Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores.
...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
NOTA - Peço desculpa por esta anarquia gráfica que não consigo remediar de forma nenhuma... acho que a minha pen se incompatibilizou de vez com o 2008... hoje nem sequer consegui copiar os sonetos do fim de semana e tive de usar alguns que eu penso (?) ainda não ter publicado e que estavam, por acaso, na dita pen...
Peço desculpa a todos os que não consegui contactar nestes últimos dias, quer por email, quer por visita e comentário. O tempo é escasso e muitos dos emails vieram devolvidos...
mas fica a intenção! Um enorme abraço para todos vós, em todo o mundo!
- A nossa amiga Maria Luísa, do http://prosa-poetica.blogs.sapo.pt/, encontra-se doente, com dores na coluna, e não poderá estar entre nós durante algum tempo. Pediu-me que vos avisasse a todos e vos transmitisse os seus votos de um muito FELIZ NATAL!
Era um amor platónico, pensava ele. Fez um tremendo esforço para entreabrir os olhos, já baços, que uma guinada mais forte o obrigara a cerrar. Era imenso, insustentável, mas sempre fora um amor platónico. Nunca soubera amar assim outra qualquer.
A vida, inteira, passava-lhe diante dos olhos como um filme muito, muito antigo… ela andava sempre de calças e sorria muito. Ele sentava-se a seu lado, no sofá de napa, vigiando-lhe o sono, sempre que ela ficava, madrugada afora, à espera do marido invariavelmente afadigado em lides político-partidárias. Nunca gostara muito dele. Considerava-o um tanto ou quanto negligente no cumprimento dos seus deveres de macho protector, mas nunca lhe passara pela cabeça senti-lo como rival. Era, efectivamente, um amor insustentavelmente platónico.
Uma dor excruciante fê-lo cerrar, novamente, os olhos amendoados, cor de mel. Gemeu baixinho.
Nunca se revoltara contra a ordem natural das coisas e sabia que o fim estava a chegar. Intuía-o por ali, muito pertinho, rondando o seu corpo velho e imprestável, mas qualquer coisa o prendia ainda ao lado de cá da vida.
A imagem dela surgiu, novamente, no derradeiro filme que o seu cérebro projectava, estranhamente alheio à sua vontade… ela sorridente. Ela a cantar, na cozinha, nas mil e uma lides de dona de casa. Ela ainda menina. Ela ainda a necessitar de protecção. Como poderia partir e deixá-la assim, ingénua, indefesa?
Abriu, ainda uma vez, os olhos. Ela estava ali, diante dele, estranhamente vestida de vermelho. Um vestido longo e decotado que lhe pareceu absurdamente desligado dela. E não sorria. Adivinhou-lhe mesmo duas lágrimas rolando pela face, em câmara lenta. Viu-a baixar-se, descendo em direcção a ele e sentiu que o acariciava longamente.
Faltava, ainda, qualquer coisa realmente indefinível para que pudesse partir. Fixou nela os tais olhos de mel onde a última centelha de vida recusava extinguir-se. Sempre entendera as palavras que ela lhe dirigia naquela outra língua modulada em curtíssimos sons cantantes, embora todos troçassem dos longos monólogos que a mulher costumava dirigir-lhe.
Foi então que ela falou:
- Se é por mim… se é por mim que ainda vives, apesar de tanta dor…
Ele bebia-lhe sofregamente as palavras embargadas por soluços.
- Se é por mim, - continuava ela com uma voz que parecia mais e mais distante - não sofras mais. Vai. Liberta-te. Continuarás comigo para além da morte.
Ele tentou ainda emitir um latido em sinal de compreensão, como sempre fizera. Não o conseguiu.
A vida foi-se-lhe apagando suavemente como a imagem da sua amiga. Da sua amiga súbita e estranhamente adulta. Súbita e estranhamente vestida de vermelho.