Maria João Brito de Sousa
ORIGENS
Dêem-me verde e sol e água e ar!
Dêem-me as formas mais desconcertantes,
Os ínfimos vazios, locais distantes,
E tudo enfrentarei sem me negar!
Dêem-me a liberdade aleatória
Ou a prisão mais negra e improvável
E eu sempre seguirei, embora instável,
Contando a minha inacabada história!
Não vos negueis à força que em mim trago!
Mesmo que me sondeis, de modo vago,
Eternamente estranha vos serei…
Procurai, no entanto, eternamente
Porque eu estarei em vós, sempre presente,
Na força e na fraqueza que vos dei!
Maria João Brito de Sousa - 2009
VIDA
Sou pólen e suor de brancas flores
E frágil, mas possuo imensa força;
Haverá quem me quebre e não quem torça
O caule que me eleva aos meus amores.
Trago em mim e comigo essa vontade
Que não encontra nunca a explicação
E entrego a minha vida, de caução
A quem souber amar-me de verdade.
Quem sou, se nem quem escreve sabe quem?
Consolai-vos, senhores, não sou ninguém...
(ou sou, mas não vos conto o meu segredo!)
Serei, talvez, uma invenção de alguém
Ou, do sopro da vida, a própria mãe,
Mas não vos farei mal. Não tenhais medo...
Maria João Brito de Sousa - 2009
MORTE
Eu sou a Morte. Sou uma passagem
Difícil para vós, eu sei-o bem,
Mas tenho uma função; sou quem detém
O segredo final desta viagem.
Só de mim nasce a Vida, essa voragem
Que agora existe em vós e que contém
Outra razão secreta; o que lá vem
Sempre que, em mim, se alcance essa paragem.
Sem mim nada haveria neste mundo,
Nada seria verde nem fecundo,
Só fogo rasgaria a escuridão,
Nem o Espaço e o Tempo existiriam
E os próprios cometas só seriam
Um grito a povoar a imensidão.
Maria João Brito de Sousa - 2009
publicado às 14:11
Maria João Brito de Sousa
- Vou contar-te uma coisa! Esta partilha
Daquilo que em nós vamos descobrindo,
É o que, em nós, existe de mais lindo!
Mais do que aprenderemos na Cartilha!
- Um segredo que é nosso? Eu quero ouvi-lo!
Quero ir além de mim, saber bem mais,
Entendê-lo, guardá-lo entre os demais
Para multiplicá-lo e dividi-lo!
- É esta coisa nova e tão dif`rente
Das coisas que nos passam pelos dedos,
Do que vamos tocando e toca em nós…
- Também tu descobriste, finalmente,
O som que se modula em mil segredos
Que é a livre expressão da nossa voz!
Poetado para http://fabricadehistorias.blogs.sapo.pt/ :)
publicado às 13:58
Maria João Brito de Sousa
DÚVIDA METÓDICA
*
E se, depois, houvesse um não-sei-quê
Por dentro de outra vaga imaculada?
E se, em lugar de tudo, houvesse um nada
Reflectindo o olhar de quem o vê?
*
E se, em cada ilusão, outra ilusão
Fosse somando, até ao infinito,
Aquilo que tomámos por já escrito
E a que nunca sabemos dizer: - Não!
*
E se as certezas só forem certezas
Se nós acreditarmos ser assim?
E se, afinal, não for… como será?
*
Se, sorrindo, se fala de tristezas
E, chorando, se colhe o alecrim…
Aonde é que o poema acabará?
*
Maria João Brito de Sousa - 26.11.2009 - 14.04h
Nota - Soneto ligeiramente reformulado a 11.10.2015
Imagem retirada da internet
publicado às 14:04
Maria João Brito de Sousa
Um castelo de nadas, feito á pressa,
Um bocejo a calar o que se diz,
A comichão na ponta do nariz,
Eis a noite de sono que começa…
Uma breve oração, uma promessa
De tentar ir além, ser mais feliz,
Um não-ligar ao que em nós contradiz
O que se foi juntando, peça a peça…
Um sonho, um nada em forma de castelo
A pairar sobre mim que estou a vê-lo
Como se construído além-vontade…
Ali, aonde um nada se faz tudo,
Aonde morro e, lúcida, me iludo
Em aproximações de eternidade…
Imagem retirada da internet
publicado às 17:10
Maria João Brito de Sousa
Repara; eu sonho sonhos! Tu nem sonhas
Quantos mil sonhos há para sonhar!
Tenho asas, meu amor, sou de luar,
Aspiro a primaveras mais risonhas!
Se acaso me perder nas madrugadas,
Se este céu me fugir, se me esquecer
Das mil coisas que, então, quero fazer
Ao longo das manhãs imaculadas,
Terei talvez errado o meu caminho
Mas nunca aceitarei ter estado errada
No que tão loucamente procurei...
Percorri céu e mar buscando um ninho,
Semeei mil palavras sem ter nada
Senão estas mãos cheias do que dei!
Imagem retirada da internet
publicado às 16:13
Maria João Brito de Sousa
O CONCEITO DO DIVINO
Se, em mim, és tão diferente do descrito,
Se assim te vejo, sinto e reconheço,
Se o meu amor por ti nunca tem preço
E se és, Tu mesmo, aquilo em que acredito,
Se nada nem ninguém mo tiver dito
- se, mesmo sendo imposto, o desconheço –
Por que razão fingir que aceito e peço
Um conceito geral do que é bendito?
Se me nasceste assim, naturalmente,
De forma tão completa, humana, urgente,
Como se eu fora em ti e tu em mim,
Então, p`ra sempre, assim te aceitarei
E, enquanto for assim, em ti estarei
Depois do que aqui escrevo, até ao fim!
A ESTRADA
Umas vezes corremos pela estrada,
Outras vezes suamos como velhos
Com correntes atadas aos artelhos
Numa exaustão total, antecipada…
Nada nos prende a ela. Mesmo nada!
E, no entanto, mesmo de joelhos,
Avançamos correndo e outros conselhos
Não nos podem travar a caminhada…
A estrada em toda a parte se descobre,
Se inventa, se recria ou acontece…
É uma condição de estarmos vivos.
É a vida que, em suma, se percorre,
Que aqui nos justifica e enaltece,
Mas que, afinal, por cá nos tem cativos.
AS CAUSAS PEQUENINAS
Sou guardiã das causas pequeninas…
Um ninho, uma erva-moira, um cão doente,
Tornam-se-me sagradas, de repente,
E passam, num instantinho, a ser divinas…
Um pássaro a voar, essas meninas
Que brincam na calçada, este inocente
Que me olha tão serena e docemente
Como se eu florescesse entre boninas,
O sol que vem espreitar estas palmeiras,
Um gato que miou, estas floreiras
Onde crescem as flores que daqui vejo,
O verde dos canteiros, pintalgado,
Pelo vermelho-inverno antecipado…
É esta a causa viva que eu protejo!
"Essência" - Maria João Brito de Sousa
publicado às 15:16
Maria João Brito de Sousa
Neste Conto de Fadas, divertido,
Fugindo dos enredos costumeiros,
Os tesouros são ramos de pinheiros
E o Príncipe Encantado é um... bandido!
Não há vestidos longos, vaporosos,
Nem sapatinhos "sexi", de cristal...
Só a Fada Madrinha é mais normal
E gosta de ficar entre os bondosos.
Aconteceu há muitos, muitos anos,
Mas foi como se fosse agora mesmo
Que a Princesa tivesse desmaiado
E os ramos de pinheiro, quais abanos,
Sacudiram-na tanto e tão a esmo
Que afastaram o Príncipe Encantado...
II
Surge a Fada Madrinha, convencida
De que a pobre Princesa era infeliz
E dá-lhe um piparote no nariz
Deixando a pobrezinha adormecida...
Logo os pinheiros vêm, de mansinho,
Explicar à Fada bem intencionada
Que, muito embora boa, estava errada,
E a Princesa só queria era carinho...
Então cumpre-se o tal sereno encanto
E a Princesa-Poeta acorda então
No verde pinheiral, entre cadernos!
Na mão, o lápis que ela queria tanto...
Ficamos todos em contemplação,
Sentindo que, afinal, somos eternos!
Acabadinho de poetar para http://fabricadehistorias.blogs.sapo.pt/
Imagem retirada da internet
PS - Agora parece-me que sou eu que tenho pertinentes dúvidas em relação à aceitação geral deste Conto de Fadas...
publicado às 11:42
Maria João Brito de Sousa
Há mil células vivas que procuram,
A cada instante, formas de expressão,
Que alcançam obras-primas da excepção
Onde as demais se vergam e se curam.
Mil células abrindo o seu caminho
Além dos passos que já foram dados,
Além dos planos que estavam traçados,
Na absurda construção de um novo ninho.
E mil milhões de células, teimosas,
Cuja vontade `inda ninguém conhece,
Desprezando a prudência e o bom senso,
Persistem na tarefa, ambiciosas,
Muito além da razão, além da prece,
Muito além do que sinto e do que penso…
Imagem retirada da internet
publicado às 12:18
Maria João Brito de Sousa
E se fosse depois – e só depois!
Que o hálito do tempo me marcasse,
Que viesse oscular a minha face
Em carícias iguais às de nós dois?
Se ele viesse depois, como os heróis,
E mansa, mansamente me beijasse?
E se eu, feita princesa, despertasse
Para a luz de outras luas, de outros sóis?
Se fosse só depois, talvez a sorte
Nos desse outra saída, outro caminho,
Talvez fosse diferente… ou talvez não…
Não há razão para eu pedir à morte
A mudança de rumo e tu, sozinho,
Talvez sejas feliz, meu estranho-irmão…
Imagem de tela de René Magritte
retirada da internet
publicado às 17:32
Maria João Brito de Sousa
Se eu cresci a saber que duvidar
É a mais produtiva ferramenta
- embora dê trabalho e seja lenta… -
Porque me falas tu de acreditar
Como se fosse a forma de criar
Que tudo vai gerar, tudo sustenta?
A dúvida é um bem que me acalenta,
Que me ensinou a arte de voar…
Sem dúvida que a dúvida é, por vezes,
O ponto de partida de uma fuga,
Mas gera, para nós, sabedoria…
Duvidei tanto, ao longo destes meses,
Que vi acrescentada, em cada ruga,
A lavra do que eu não compreendia…
"The suicide of the pink whale and the dove I borrowed from Magritte" - Maria João Brito de Sousa
publicado às 16:42
Maria João Brito de Sousa
Porque umas vezes “sim” e outras “não”,
E, às vezes, nem nós mesmos percebemos
Porque razão aquilo que fazemos
Parece mesmo ser contradição…
Porque, umas vezes, loucos de paixão…
[E bem depressa nós compreendemos
Ser mais um erro que então cometemos
E voltamos a nós e à razão…]
Porque, outras vezes, frios e racionais,
Passamos, num instante, ao desatino
E não sabemos mais o que fazer,
Nós, meros e comuns anjos mortais,
Acreditando, enfim, no tal destino
E deixando outro acaso acontecer…
Imagem - "Mulher em Molho de Luar"
Maria joão Brito de Sousa
publicado às 15:00
Maria João Brito de Sousa
O poema é teimoso! Tão teimoso
Que mais parece pura insurreição!
Gira em torno de nós, domina a mão
Que elege pr´ó tornar belo e famoso.
Surge num improviso e, cauteloso,
Impõe-nos a vontade e a condição
De o tornarmos um hino, uma canção
Que nos conquiste e possa dar-nos gozo.
É uma criatura imprevisível;
Ora nos faz sorrir, ora chorar,
Usando mil palavras semelhantes…
Torna-se mais e mais irresistível,
Faz impossíveis pr`a nos conquistar
E afasta-nos de acções mais importantes…
CONVITE - Na próxima sexta feira dia 13 de Novembro, às 14h 30m , vou estar no edíficio da Cruz Vermelha Portuguesa da Parede a dar o meu melhor por uma palestra sobre "soneto formalmente clássico". Porquê "formalmente" e não apenas "clássico"? Bom, isso eu vou fazer o possível por tentar explicar durante a palestra...
Todos os leitores do Poetaporkedeusker estão convidados!
CRUZ VERMELHA PORTUGUESA
Delegação Costa do Estoril
Rua Vasco da Gama, 243
2775 Parede
publicado às 12:07