que, às vezes, cobertas de ternura,
Mostram ser, da tristeza, o seu contrário
"E, a esta hora, tudo em mim revive:"
Ah, quanta lassidão!... mas pouco dura...
Apagar-se-me-á mal me cative...
Maria João Brito de Sousa - 28.01.2016 - 15.06h
publicado às 15:03
Maria João Brito de Sousa
MENDIGA
Se me ponho a cismar em outras eras
Em que ri e cantei, em que era qu’rida,
Parece-me que foi noutras esferas,
Parece-me que foi numa outra vida...
E a minha triste boca dolorida
– Que dantes tinha o rir das primaveras,
Esbate as linhas graves e severas
E cai num abandono de esquecida!
E fico, pensativa, olhando o vago...
Toma a brandura plácida dum lago
O meu rosto de monja de marfim...
E as lágrimas que choro, branca e calma,
Ninguém as vê brotar dentro da alma!
Ninguém as vê cair dentro de mim!
Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"
RETROSPECTIVA
"Se me ponho a cismar em outras eras"
Em que, de alguma forma, fui traída
Por vagas convicções, tolas quimeras,
Daquilo que, afinal, seria a vida
"E a minha boca triste e dolorida"
Sorrindo tão somente pr`a quem eras,
Esquecida de sorrir, somava esperas,
Perdendo-se em razões pr`a ser esquecida,
"E fico, pensativa, olhando o vago...",
Sorrindo à vida que bebi de um trago,
Quando outro tempo mo ditava assim
"E as lágrimas que choro(ei) , branca e calma,"
Sugerem-me infantis tragédias d`alma
Que mal se lembram de brotar de mim...
Maria João Brito de Sousa - 27.01.2016 - 13.03h
publicado às 16:37
Maria João Brito de Sousa
CASTELÃ DA TRISTEZA
Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor...
E nunca em meu castelo entrou alguém!
Castelã de tristeza, vês?... A quem?!...
– E o meu olhar é interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr...
Chora o silêncio... nada ... ninguém vem...
Castelã da Tristeza, por que choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
À sombra rendilhada dos vitrais?...
À noite, debruçada p’las ameias,
Por que rezas baixinho?... Por que anseias?...
Que sonho afagam tuas mãos reais?...
Florbela espanca, in "Livro de Mágoas"
NÃO VÊS?
"Altiva e couraçada de desdém",
Mas nunca desprovida de valor
E, quase sempre, pronta a pressupor
Que, mesmo nada sendo, eras alguém...
"Castelã da Tristeza, vês? ... A quem?!..."
Quando tu, cultivando a própria dor,
A cada qual tornaste um desertor
Da mágoa que, por vezes, te entretém?...
"Castelã da Tristeza, por que choras"
E a quem é que, chorando, tanto imploras
A esmola de quem te ame um pouco mais?
"À noite, debruçada p`las ameias",
Não vês que a fome alastra nas aldeias
Enquanto, nessa angústia, em vão te esvais?
Maria João Brito de Sousa - 26.01.2016 - 12.44h
publicado às 14:40
Maria João Brito de Sousa
Eu Eu sou a que no mundo anda perdida, Eu sou a que na vida não tem norte, Sou a irmã do Sonho, e desta sorte Sou a crucificada ... a dolorida ... Sombra de névoa ténue e esvaecida, E que o destino amargo, triste e forte, Impele brutalmente para a morte! Alma de luto sempre incompreendida! ... Sou aquela que passa e ninguém vê ... Sou a que chamam triste sem o ser ... Sou a que chora sem saber porquê ... Sou talvez a visão que Alguém sonhou, Alguém que veio ao mundo pra me ver E que nunca na vida me encontrou! Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"
EU
Eu, em contrapartida, sei quem sou;
Poeta, fui-o sempre, a vida inteira,
Dos versos dedicada companheira,
Rocha, ou papoila, que do chão brotou
E, depressa demais, desabrochou,
Tomando a sua própria dianteira
Na caminhada junto à ribanceira
Em que o passo apressado a colocou,
Mas vive, agora muito lentamente,
Um tempo mais teimoso e mais urgente
Que teima em não parar pr`a repousar
E que passa por ela e segue em frente,
Sem dar conta do mal que faz à gente
Que vai estando cansada de passar...
Maria João Brito de Sousa - 28.01.2016 - 11.00h
publicado às 14:19
Maria João Brito de Sousa
Soneto nascido muito apressadamente na sequência do poema "Parava o Tempo", de Felismina Costa.
Permito-me transcrever os versos do poema que vieram a sugerir-me esta resposta;
..."... A sul, o rio correndo, é prata agora E beija a cidade, enamorado… Numa preguiça, numa dolência, de quem sabe ter chegado! "...
O ESTUÁRIO II
Assim que chega à foz, o manso Tejo
Pressente o mar imenso, avança, então,
E, nessa correria, eu quase invejo
O abraço que, por fim, os dois darão...
Aí cresci, aí, onde os cortejo,
Nesse ponto onde os dois se encontrarão,
Na foz, nesse estuário em que revejo
Mil horas de infantil contemplação...
E enfrentam-se esses dois, que já mal vejo,
Num rude amplexo, em plena transgressão,
Onde há espumas e vagas, de sobejo,
Porque onde um quer passar, outro diz: - Não!
Mas passa o Tejo a mar num louco beijo
E o mar adentra um Tejo em convulsão...
Maria João Brito de Sousa - 28.01.2016 - 19.25h
publicado às 16:28