Maria João Brito de Sousa
O soneto de hoje é dedicado à Laurinda Alves que faz anos amanhã e cujo blog http://laurindaalves.blogs.sapo.pt/ eu acabo de visitar.
Não foi um soneto concebido expressamente para ela, mas eu sou uma daquelas pessoas que acreditam, no mais fundo de si, que a Arte e o Acaso devem andar de mãos dadas.
Parabéns, Laurinda! :)
Evoco, à luz da lua , o teu cabelo
E as nossas duas bocas num só beijo,
Enquanto, lá no alto, o Sete-Estrelo
Nos oferecia um brilho benfazejo
Evoco quanto havia de mais belo
E em tudo o que evoquei, hoje revejo
Um rei que vem voltando ao seu castelo
Em asas que engendrei, por meu desejo
Vejo, então, o teu vulto ir-se afastando
E vai crescendo, em mim, um choro brando
Que extravasa e me inunda o coração
Talvez depois te evoque… ou nunca mais
Conjure esses teus traços virtuais
(como se este estar só não fosse opção…)
Maria João Brito de Sousa
publicado às 14:43
Maria João Brito de Sousa
CANTO INTEMPORAL DE UMA SEREIA NUMA PRAIA DO NOSSO IMAGINÁRIO
Ali era outro o mar, outra a viagem
E outra a luz de um tempo imprevisível
Que ecoava absurdo, irónico, irascível
E esmagava o real, como uma vagem.
Fora ali que eu deixara uma mensagem
Pr` alguém que, mais atento ou mais sensível,
Descobrisse o que fiz quando, invisível,
Me derramara inteira sobre a margem.
Pedi, naquela carta, um pouco ainda,
Do vosso imaginário colectivo,
Quanto se expressa em criatividade
Nas voltas de um futuro que não finda
Em que, pr`a estar convosco, sobrevivo
Incólume a tão dura austeridade…
Maria João Brito de Sousa – 27.11.2010 – 20.26h
MEUS LONGOS, LONGOS DIAS DE MENINA...
De vez em quando, o mar, o vento, a areia,
Vêm, num rodopio, lembrar-me os dias
Em que encontrava, sempre, uma sereia
Em cada espelho de água em que me via
Eram dias de sol, de maré cheia,
De um tempo de crescer que eu percorria
E que neste momento tenho ideia
Me davam muito mais do que eu pedia...
Mas, mar, areia e vento, em rodopio,
Inda dançam pr`a mim quando me rio
E só por não poderem não trarão
De volta os longos dias que, em menina,
Me faziam sentir que era divina
A lentidão das horas desse então…
Maria João Brito de Sousa – 27.11.2010 – 17.59h
NÃO NEGO ABRIL!
Não negarei Abril, que Abril sou eu
E tudo o que em mim vive e se desdobra
Como se fosse vosso o que me sobra
E o que vos sobra, a todos, fosse meu!
Não negarei o espaço, nem o céu
Ou o que há de divino em cada obra
E hei-de pagar ao mundo o que ele me cobra
Porque o que cresce em mim, de Abril nasceu.
Não nego Abril, que Abril me seduziu,
Me foi estendendo um braço companheiro
Nas asas e canções de voz liberta!
Prometeu e se, acaso, não cumpriu,
Foi só por não ter sido o derradeiro
Abril da liberdade sempre incerta...
Maria João Brito de Sousa – 27.11.2010 – 21.06h
publicado às 11:57
Maria João Brito de Sousa
Cumpro-me em todas as cores
De um especto lunar difuso
Fazendo surgir valores
De mil coisas que nem uso,
Cumpro-me em todas as flores!
Se isto vos parece abuso,
Juro perder-me de amores
Pelos amor`s que recuso...
Cumpro-me quando acredito
E também quando duvido
De ser palpável, real…
Cumpro-me até quando admito
Já não ser quem tenho sido…
Cumpro-me sempre, afinal!
Maria João Brito de Sousa 26.11.2919 - 12.06h
publicado às 12:06
Maria João Brito de Sousa
Encontro as rimas dispersas
No lençol feito de linho,
Que foi bordado a conversas
Sobre esta cama de pinho
E nas horas mais adversas,
Abraço o lençol limpinho
- que lavo todas as terças –
Para sentir-lhe o cheirinho…
Se a minha casa não for
Uma casa portuguesa
Como a da antiga canção,
Tem, pelo menos, amor
E só não tem pão na mesa
Porque o traz no coração!
Maria João Brito de Sousa – 24.11.2010 – 21.57h
publicado às 10:57
Maria João Brito de Sousa
BLOG EM GREVE
publicado às 09:00
Maria João Brito de Sousa
O meu fado não tem fado,
Nem tem cama onde dormir;
Só o escuta quem, calado,
O procure e o saiba ouvir…
Se, às vezes, soar magoado,
Se vos parecer pedir,
É, na verdade, culpado
De quanto faça sentir…
O meu fado é solitário;
Se abraçasse uma guitarra,
Seria pr`a desmentir-se
Dizendo tudo ao contrário,
Cortando a última amarra,
Pr`a, no fim, poder sumir-se…
Maria João Brito de Sousa
IMAGEM - "O Fado", Paula Rego
publicado às 14:57
Maria João Brito de Sousa
NAS TUAS MÃOS
Nas tuas mãos eu, ave, te confesso Que esvoaço, sucumbo e, já rendida, Procuro noutras mãos uma guarida Onde a chama que sou não tenha preço. Eu, ave, só te entrego o que não peço; Submeto-me à carícia prometida Nas asas da loucura em mim escondida Que tu nem sonharias e eu não meço. E que outra ave marinha of`receria Tão extrema e profundíssima alegria? Que outra alma se daria em seda pura? As tuas mãos… quem mais se atreveria A desvendar-lhes sede e fantasia Para enchê-las de sonho e de ternura? Maria João Brito de Sousa – Maio 2007
LEITORA COMPULSIVA
Em que ficamos nós? Que hei-de fazer
Se o sol quiser nascer enquanto a lua
Me instiga a que desvende o que eu puder
De um livro que tem vida e geme e sua?
Enquanto esta leitura me quiser,
Procurarei razões que esta alma estua
E entenderei, no fim, que sou mulher
A viajar nos versos de alma nua
À hora em que sol nasce deslumbrado,
Entendo finalmente que é escusado
Tentar chegar ao fim... e adormeço,
Pois só adormecida me liberto
Do livro, sobre mim, que ainda aberto
Me oferece muito mais do que eu lhe peço.
Maria João Brito de Sousa – 19.11.2010 – 18.41h
ANJO IMPREVISTO
Sinto-te vir, mais suave que uma prece.
Volteia sobre mim, Anjo Imprevisto!
És o jorrar de um néctar que conquisto
No culminar de um corpo que adormece.
De tudo o que na vida me acontece
Sempre que o isco surge e não resisto,
És bem menos provável – nisso insisto! –
Do que um dia a romper quando anoitece.
Portanto, anjo impossível que não esqueço,
Adeja sobre mim quando adormeço,
Conquista-me este sonho e vai-te embora!
Pois tu não sabes que não tenho preço,
Que acordo, me reinvento e te despeço?!
(o meu espanto é lunar, não se demora)
Maria João Brito de Sousa – 20.11.2010 – 18.03h
publicado às 11:28
Maria João Brito de Sousa
Deduções, deduções e deduções…
Se tantas deduções me são pedidas,
Em vez de formular opiniões,
Prefiro não brincar às escondidas!
Pergunto-me; - Porque é que as emoções
Se tornam, tantas vezes, desmedidas,
Mais fortes do que as outras sensações
Das mil e uma coisas pressentidas?
Não me sei responder mas, se soubesse,
Talvez uma resposta desdissesse
O estranho desconforto que me invade…
Cansada de pensar, já não deduzo!
Remeto-me ao silêncio e até recuso
Aceitar descobrir toda a verdade…
Maria João Brito de Sousa – 18.11.2010 – 23.32h
publicado às 12:22
Maria João Brito de Sousa
É tão paradoxal, o que me leva
À estranha gestação dos meus poemas
Que eu nunca sei se deva, ou se não deva
Buscar, no cata-vento, alheios temas…
Se assim, não procurando luz ou treva,
Recebendo, do mundo, tão apenas,
O sopro deste vento que me leva,
Sem premeditações e outros problemas,
Sem ter leme visível, sem que a vela
Se enfune em direcções que eu planeei,
Absorvendo somente o que encontrar,
O poema docilmente se revela,
Porquê forçá-lo, então? Não escreverei
Palavras que outro alguém tente instigar!
Maria João Brito de Sousa – 17.11.2010 – 18.46h
publicado às 12:18
Maria João Brito de Sousa
Quanto o luar me oferece, em dividendos,
Tanto eu irei cantar, durante o dia!
Desconstruída, eu lanço mil remendos
Sobre os rasgões de mim que antes não via…
Renasço em cada flor dos aloendros
Reassumindo, enquanto alegoria,
Os despojos da carne dos meus membros
No dealbar de cada melodia…
É por vezes subtil, esta diferença
Entre o rebelde e a sua submissão
À estranha metafísica da vida
Mas, quem pode dizer que isto é doença?
Pr`a mim é mais um passo, outra incursão
Numa aparência apenas pressentida…
Maria João Brito de Sousa
publicado às 12:03
Maria João Brito de Sousa
Mordo todos os anzóis!
Em todos, não falho um só!
Se fico presa depois?
Pode ser, se tiver “dó”…
Venha mais um! Venham dois
Prender-me sob uma mó!
Caio em todos! [os heróis
mordem, por vezes, o pó…]
Tocam-me num “ponto fraco”
E dá-se a estranha alquimia
Da minha condenação,
Outras vezes, qual macaco,
Mantenho a cabeça fria
E… não cedo à comoção!
Maria João – 12.11.2010 – 19.39h
NOTA - O soneto de ontem à tarde, por qualquer falha técnica que não consigo identificar, não está na pen. Recorri a este sonetilho que já tem
quatro dias e que ainda não tinha sido publicado.
publicado às 15:35
Maria João Brito de Sousa
FORÇA
*
Vem-nos, a força, duma alma crestada
Por átomos solares, ocasionais,
E, às vezes, conseguimos fazer mais
Quando julgámos não poder mais nada…
*
Vem impossível, mais do que adiada
- à luz das consciências mais normais -
Reencher-nos de sonho o velho cais
Da barca eternamente naufragada
*
Virá de onde diríamos não vir
A mais remota sombra de um auxílio;
Improvável, absurda e, no entanto,
*
Vem como se quisesse destruir
As fronteiras reais do nosso exílio
Pra vir morar connosco em qualquer canto.
*
Maria João Brito de Sousa – 13.11.2010 – 13.42h
DO LADO DE CÁ
*
Deste lado, o de cá, está tudo instável!
Se eu abrandar, fazendo o que puder,
Talvez me sinta bem, mais confortável,
Mais pronta pr`a criar e pr`a escrever…
Do outro lado, a dor insuportável
Que nem sequer me deixará escolher
Se lhe mostrar fraqueza incontestável
Ou der quaisquer sinais de me render…
*
Do meu “lado de cá” – alguns não são
Tão esdrúxulos quanto o é este daqui… -
Há sempre algo de mim que, em mim, resiste,
*
Algo que não aceita a submissão,
Algo que, ao dar a volta sobre si,
Se escapa, se ultrapassa e não desiste.
*
Maria João Brito de Sousa – 12.11.2010 – 18.55h
POETA/MENINO
Morreu na convergência dos seus dias.
Ninguém diria dele que houvesse errado,
Que tivesse mentido ou descurado
A concretização das fantasias
*
Lá tinha as suas dores, melancolias,
Mas fora, sobretudo, abençoado
Com um carácter tão determinado
Quanto o dos homens sãos, sem vilanias.
»
Morreu na hora certa, como morrem
As aves, os heróis e as ondas mansas
Que cumprem, neste mundo, o seu destino.
*
Diria; “Fui daqueles que mais descobrem
Os sonhos, por detrás de outras crianças,
Na condição de ser sempre menino…”
*
Maria João Brito de Sousa – 14.11.2010 – 17.01h
publicado às 14:31