Maria João Brito de Sousa
Não foi assim tão antigamente...
Foi há cerca de um tempo
Mais duas metades de dois tempos meios.
Uma voz amiga, certamente,
Embora longínqua, perguntou por mim
E eu, tão confusa, não me conhecia...
Sou mulher de um homem,
Respondia.
E a voz insistia:
- Mulher, quem és tu?
- Sou a mãe de um filho que não mora cá
E de três meninas que me querem muito,
Apesar da culpa, apesar de tudo...
E a voz repetia:
- Mulher, quem és tu?
E eu iria jurar que não mentia
quando respondia:
- Eu sou essa mãe, apesar do luto!
A voz não cedia quando perguntava
Do Espaço, do Tempo e outras coordenadas:
- Ó mãe dos teus filhos, diz-me quem és tu!
Onde moram as tuas horas carnais?
Onde guardas o corpo quando sais
E voas em busca do filho perdido?
Que fazem essas tuas mãos?
Que estrelas tão negras trazes no olhar?
Que morte tão estranha te veio buscar
E esqueceu teu corpo entre os teus irmãos?
E eu respondia
Sem me aperceber
Que me descrevia sem me conhecer:
- Sou a mulher do meu homem
E a mãe das minhas crias!
Procuro o que se perdeu, o que morreu mal nasceu
E não alcanço encontrar...
Mas a voz não se calava no seu calmo perguntar:
- Mulher, que é fe ito de ti?
Só a ti tens de encontrar!
Então procurei-me em mim
E vi que não estava lá...
Procurei-me em todo o mundo,
Do abismo mais profundo à montanha mais escarpada,
Fui ao Nilo, fui ao Ganges,
Procurei-me em cada ventre
Das grutas mais ignoradas...
Devo ter percorrido o universo inteiro
Quando, de repente,
Encontrei um corpo que me não era alheio
E uma alma ardente
Onde cabia, exactamente,
A chama tão acesa do meu peito!
E juro
Que foi a primeira vez,
Em toda a minha vida,
Que aceitei a minha imagem denegrida,
Que me não importei de não ser entendida
E me orgulhei da estranha condição
De ser UMA MULHER INTERROMPIDA!
.
Poema convictamente reeditado para http://fabricadehistorias.blogs.sapo.pt/
Imagem - O Nascimento de Vénus - Boticelli
publicado às 16:35
Maria João Brito de Sousa
Talvez nas ilusões deste hemisfério
A lua seja toda em Camembert,
Eu seja um mineral quando quiser
E o meu Ego o centro deste império…
Talvez seja exequível não sonhar
Com esta humana essência em desatino
E talvez, no futuro, o meu destino
Seja aquele que uma fada me apontar…
Talvez seja “talvez” todos os dias
E nem por um momento haja certezas,
Razões pr`a caminhar ou convicções…
Talvez das ilusórias ironias
Surja um castelo cheio de princesas
Guardadas por maléficos dragões…
publicado às 11:32
Maria João Brito de Sousa
São dias de ir ao banho e pôr os laços
Os tais dias de feiras e mercados,
Em que homens e mulheres, engalanados,
Irão vender o fruto dos seus braços…
Já se trocam batatas por nabiças
E há beijos mordidos pelos cantos…
[no meio da balbúrdia caem mantos
às cachopas que vendem hortaliças…]
São os dias de Feira nas aldeias.
O mulherio esforçado só se anima
Quando o coreto arrosta em sinfonias
Com os pregões acesos nessas veias.
À tardinha o poeta acende a rima
E afogam-se, no vinho, as “valentias”…
publicado às 16:05
Maria João Brito de Sousa
Agora que os milénios se passaram
Sobre as glórias do império de uma infância
Recordo, debruçada na distância,
O muito que esses tempos me ensinaram.
O tanto que então lia e pesquisava,
As construções das cores e dos grafismos
E a dissecação dos silogismos
Em que uma maioria acreditava…
As coisas que aprendi, as que sonhei,
As que nunca pensei `inda aprender
E os sonhos construídos na vontade…
Hoje procuro ainda o que não sei
Nos mais fundos recantos do meu ser
Onde alcanço encontrar cada verdade.
Maria João Brito de Sousa - 09.03.2010
publicado às 12:00
Maria João Brito de Sousa
CONVITE - Entretanto, vamos dançando o tango no
http://www.avspe.eti.br/eventos/eventota ngo/lista.htm
Quase todos os homens têm
Uma morada por detrás de um espelho.
Nem todos se aventuram
A pernoitar nela,
Mas todos a construíram
Com maior ou menor
Grau de esforço e consciência.
Quando a tormenta
Abala a morada visível,
A maioria refugia-se
Na casa que o espelho protege
Embora
Em quase todos os casos
O espelho reflicta a própria tormenta…
Noutros, porém, a tormenta
Nunca chega a atingir
A superfície de quase todos os homens
Que se aventuraram a reflectir.
Poema reeditado para http://fabricadehistorias.blogs.sapo.pt/
publicado às 15:23
Maria João Brito de Sousa
PEQUENA INTRODUÇÃO - O post de hoje nada tem a ver com os padrões a que eu ,religiosamente, venho tentando submeter este blog sobre soneto clássico. É claro que os sonetos vão estar cá, mas foram escritos apenas numa perspectiva de "noblesse oblige"... quando comecei a escrever o primeiro a única coisa que me apetecia fazer era jogar um joguinho de xadrez com o 2008, o computador... depois achei imensa graça ao primeiro e nasceu-me um segundo, mas eu não me conseguia esquecer das "tareias" que o 2008 me tinha dado sempre que eu tentara mostrar-lhe que trinta anos sem jogar me não haviam transformado na perfeita atrasadinha mental que ele insistia em transformar-me ao vencer-me tantas vezes... e consegui! Ontem à noite resolvi "roubar" um tempinho às minhas tarefas rotineiras - que são muitíssimas, por estranho que possa parecer a alguns de vós - e, em cerca de meia hora, dei xeque-mate ao 2008!
Façam favor de comemorar comigo! Agora já não me considero assim tão estúpida!
Noblesse oblige e eu … voilá , cá estou!
Não sei o que dizer, do que falar,
Mas este desafio de poetar
É o que faz de mim tudo o que sou…
Noblesse oblige e eu… cumpro o que digo,
Pois doa o que doer, eu tentarei…
É tão só um soneto o que farei
Na perfeição da métrica que sigo.
E uma atrás da outra – quantas letras! –
Lá vão nascendo os versos do costume
Na estranha dimensão da coisa-alada …
É esta a tal magia dos poetas;
Cozinhar versos nesse brando lume
Onde ninguém cozinharia nada…
II
Vou escrevendo um soneto “porque eu quero ”
Onde quis Deus deixar que eu descansasse…
Ficasse eu indiferente ou não gostasse,
Tanto a Deus lhe daria… e agora espero.
Espero que surja alguma coisa nova,
Que algo me surpreenda de repente…
Mas esta obediência é aparente
E o que aqui vai nascendo, a sua prova…
Por não ser nada fácil poetar
Sem essa inspiração que vem do alto,
Sobre essa insuspeição que Deus me exige,
Nasceu-me este soneto bipolar …
Senhoras e senhores, este é o salto
Que me obriga a dizer; noblesse oblige !
IMAGEM RETIRADA DA INTERNET
CONVITE - Entretanto, vamos dançando o tango no http://www.avspe.eti.br/eventos/eventota ngo/lista.htm
publicado às 11:28
Maria João Brito de Sousa
Um tango… só o posso conceber
Num contexto profundo e passional,
Temperado de emoção quase irreal
Na descontinuidade do meu ser…
Entre beijos – ou ódios e traições? –
Num abraço que excede a sua essência,
Desdobra-se esse tango à transparência
Dos rostos despojados de emoções.
Revela-se um desejo imponderável
Na lâmina de um gesto tão preciso
Que ultrapassando a música se estende
Por corpo e alma de onde, inconfessável,
Desabrocha, por fim, esse sorriso
Que, amargo e doce, o tango reacende…
Maria João Brito de Sousa - 03.03.2010 -11.39h
IMAGEM RETIRADA DA INTERNET
Soneto feito para http://www.avspe.eti.br/eventos/eventotango/lista.htm
publicado às 11:39
Maria João Brito de Sousa
Poetas pedem palmas quando morrem.
Pedem palmas e flores por ter vivido
Mesmo que nunca tenham conseguido
Ganhar, na terra, o pão que os outros comem.
Mil coisas comoventes nos ocorrem
Quando parte um poeta conhecido
E, ainda que ninguém o tenha ouvido,
Os versos ficarão p`ra que o não chorem…
Poetas pedem palmas na partida,
Pedem sorrisos e pedem poemas,
Pedem, serena, a paz de outra alegria.
Por isso é que eles passaram pela vida
Sobrevivendo sempre aos seus problemas
Mesmo em faltando o pão de cada dia.
IMAGEM DE TELA DE JUAN MIRÓ RETIRADA DA INTERNET
publicado às 14:25
Maria João Brito de Sousa
AMOR TAMBÉM É
Amor é também este latejar
Das asas invisíveis do meu peito,
Das asas de cristal com que me enfeito
Quando faço um poema e sei voar.
É também este estar sem nunca estar
E esta aspiração ao Ser Perfeito,
Quando a noitinha vem, quando me deito
Debaixo das cobertas do luar.
E tudo quanto vive e me rodeia
Se vem deitar comigo e, num abraço,
Nos recomeça o sono e viajamos.
Todos os rituais desta alcateia
São feitos desse amor, como se um laço
Unisse árvore mãe aos filhos ramos.
A TEORIA
Já vos contei das almas pequeninas
Que há por detrás de cada ser vivente?
Já vos falei do que é mais transcendente
No vislumbrar das almas clandestinas?
A vós que acrescentais obras divinas
A tudo o que acontece e, de repente,
Esqueceis o que, no fundo, é mais urgente
Por ser inseparável destas rimas,
Vou contar um segredo tão secreto
Que é bem possível que me não escuteis,
Que penseis que tudo isto é fantasia…
Mas faz parte do mundo, é bem concreto
E existe para além do que entendeis
Embora o apodeis de “teoria”…
OUTRAS ENXADAS...
A insinuação vem de mansinho
Sob um anonimato relativo…
É com os seus disfarces que convivo
Ao longo desta estrada em que caminho.
Sei bem quando ela vem porque a conheço,
Porque sei bem daquilo que é capaz,
Sei que mesmo fingindo vir em paz
Traz consigo traições que não mereço…
Talvez a minha enxada – a minha escrita –
Não escave, como a grande maioria,
O alimento ou mesmo a construção…
Talvez não seja óbvio o que suscita,
Mas escava as fundações da Poesia,
Tal como as outras vão cavando o pão.
publicado às 11:51