Maria João Brito de Sousa
(Soneto de coda ou estrambote em decassílabo heróico)
FRACÇÃO
*
O Tempo, esse tirano, esse vilão
A quem, teimosos, nunca aceitaremos,
É quem gere, afinal, tudo o que temos
Na nossa humana bio-condição
*
Mas, longe de aceitar que tem razão,
Que da sua passagem dependemos,
Chegamos a negar quanto aprendemos
Ser fruto dessa vasta produção
*
E contra a própria vida nos erguemos
Se, esquecido o percurso que fizemos,
Cairmos nessa vã contradição
De achar que, por mais voltas que engendremos,
Por mais que o próprio tempo confrontemos
Em busca da perfeita solução ,
*
À Vida pouco importa o que inventemos,
Nem pensa em resolver quanto vivemos;
O Tempo é que o traduz numa fracção.
*
Maria João Brito de Sousa – 21.05.2014 – 20.08h
Imagem - A Persistência do Tempo - Salvador Dali
publicado às 20:18
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Poema que vieste e me abraçaste
E logo, sem pedir, te deste inteiro,
Não saberei dizer se me és primeiro,
Ou se, depois de eu ser, de mim brotaste
Porque, se em mim, crescendo te firmaste,
Por ti me fiz, mais tarde, o teu estaleiro,
Ou mão que lança a rede e marinheiro
Das vagas que, incansável, navegaste,
E sei que no momento derradeiro
Desta nossa odisseia, companheiro,
Depois do breve porto a que aportaste,
No mar que me abraçar, serei ribeiro
Que em tua foz se extingue, ó meu veleiro
Que tão perfeitamente naufragaste.
Maria João Brito de Sousa – 18.05.2014 – 21.24h
publicado às 22:55
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Mudas de espanto e sem fazer sentido
Nascem palavras, brotam tentações
Que se entrechocam num ponto perdido,
Gerando prados, montanhas, vulcões,
Trocando as voltas ao que foi pedido,
Emudecendo a voz de outras questões
Com que se tenham já comprometido,
Muito senhoras das suas razões!
Como ecos fundos, chegam sons distantes
Que, cá por dentro, fazem ressoar
Roucos murmúrios de ideias constantes,
Músicas loucas, vibráteis, pulsantes
Em que o desejo se ousa decifrar
Na pauta inglória duns versos cantantes.
Maria João Brito de Sousa – 16.05.2014 – 16.54h
publicado às 17:41
Maria João Brito de Sousa
SONETO BREJEIRO
*
Se a rosa cor-de-rosa abraça um cravo
E logo se desdiz, se faz rogada,
Não fica o rubro cravo a ser seu escravo,
Mas talvez fique a rosa apaixonada
*
E, mais tarde ou mais cedo, em gesto bravo,
Reflicta na paixão que foi travada
E venha murmurar-lhe; “Eu furo e escavo
Até tornar-me a flor mais desejada!”
*
Responde o cravo, altivo: -“Eu nunca disse
Que queria estar contigo, ó flor burguesa!
Não pudeste abraçar-me sem que eu visse
*
Que usando a mais-valia da beleza
Me ousavas seduzir sem que eu sentisse
No teu brejeiro gesto uma certeza!”
*
Maria João Brito de Sousa – 09.05.2014 – 14.56h
publicado às 13:50