Maria João Brito de Sousa
É por dentro das horas que desfio
O rosário das queixas que não faço
Que esta fome de sol, que por cá passo,
Me mina de incerteza. E faz-me frio.
O abismo que se cava em cada rio
Que rompe a terra mãe no seu abraço,
Traz no seu leito fundo o puro traço
De quem, deixando-se ir, não desistiu.
Cada vez mais se entranha pelas horas
Que voam renegando as mil demoras
Que um ciclo natural sempre despreza
E se esse rio souber que o sonho existe,
Conquista o seu direito a morrer triste,
Desvenda outra insuspeita natureza.
Maria João Brito de Sousa – 26.10.2011 - 15.20h
Reformulado a 2.11.2015
publicado às 16:20
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso eneassilábico)
Quis lembrar-me do mar que trazias
A pender-te da ponta dos dedos,
Prometendo, acenando aos mil dias
Que eu roubava à avareza dos medos
E colhi, desse mar que escondias,
No remoto pomar dos segredos,
O mel doce, que em fruto of`recias
D´entre mil, extemporâneos, azedos…
Houve um tempo redondo e magoado
Em que o fruto minguava escondido,
Definhando de tão resguardado
Na redoma do que é proibido,
E se eu nunca o tivesse encontrado,
Talvez nunca o tivesse perdido...
Maria João Brito de Sousa – 23.10.2011 – 15.00h
publicado às 13:22
Maria João Brito de Sousa
Dei-te um mar inocente e virginal,
Mas telúrico e quase incandescente,
A brotar desse anseio universal
De ser muito mais mar do que era gente
E nesse mar selvagem, sensual,
Da onda mais revolta e mais urgente,
Não soubeste deixar-me outro sinal
Pr`além do gene instável da semente…
De quanto mergulhaste, vertical,
Assim que o sol, a pino, se fez quente,
Perdeu-se-te a mensagem, no final,
E, enquanto o sol se põe, mesmo à tangente,
Eu crio, noutro mar mais ficcional,
Cada raio de luz do meu poente...
Maria João Brito de Sousa – 22.10.2011 – 15.00h
publicado às 15:42
Maria João Brito de Sousa
Foi num muro em que, sem liberdade,
Acoitado entre as lajes, tão frias,
Tu escreveste a palavra VONTADE
Conquistada ao granito dos dias!
Foi a tua resposta à maldade,
À traição e às demais vilanias
De quem queria apagar a VERDADE
Desse muro em que, ousado, a escrevias!
Foram tantas palavras negadas
Que a garganta guardou da denúncia
Dos que a queriam gritada entre os muros,
Quanto as dores, como pedras, caladas
Na nobreza da tua renúncia,
Semeando os teus sonhos mais puros!
Maria João Brito de Sousa - 21.10.2011 - 13.48h
Imagem retirada da página que a Wikipédia criou para o 25 de Abril de 1974
NOTA - Soneto de nove sílabas métricas
publicado às 13:35
Maria João Brito de Sousa
Hoje, nem bem, nem mal, nem coisa alguma…
Nem o silêncio impôs a reflexão,
Nem um murmúrio só, dizendo "não"
Às minhas mãos cerradas como bruma
E dispersa-me a onda nesta espuma
Como se, ao ser negada uma razão,
Tudo se reduzisse à dimensão
Das lutas que se perdem, uma a uma…
Hoje… nem bem, nem mal! Ninguém diria
Que ontem saiu à rua a rebeldia
Vestida com as cores de mil certezas,
Porque hoje, ao acordar, nada se ouvia
(... mas, quem estivesse atento, sentiria
um tumulto a subir das profundezas…)
Maria João Brito de Sousa – 16.10.2011 – 16.32h
publicado às 22:25
Maria João Brito de Sousa
Usado e gasto ou novo e displicente,
Tenho-te aqui, neste onde que nem sei,
No poema em que te prendo, esse imprudente
Que te irá dar bem mais do que eu te dei,
Mas perco-te depois, num gesto urgente
Em que abro mão daquilo que engendrei,
E vendo-te voar – quem me desmente? –
Descubro que não mais te encontrarei...
Quem és, quem és, se nem mesmo eu souber
Prender-te nos meus braços de mulher
Dando uma voz à voz que tu não tens?
Serás verso que teima em se perder,
Ou talvez sejas tudo o que eu quiser
Por mais que eu nunca saiba de onde vens...
Maria João Brito de Sousa – 10.10.2011 – 21.11h
Imagem retirada da Internet, via Google
publicado às 21:54
Maria João Brito de Sousa
Enquanto a vida passa pela vida
Muitos, na luta eterna, reconhecem
Que as teias desta vida se nos tecem
Conforme a voz que temos seja erguida...
Tantos de nós, descendo uma avenida,
Procuramos dar voz aos que a merecem
E damos voz à voz dos que se oferecem
Pr`a dar voz à verdade indesmentida
Que vida a vida se ergue na cidade
Reconstruindo a solidariedade
Essa que já mil vezes nos uniu
E é contra a voz que abafa a nossa voz
Que, erguidos desse chão, não estamos sós
Contra quem, pr`a roubar-nos, nos mentiu!
Maria João Brito de Sousa – 07.10.2011 – 18.37h
NOTA - Desde esta madrugada, impossibilitada de aceder ao meu mural do Facebook e à maioria dos sites da net, desejo, do fundo do coração,
uma GRANDE concentração a todos os amigos da ANIMAL e de todos os grupos e associações que hoje se lhes juntem, no Rossio, para dar voz a todos os animais.
TODOS DIFERENTES, TODOS ANIMAIS!
publicado às 14:35
Maria João Brito de Sousa
Se a Cidade contasse os segredos
Das janelas fechadas dos dias
Quantos rostos e mãos não verias
Nas cortinas já gastas dos medos,
Quantos corpos em estranhos folguedos,
Quantas camas desfeitas, já frias,
Quantas mesas de pinho vazias
De uns pedaços de pão, mesmo azêdos?
Se a Cidade pudesse falar
E se erguida do chão, a gritar,
Rebentasse em protesto incontido
Levantando o seu punho no ar...
(ah, Cidade que eu tento inventar,
nem eu própria sei dar-te um sentido!)
Maria João Brito de Sousa - 05.10.2011 - 15.03h
Imagem retirada da Internet, via Google
publicado às 16:53
Maria João Brito de Sousa
Nestes punhos magoados que se cerram
Por causas bem mais fortes do que a dor,
Eu trago estas palavras que se elevam
Como as de outro qualquer trabalhador
E, se morrer sem voz porque me enterram
Tentando refrear o meu ardor,
Jamais terei traído os que delegam
A voz na voz de quem lhes dá valor!
Ah, nunca mais o medo a meias-vozes!
Nunca mais submissão aos tais algozes
Que estão escavando abismos financeiros
Entre um punhado de bem “recheados”,
E os restantes milhões de injustiçados
Que o capital transforma em prisioneiros!
Maria João Brito de Sousa – 04.10.2011 – 02.18h
IMAGEM DA MANIFESTAÇÃO DA CGTP DE 1 DE OUTUBRO DE 2011, retirada da net, via Google
publicado às 15:01