Maria João Brito de Sousa
Hoje não há sonetos. Tenho dito!
Passei a tarde inteira a trabalhar,
Dói-me muito a cabeça e acredito
Que ela me vai, decerto, rebentar!
O livro há-de sair. Está bem bonito
E até eu começo a acreditar
Que o esforço vale a pena e foi bendito
Cada instante que nele pude empregar…
Pequenas Utopias… tão pequenas
E tão grandes…[ que eu sei que trabalhei
mais, nelas, do que um escravo nas galés!]
Mas estas, como utópicas melenas,
São as que fiz de mim, que em mim criei,
Como este infindo mar de outras marés…
Mara João Brito de Sousa – 15.08.2010 – 21.41h
Disseram-me, em 2007, que o soneto clássico "já não se usa"...
Ainda hoje me rio disso... dizer que o soneto não se usa é o mesmo que dizer que
H. Bosch, Shakespeare e Mozart não estão "na moda"!
publicado às 14:21
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Enquanto a minha terra se incendeia,
Outro enlutado céu se vai doirando
E, à pressa, se evacua uma outra aldeia
De que se vai o fogo aproximando,
Surge, em mim, de repente, estoutra ideia
E, sem me arrepender, vou escrevinhando
Que, na terra que as chamas vão lavrando
Em mim, é outro o fogo que se ateia
E, sem remorso algum - porque inocente… -,
A pequenina chama dos poemas
Já lavra no meu peito e vou escrevendo…
Não me apodem, contudo, de indiferente!
Apenas vou cantando os meus problemas,
Enquanto a minha terra vai ardendo…
Maria João Brito de Sousa – 12.08.2010 -22.07h
À Zilda Cardoso e ao Artesão Ocioso
que, esta tarde, me fizeram reflectir, mais
longamente, sobre o sentido do conceito de culpabilização.
Ao Verão escaldante da minha pobre terra.
Imagem retirada da internet
publicado às 10:57
Maria João Brito de Sousa
Vem falar-me de ti, faz-me o favor!
Ouviste bem, não estou a “judiar-te”,
Pois olhando-te eu sei, conquistador,
Que seria imprudente não falar-te…
Portanto, conta lá – se és falador… –
Que eu juro nunca ousar contrariar-te!
Fala-me, um pouco só, desse temor
Que posso pressentir, tão só de olhar-te.
Eu sei que este convite inusitado
Te pode parecer disparatado,
Que é provável que tu me não respondas,
Mas, só pr`a não ficar sem dizer nada,
Convido e fico à espera, bem calada,
Que me fales de ti, que te não escondas…
Maria João Brito de Sousa
COSTUMO DIZER, EU :) - Quando era criança pensava que poderia mudar o mundo. Hoje tenho a certeza absoluta que nenhum de nós poderia deixar de o fazer, por muito que tentasse.
publicado às 08:00
Maria João Brito de Sousa
Olhei-te sem te olhar. Tu balançavas
As longas pernas sobre o velho muro
E, contemplando as nuvens, gargalhavas
Enquanto o dia se ia pondo escuro.
Depois veio o trovão, como esperavas,
- porque tu conhecias o futuro! –
E as águas dos céus, que comandavas,
Jorraram sobre ti, de modo impuro…
Assim te vi, assim te descrevi.
Talvez existas num qualquer lugar,
Talvez sejas tão só uma invenção,
Mas, existas ou não, já percebi
Que, a mim, só me interessava mergulhar
Na tua incomparável solidão…
Maria João Brito de Sousa – 10.08.2010 – 23.51h
IMAGEM RETIRADA DA INTERNET
publicado às 11:17
Maria João Brito de Sousa
Não dói só o país… dói-me o planeta!
Dói-me a Terra inteirinha; em baixo, em cima…
Enfoco os pormenores, torno-me esteta,
Como se a Terra fosse uma menina…
Eu, lobo solitário, eu feita asceta,
Profunda como os túneis de uma mina,
Afirmo-me magoada e grito, erecta,
A dor imensa desta absurda sina.
Doem-me os rios, os mares, os continentes…
Dói-me, por toda a parte, o mundo inteiro
E a chuva que em mim cai é como o lodo
Que já não é só água, ó indiferentes!
Vem ácida, cinzenta e tem mau cheiro
A chuva que me banha o corpo todo…
Maria João Brito de Sousa – 10.08.2010 -01.37h
Costumo dizer, eu; "A arte é a única forma de obsessão que é saudável e desejável. Se não for obsessão... tenham paciência; não é Arte!"
publicado às 11:41
Maria João Brito de Sousa
UM BEIJO POR UMA HISTÓRIA
Fecha-me os olhos,” finta-me” a vontade
[ele há lá beijo que ousasse esquecer-me…]
E garante, depois, que foi verdade
O que mais tarde irá acontecer-me.
Não venhas desmentir-me; isto é saudade
Pois se o não fosse… como conhecer-me?
Nestas coisas do sonho, sem maldade,
Que a noite vem, por vezes, conceder-me,
Existe um quase-nada que fascina
E a dúvida, se existe, é dissipada
Por mil estranhos conluios da memória
Pois foi há tanto tempo… era eu menina
E mesmo não sabendo quase nada
Fazia, já, do sonho a minha história…
Maria João Brito de Sousa -08.08.2010 – 18.14h
UM MOMENTO DE PAUSA
Foi nas margens de um lago virtual
Onde, às duas por três, quis descansar
Que encontrei um estranhíssimo animal
Que por ali andava a vaguear…
Não podendo inseri-lo no normal,
Arquivei-o na pasta de “Invulgar”
E, sem que eu lhe fizesse nenhum mal,
Acabou, afinal, por “pôr-se a andar”…
Não se sabe o que pode acontecer
Quando um estranho animal nos desafia,
Desmentindo esse pouco que aprendemos…
Este fugiu de mim, que o queria ver,
Outro talvez pareça que confia…
Mas fujamos daquele que nunca vemos!
Maria João Brito de Sousa –
A DESCOBERTA
Serei sempre essa linha que escreveste.
Desígnios que não sei, me traçam torta,
Mas foi, contudo, a mim que Tu escolheste
No dia em que bateste à minha porta…
Tal qual uma gaivota, uma andorinha,
Traçando, noutros céus, seu rumo certo,
Serei trilho imperfeito em que caminha
Outro povo perdido… e outro deserto.
Inóspito rochedo em parte incerta,
Serei floresta virgem - mas aberta… -
Ao teu olhar sereno e vigilante,
Semente de alvorada que desperta
Que, por Ti, parte, ainda, à descoberta
Dos desígnios da vida, doce Infante!
Maria João Brito de Sousa
publicado às 15:01
Maria João Brito de Sousa
Não fora eu distraída como sou
E não teria rido como ri,
Por isso, antes nem ver como ficou
A blusa transparente que vesti…
Pode ser criancice, mas estou
Ridícula… e não me arrependi
E se houve alguém que viu e não gostou,
Paciência! Só depois é que eu me vi…
Com tanto acto-falhado e tanta asneira
A vida até parece brincadeira
E muito raras vezes me arrependo,
Pois, sabendo aceitar a maluqueira,
Podemos rir-nos sempre, a vida inteira
[assim, amigos meus, se vai vivendo…]
Maria João Brito de Sousa
publicado às 10:47
Maria João Brito de Sousa
Quando um novo horizonte me chamava
Era nas coisas – todas! – que sentia,
Que voava pr`a ele, nele aterrava,
E que, depois, na volta, em mim trazia,
Pois sempre alcancei quanto desejava
E soube que jamais me afastaria
Daquelas – tantas... - coisas que encontrava
Nesse mundo longínquo que antevia.
Aonde quer que os olhos me levassem,
Desse pouco de mim que semeassem,
Brotava, de repente, uma outra ilha…
Meu corpo era fronteira, era embalagem,
E a ilha encantada era a voragem
Que a mim me devorava. Era a partilha.
Maria João Brito de Sousa – 04.08.2010 – 19.05h
publicado às 14:35
Maria João Brito de Sousa
Aquela casa velha que sabia
Todos os tempos de outro verbo “amar”
Era um templo sagrado que se abria
De cada vez que a ia visitar…
Havia um areal que se estendia
Da orla ribeirinha até ao mar,
Que rescendia a vida e maresia
Naquele avo de costa por explorar…
Morava Deus, naquela velha casa
Por obra de um mistério que defino
Como o mais transcendente do meu mundo
Pois despontava-me uma ou outra asa
E renascia em mim um Deus Menino,
Na velha moradia do Dafundo…
Maria João Brito de Sousa
publicado às 08:00
Maria João Brito de Sousa
Fui ver-me em televisão
E não me reconheci;
“- Mas que grande confusão!
Quem será aquela, ali?”
Só a voz me elucidou,
Pois reconheci-me nela,
Porque o resto “levedou”
Como massa na tigela…
Quem poderia jurar
Que aquele “ mostrengo” era eu?
Mas terei de confirmar
Que o discurso, esse, era meu!
Àqueles que já me conhecem
Nem sei como esclarecer
Pois todos eles me merecem
O que agora vou dizer;
Não sei o que se passou,
Nem sequer sei a razão
Porque a minha cara inchou
Como se fosse um balão…
Até rugas me nasceram
Onde agora a pele é lisa!
Que mistérios me trouxeram,
Do tempo, tanta divisa?
Parecia um bicho disforme
E nem queria acreditar
Que aquela mulher enorme
Fosse “eu”, ali, a falar!
Dizem que cinco quilinhos
Podem ser acrescentados,
Mas bem vi que os danadinhos
São cinquenta… e bem pesados!
Maria João Brito de Sousa – [em estado de choque
depois de me ter visto na televisão… 02.08.2010]
publicado às 10:27
Maria João Brito de Sousa
FERRUGEM
Era uma vez um cão, simples rafeiro,
Que foi mais do que um príncipe encantado,
Que foi meu guardião, a tempo inteiro,
Que viveu, dia e noite, a nosso lado.
Um cão de carne e osso, verdadeiro,
Capaz de obedecer sem ser mandado,
Capaz de, abocanhando, ser certeiro
E entregar-me o que fora abocanhado…
Ferrugem, de seu nome, um simples cão
De pelo raso e de porte altaneiro,
Meu conselheiro- o melhor que já tive…-
Dos muitos que me lêem, quais serão
Capazes de entregar-me – sem dinheiro… -,
De forma tão total, quanto em si vive?
Maria João Brito de Sousa – 31.07.2010 – 17.33h
SENHOR DO MEU LUAR
Encontrei-te, senhor do meu luar,
Depois de uma tragédia, sob escombros,
Depois deste naufrágio do meu mar,
Depois desta invenção dos desassombros.
Cerquei-te, meu senhor, do meu cantar,
Tomei as tuas mágoas sobre os ombros
E tudo o que pedi foi um lugar
Que albergasse a razão de tais assombros,
Mas tu, senhor das luas que eu alcanço,
Deixaste, por momentos, que eu esquecesse
Que havia, ainda, espaço pr`a quem sou
E o mesmo naufrágio, num remanso,
Veio chamar-me pr`a que não perdesse
Memória do tal mar que me afogou…
Maria João Brito de Sousa – 30.07.2010 – 20.00h
DEPOIS, SEMPRE DEPOIS...
Se num dia qualquer, sempre depois
Do dia que por nós foi combinado,
Acontecer juntarmo-nos, os dois,
Falando sobre as coisas do passado…
Se a conversa for longa, se sorrirmos
Lembrando o nosso absurdo e “ledo engano”
E se, apesar de tudo, conseguirmos
Que nada disso cause qualquer dano,
Então – e só então – teremos sido
Amigos de verdade e em verdade
Poderemos dizer que sempre o fomos
Por enquanto o melhor é este olvido
E esta ausência total de uma saudade
Enquanto eu nem sequer souber quem somos.
Maria João Brito de Sousa
publicado às 11:26