Maria João Brito de Sousa
Floriram meus amores em plaga incerta
Quando um botão de cravo, a despontar,
Irrompeu pelas dunas de luar
Do dealbar da minha descoberta
Eu debruçada e já janela aberta
Sobre aquilo que estava por chegar,
Relembro, dessa praia, o mesmo mar
Que me induzira em tão premente alerta
Pois, no desabrochar de cada flor,
Há um tempo de riso e outro de dor,
Um para receber, outro pr`a dar;
Um tempo só de pétalas e cor
E outro de recordar um velho amor
A que nem mesmo a flor soube escapar.
Maria João Brito de Sousa – 29.07.2011 – 16.24h
publicado às 16:40
Maria João Brito de Sousa
SOU DO MAR!
*
Sou do mar na estranhíssima alquimia
Que me transforma em fogo e pedra e gente
E também desse mar que, à revelia,
Se me sucede a cada sol nascente;
Da mesmíssima força em que ele nascia
Renasce, dia a dia, o meu presente,
E sinto exactamente o que ele sentia,
E sou exactamente o que ele consente.
Sou do mar no processo indecifrável
Que admite a simbiose entre o provável
E aquilo que ninguém pode provar
Mas, fruto desse jogo, eu sou palpável
E nessa mutação, nem sempre estável,
Eu sempre acreditei que sou do Mar!
Maria João Brito de Sousa – 26.07.2011 – 13.00h
publicado às 14:01
Maria João Brito de Sousa
Fica tão triste a cor das madrugadas
Em que o sol se esqueceu de vir brilhar
E as nuvens plúmbeas crescem, desoladas,
Sobre os últimos raios de luar
Mas, em compensação, outras, ousadas,
Rompendo o escuro manto irão mostrar
O azul do céu às vidas ensonadas
Que agora mesmo acabam de acordar
Há sempre um cravo aberto na janela
De cada madrugada que não esqueço
Nas horas de um porvir que se aproxima
E, se alguém se esqueceu de olhar pr`a ela,
Eu escrevo outro poema e recomeço
No primeiro amanhã que nasça em rima
Maria João Brito de Sousa - 2011.07.22 - 12.17h
publicado às 12:17
Maria João Brito de Sousa
DE QUE FALAS TU QUE ME NÃO SABES?
*
Não me falas da pátria que mal vês
Num povo que procura identidade.
Falas do “teu” país mas, na verdade,
Nem sei se hei-de chamar-te português.
*
Não me falas das leis da natureza
Pois nunca as encontrei no que tu dizes;
Negas sabedoria aos aprendizes,
Mas não saberás mais, tenho a certeza!
*
De que me falas tu que me amordaças
Quando vislumbro um pouco da verdade
E tento partilhar o que descubro?
*
Não te digo mais nada se ameaças
Vergar-me o tronco firme da vontade
Para arrancar de mim o cravo rubro!
*
Maria João Brito de Sousa
2011
IMAGEM - Eu, aos seis anos, com o pai e a mãe
publicado às 13:27
Maria João Brito de Sousa
Nos dias em que o sol vem, de mansinho,
Falar de aspirações e de horizontes,
Em chegando às janelas do meu ninho,
Abro-as de par em par, lanço-lhe pontes!
Da terra vem-me um cheiro a rosmaninho
Regado pelas águas de outras fontes
E quando o vento sopra em remoinho
Movem-se as verdes copas sobre os montes…
Mas não fico a chorar se a chuva cai,
Se o vento sopra tanto que lá vai
O lençol que estendi no meu estendal…
São coisas desta vida, eu sei-o bem,
E tenho, tal e qual a vida tem,
Horas que sabem bem; outras… bem mal!
Maria João Brito de Sousa – 19.07.2011 – 19.27h
IMAGEM - Mapa meteorológico retirado da internet, via Google
publicado às 14:31
Maria João Brito de Sousa
Ele há dias assim, contraditórios,
A que podemos lá dizer que não
E, mesmo com poemas meritórios,
Julgamos ter perdido inspiração…
Já lhes conheço bem os repertórios
Por isso vos proponho a condição
De só os mencionar se abonatórios
Dos dos dias dos poemas que virão;
Lembro-me bem de um dia, era eu menina,
- só o quero lembrar porque, em crescendo,
vi bem que não seria tão tremendo… -
Em que me vi herdeira de má sina…
[e porque, volta e meia, ele mo recorda,
tento atá-lo a dois nós da mesma corda…]
Maria João Brito de Sousa
publicado às 11:40
Maria João Brito de Sousa
METAMORFOSE
“Tenho alma de papoila;
mal se toca, mal se agita,
caem-lhe as pétalas todas
e fica morta, despida
noutras vezes, a papoila,
só por força do dever,
transforma-se em rocha dura
resiste à dor, à tortura,
nada a pode comover
mas, rocha bruta ou papoila,
no palco fica a Mulher;
eu, metamorfoseada
em anjo ou alma-penada,
ora papoila, ora fraga,
conforme vos convier”
Maria João Brito de Sousa - 1993(?)
Poema introdutório, escrito por mim no Verão de 1993
A FLOR E A ARMA
*
Dei-vos a flor das armas que não tinha
- ou tinha e quereria nunca usar... -
E a dupla imensidão desta alma minha
Num corpo que a mal sabe resguardar,
*
Entreguei-vos a espada, sem bainha,
Na baioneta, pronta a disparar,
E ninguém reparou que ela, sozinha,
Se transformava em flor pr`a vos cantar
*
Por isso já não sei se arma, ou se flor,
Mas seja ela aquilo que ela for,
Ninguém pode negar-lhe a dupla vida
*
E, ao entregá-la com tão grande amor,
Com ela disparei, sem mágoa ou dor,
Um verso em flor por pétala caída.
*
Maria João Brito de Sousa – 17.07.2011 – 16.29h
Imagem - Eu, em 1956
publicado às 12:18
Maria João Brito de Sousa
Um homem que tem nome e não tem nome
Numa terra qualquer, que não é sua,
Nuns dias a comer, noutros, com fome,
Esmolando o dia-a-dia em cada rua,
Numa busca incessante, que o consome,
Que o faz ser quem não é, que o desvirtua,
Que o leva a não saber que rumo tome
Na estrada que a miséria tornou crua…
Esse homem que partiu, talvez não volte…
Talvez essa miséria nunca o solte,
Talvez a fome o leve um destes dias,
Talvez seja mais um dos que, à partida,
Arriscaram – quem sabe? – a própria vida
Por causa do tal excesso em que vivias…
Maria João Brito de Sousa
IMAGEM RETIRADA DA INTERNET - "O Emigrante" - Charlie Chaplin
publicado às 12:07
Maria João Brito de Sousa
Nem só de ambiguidades e sorrisos
Se faz a Poesia de um país
E nem sempre se fazem bons juízos
Se um poeta, a escrever, diz ser feliz,
Pois há sempre uns murmúrios de raiz
Sobre as razões pr´a ter, ou não ter, siso,
Quem, sendo pobre, não se contradiz
E faz surgir, do nada, um paraíso…
Por vezes está doente e sente dores
Mas, nem que venham mil e um horrores,
Alguém pode afirmar que, arrependido,
Pudesse ter inveja dos senhores
Que falam muito e que recebem flores
Apesar de um discurso sem sentido…
Maria João Brito de Sousa
publicado às 12:34
Maria João Brito de Sousa
Será sempre miséria o que temos
Porque é sempre no mar que buscamos
Esse tanto que nunca tivemos
Do manjar que, não tendo, vos damos
Sobre o mar, que é tão nosso, crescemos,
Defendendo os interesses dos amos,
Retirando da força dos remos
Cada metro do chão que varamos
Quando às redes dos braços trazemos
Todo o peixe que agora pescamos
Somos nós e só nós que sabemos
Quanta luta de morte enfrentamos
Nestes braços cansados que erguemos
Pelo pão que jamais vos negamos!
Maria João Brito de Sousa – 09.07.2011 – 17.09h
publicado às 11:35
Maria João Brito de Sousa
Sou do Tejo no abraço em que Lisboa
Se dá ao mar e, desse mar, reclama
Esse amplexo ideal, que não magoa,
Que nasce do poema, quando a chama
Virei dessa atracção sem raciocínio
Com que ela seduziu um mar vadio
E nascerei, também, do seu fascínio
Sempre que à noite a canto à beira rio…
Esta minha cidade é como eu sou,
Tem a mesma magia em que me dou
Nos versos que lhe escrevo em cada dia…
Mistérios não se devem desvendar
Mas sei que a cada abraço do seu mar
Reinventa o mesmo amor que a principia…
Maria João Brito de Sousa
publicado às 12:06
Maria João Brito de Sousa
Eu sei que tenho manhas e manias
Pois tento ser aquilo que Deus quis
Mas juro que é assim que sou feliz,
Fazendo, certamente, o que devia…
Se a metáfora surge… é por magia!
Não sei explicar, de todo, o que ela diz,
Mas diga o que disser, sei bem que fiz
Exactamente aquilo que ela queria…
Nas manhãs em que, ouvindo a voz do mar,
Me sinto tão mais viva e tão mais eu,
É dentro do meu mar que encontro o céu
Posso ser só um fado por cantar
Mas sei que cada vez serei mais ilha
Por ser, deste meu mar, a amada filha.
Maria João Brito de Sousa – 10.07.2011 – 20.27h
publicado às 11:57