Maria João Brito de Sousa
(Soneto “de coda” em decassílabo heróico)
Conserto o desconcerto, acerto o passo,
Pinto, esculpindo o verso que me ocorre.
As coisas que aqui faço, ou que não faço,
Vão transcendendo a carne que me cobre…
Mas, se à própria razão retiro o braço
Se o gesto me preguiça, a mão não corre,
Se, já rendida à dor, verga ao cansaço,
Perco o rumo à razão que me socorre.
Que me não faltes, mão dos gestos leves,
Que esculpes, que constróis, que remodelas,
Que, sem hesitações, aqui te atreves
A dissecar miséria e coisas belas
E a arder nos mil pavios do que não deves,
Porque há quem vá negar-te a luz das velas,
Quem queira dar-te fama e voz, tão breves
Que ocultem o sentido ao barro, às telas,
Para honrar com néons quanto nem escreves!
Maria João Brito de Sousa – 09.02.2014 – 17.07h
Imagem - "Genesis" - Jacob Epstein
publicado às 16:16
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Se sofro, o que me importa, a mim, sofrer
Enquanto tantos mil, sofrendo mais,
Transformam cada grito, dos que eu der,
Num gemido que abafa outros iguais?
Se morro, o que me importa, a mim, dizer
Que a morte me chegou cedo demais,
Enquanto mil houver que irão morrer
De frio, de fome e falta de hospitais?
Mas uma coisa sei; morro de pé!
Ninguém ficará surdo à voz de um só
Quando ela em mil projecta aquilo que é
E, na corda impotente, o sujo nó,
Rebenta de repente, explode a fé
E outro Golias cai mordendo o pó!
Maria João Brito de Sousa – 11.02.2014 – 12,49h
IMAGEM - O Quarto Estado - Pelizza da Volpedo
publicado às 13:40
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
… e neste fim de Tejo em que me vivo,
Onde, entre verbo e dor, sei ser feliz,
Hei-de ser sempre o fruto do que fiz,
Do muito que senti, do que me privo
Se teimo em rejeitar, quando me esquivo,
A verso que não venha da matriz
Ou negue exactamente quanto eu quis
Por não ser mais que um frágil lenitivo
E atendo ao que jamais será cativo,
Ao que é reprodução do som nativo
Que, em ondas, se espraiou desde a raiz
Porque, entre sopro e forma, mero crivo,
Não traço mais que um esboço criativo
Dos versos que um soneto a mim me diz.
Maria João Brito de Sousa – 28.01.2014 – 21.50h
publicado às 17:10