Maria João Brito de Sousa
ESTRELA
*
Se outra estrela além daquela
Que me conduz, me ilumina,
Colidir, algures, com ela
Tentando mudar-me a sina,
*
Morrerei por minha estrela
Porque ninguém me confina
A estrelas diferentes dela
Sob ordens de outra doutrina!
*
Morro dizendo que não
A qualquer imposição
Que não venha desse rasto
*
E do brilho milenar
Que me obriga a poetar
E me diz que assim me basto
*
Maria João Brito de Sousa – 27.08.2011 -15.31h
publicado às 15:50
Maria João Brito de Sousa
Em qualquer noite de um qualquer Verão
Vislumbrei uma estrela que passava
E fixando-lhe o rasto que brilhava
Fiz del` sopro de voz, poema em vão
Poema só não passa se lhe dão
A cuidada atenção de quem o escava
E é, tal qual vulcão rompendo em lava,
Um grito, um brilho intenso, uma explosão
Mas, tanto a lava quanto a estrela errante,
Podem surgir-nos a qualquer instante,
Abalar-nos, tocar-nos de repente
E assim é o poema quando surge;
Uma força iindomável que nos urge
Como urge o alimento a toda a gente
Maria João Brito de Sousa – 25.08.2011 – 14.20h
publicado às 14:26
Maria João Brito de Sousa
Minh`alma é toda feita da inocência
De eternas e selvagens rebeldias
Nos pontuais arbustos de impaciência
Que florescem nas margens dos meus dias
Cultivo, sem cessar, inteligência,
Privilegio sempre as harmonias
E procuro entender – venero a ciência –
Os frutos que colher por estas vias
Quando algo me transcende, eu não desisto
E guardo pr`a mais tarde o nunca visto
No baú dos meus sonhos de menina
Mais tarde, posso, ou não, achar respostas
[se as coisas forem sendo assim dispostas
no tempo a que esta vida nos confina…]
Maria João Brito de Sousa – 21.08.2011 – 15.18h
publicado às 15:30
Maria João Brito de Sousa
Amigo, são simples telas,
Todas de um branco lunar,
Que vês azuis e amarelas
Depois de eu as trabalhar
Se souberes olhar pr`a elas
Com olhos de procurar,
Verás que todas são selas
De um corcel por inventar
São óleos e aguarelas
Das ondas deste meu mar
Que, tal como as caravelas,
Partiram pr`a conquistar,
Contra todas as procelas,
O seu direito a falar
Maria João Brito de Sousa – 20.08.2011 – 13.50h
publicado às 14:05
Maria João Brito de Sousa
Não importa de onde venha
Se toda inteira me envolve
Numa carícia tão estranha
Que só a escrita a resolve
E, de um só golpe me apanha,
De um só golpe me dissolve
Numa languidez tamanha
Da qual já ninguém me absolve,
Que mais valera calar-me
Sem sequer tentar explicar
Por que razão hei-de eu dar-me
Numa envolvência sem par
Sem que soe o tal alarme
Que me costuma alertar.
Maria João Brito de Sousa – 17.08.2011 – 19.21h
publicado às 21:48
Maria João Brito de Sousa
Silêncio. Lá fora, as flores
Dos canteiros do jardim,
Não qu`rendo saber de mim,
São, contudo, os meus amores...
Corolas de muitas cores
E formatos sem ter fim,
Parecem lembrar, assim,
Que há mais sorrisos que dores
Silêncio! Uma flor morreu,
Mas mil milhões desabrocham
No segundo que se segue
Àquele em que a mão escreveu
Sobre o que elas revelaram…
Flores-poetas? Nunca o negue!
Maria João Brito de Sousa – 14.08.2011 – 21.48h
publicado às 22:01
Maria João Brito de Sousa
Já mal recordo as águas, muito claras, Das nascentes das serras percorridas Sobre penhascos, sobre duras fragas, Em cada passo gasto nas subidas Já quase nem relembro as madrugadas De todo o começar de tantas vidas Se ato, por cada verso, estas amarras Às colunas do cais de outras partidas, Mas, à noitinha, é como se tambores Semeassem no ar todas as cores Num reboar de notas sincopadas! Dormindo, eu que sou “tu”, sou tanta gente Que não tendo passado, nem presente, Adivinha o porvir destas passadas …
publicado às 16:52
Maria João Brito de Sousa
Sorrio por esta terra que deu vida
À poesia que enche as minhas veias
Onde uma alma marítima e rendida
Se me transmuta em espuma sobre areias
Sorrio por este mar, pela partida,
Pela insurgência destas marés cheias
Que, inevitavelmente, dão guarida
Às naus que em mim renascem como ideias
Sorrio por este céu de azul vestido,
Por cada rio de prata a desaguar
No estuário do sal que lhe é devido,
Por este manto de ouro e de luar,
Por quanto dele em mim fizer sentido
E pelo que eu, sorrindo, recriar…
Maria João Brito de Sousa – 10.08.2011 – 12.15h
publicado às 19:25
Maria João Brito de Sousa
Aqui sou o que sou! De minha graça,
Poeta e portuguesa - quanto baste! -
E antes que um poema se me gaste
Nalgum prévio receio de ameaça,
Esqueço o tanto que sorte me anda escassa
E recrio este jogo de contraste
Sem ter em atenção quanto contaste,
Mal uma estrofe acena ou se me enlaça!
Mas se o verso se atrasa ou se um poema
Encontra, no caminho, algum problema
E me obriga a ficar pr`aqui calada,
Não entro em desespero… ele há-de vir
Assim que a rima espreite e que, a sorrir,
Me convide a entrar na desgarrada…
Maria João Brito de Sousa - 08.08.2011 - 18.00h
IMAGEM - Tela de Paula Rego
Reformulado a 22.10.2015
publicado às 18:00
Maria João Brito de Sousa
Passa por lá um rio feito de anseios,
De águas mansas, serenas, cristalinas,
Visitado por aves que, em gorjeios,
Vêm beijar as flores mais pequeninas,
Um córrego onde posso, sem receios,
Banhar-me como todas as meninas…
Minh`alma, pouco dada a devaneios,
É nel` que encontra aspirações divinas…
Passaram tantos rios e só naquele
Soube o que era sentir, à flor da pele,
A estranha glória de não ter idade
Porque ele passa e passo eu com ele,
Mas nunca o esquecerei porque foi nele
Que fui esboçando a minha identidade...
Maria João Brito de Sousa – 05.08.2011 – 15.13h
publicado às 16:24
Maria João Brito de Sousa
Que posso contra a força da consciência
Se ela me eleva a mão, me exalta a voz,
Se se me impõe além do que é prudência
E lança ao mar na casca de uma noz?
Eu nada posso, ó clara transparência,
E entrego-te este leme quando, a sós,
Confio – quem o sabe? – na clemência
Daqueles que chegarão depois de nós
Se pedes muito mais que o evidente,
Se assim vais empurrando, sempre em frente,
A vaga das palavras que aqui escrevo,
E, estando em mim, tu és de tanta gente,
Como posso negar-te o meu presente
Que lega no futuro o sal que eu devo?
Maria João Brito de Sousa – 03.08.2011 – 20.18h
publicado às 21:18