Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Salteio, em fogo vivo, o cozinhado
Do aceso perpassar deste momento
E apuro, de seguida, em fogo lento
A zanga que me vai passando ao lado…
Provo um pedaço, tenro e suculento,
Do verso acutilante e mal passado
E sinto que me falta um bom bocado
Pr`a dar-vos garantias de sustento…
Quando um outro chegar, se então souber,
Talvez possa juntar-lhe outro qualquer
Condimento - um tempero ocasional -,
Ou mesmo adicionar-lhe um verso ou dois
Dos tantos que me ocorrem, só depois
De o servir na baixela de cristal...
Maria João Brito de Sousa -29.01.2012 - 17.56h
publicado às 12:50
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Serás sempre meada, inteira ou não, Dum fio de vida em breve desfiar E quer possas, quer não, terás de ousar Cumprir-te numa tal contradição... Hoje, amanhã, depois... continuar! Que o Tempo, sem a tua permissão, Sem pedir-te licença pr`avançar, Passou-te à frente e nem pediu perdão... Mas, venha lá quem venha, a vida é tua! Se a alma não protesta, o corpo sua E bem mais sofrerá se não te ergueres, Se não brandires ao vento, em cada rua, De braço levantado, a voz que estua No punho das palavras que trouxeres!
Maria João Brito de Sousa – 16.01.2012 – 02.20h
IMAGEM - A TECEDEIRA DE BARCAS, Maria João Brito de Sousa, 1999
publicado às 16:10
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico) Dobando o fio da esp´rança que te resta No fuso de um futuro antecipado, Desfazes-te em trabalho redobrado Nas texturas legais que alguém protesta Já sobre ti caiu, torpe e funesta, A truculenta mão de aço forjado Que vai estendendo, agora disfarçado, O tanto que diz dar mas mal te empresta Dobando o novo fio, depressa brilha Mais luz, prenunciando a maravilha Do esforço que lhe ousaste acrescentar Que dum chão que venceu tanta batalha Possa brotar, qual sonho, a viva malha Que cresça até que as mãos queiram cantar!
Maria João Brito de Sousa – 23.01.2013 – 18.01h IMAGEM - Gouache da autora, aos oito anos
publicado às 22:07
Maria João Brito de Sousa
"L`IMPORTANT C`EST LA ROSE"
* Da natureza emerjo e sou quem sou Consciente de aqui estar, mas tão serena Que, ao espelhar-me em luares de lua plena, Aguardo receber quanto lhes dou
* E moldo cada raio que brilhou Sem me sentir culpada, ingrata, obscena, Por espinho, dissabor ou qualquer pena, Que ressurja na flor que dele brotou
* Então, repasso o disco semi-gasto, Das pétalas do mundo em que me basto E torno-me lunar porque me apraz
* Ter um corpo distante, inerte e casto, Do qual, sem dar por isso, só me afasto Se me acontece querer sem ser capaz *
Maria João Brito de Sousa – 19.01.2013 – 19.43h
publicado às 19:35
Maria João Brito de Sousa
O tempo é das palavras que, nas asas,
Trazem o pó da terra, o pão, a flor…
Das palavras-operários que erguem casas
E, à noite, já cansadas, são suor,
Que vêm do silêncio de águas rasas
De um tempo amordaçado pela dor,
Que arrancaram, de vez, suas mordaças
E se lançam num voo bem maior
O tempo é de mudança em maré alta
Da palavra que agora nos não falta,
Da força que nos trouxe acreditar,
Da espiga, já madura, a dar seu fruto,
Por fim, da liberdade e do produto
Do que a nossa vontade irá moldar
Maria João Brito de Sousa – 03.08.2011 – 15.55h
Soneto prefácio dedicado ao terceiro livro da poetisa alentejana Idalina Pata, O TEMPO DAS PALAVRAS, Bubok Publishing S. L.
publicado às 21:27
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico) Renasce-me a questão, tal qual a sentes; - Como arrancar o ceptro a um poder Que assim vai fomentando, sem tremer, Tais formas de injustiça entre inocentes? Nas marcas da passagem de serpentes Às quais se impõe matar pr`a não morrer Se explica ou se desvenda este “não ser” Pior do que o pior que em ti consentes… Se, pouco ou nada tendo, ainda escrevo, É por não ter esquecido o quanto devo E nisso me encontrar enquanto o pago Pois, porque pressionada, até me atrevo À poética da flor - talvez de um trevo... - Que, em quase-voo, emula um meigo afago…
Maria João Brito de Sousa – 14.01.2012- 21.29h
publicado às 02:58
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico) Não te deixes levar – nunca te iludas! – Pela promessa vã de um sonho vago, Por pérfida carícia em breve afago Na amorfa mansidão das queixas mudas.
Que as setas que lançares sejam agudas, Que zunam, que penetrem, causem estrago E possam, tal e qual como as que trago, Furar sem desdenhar de entreajudas.
Resguarda-te do mal. Quando o enfrentas, Não fujas dele, foge do que inventas, Que aqui há mal de sobra… e sobram mil!
Que das setas que lanças, quando o tentas, Brotem, mais uma vez, justas, sedentas E vivas, as razões pr`amores... de Abril!
Maria João Brito de Sousa – 10.01.2012 – 17.05h
Imagem retirada da net, via Google
publicado às 17:22
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo quase heróico) “Pinte-se o céu da cor que te aprouver, Faça-se luz no traço em movimento, Cozinhe-se outro mundo, em fogo lento, E engendre, o coração, quanto puder! Reinvente, cada homem e mulher, A génese adequada ao seu intento, Roubando a tempestade ao próprio vento E uma centelha à cor que se acender! Depois… é uma dança, um medir forças Dos braços que nos correm como corças Sobre a nudez da tela ou papelão… E não se pára enquanto o fim não chega!” Relembro enquanto a força se me nega E a cor se me desfaz num turbilhão…
Maria João Brito de Sousa – 03.12.2012 – 14.46h Soneto oferecido ao Rogério V Pereira
IMAGEM - "By the Sea", tela de Paul Gauguin
publicado às 13:23
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso eneassilábico)
O Sol brilha em teus olhos doirados
Se, incontido, um rosnido acontece
Na conquista de urbanos telhados
Onde, à noite, o teu corpo adormece
De veludo, em teu dorso eriçados,
Doseando a tensão que o estremece,
Estão milhares de pequenos soldados
Preparando o que em garras se tece…
Não há fome nem frio, não há sede
Que desarme essas armas brandidas
Na defesa de um espaço que é teu
Mas se o estranho invasor to concede
E desiste das telhas perdidas…
Reconquistas, no mundo, o teu céu!
Maria João Brito de Sousa – 30.12.2012 – 18.09
Nota - Ligeiramente reformulado, a 02.01.2012 depois da publicação no meu mural do Facebook
publicado às 15:09