Maria João Brito de Sousa
E eram estas mãos que mo pediam!
As mesmas mãos que um dia tanto deram,
As mesmissímas mãos que me perderam
E agora, envelhecidas, me doíam...
As mesmas mãos que à terra me prendiam
E que agarrada à vida me tiveram,
As mesmas mãos que me sobreviveram
E que agora, de mim, se despediam.
Mas são ainda mãos! Humanas mãos,
Benditas pela entrega tão total
Dessoutros mesmos dons que Deus lhes deu.
São elas que vos tocam, meus irmãos...
as mesmas que, não querendo fazer mal,
Vos falam do que nunca aconteceu.
Imagem retirada da internet
publicado às 11:36
Maria João Brito de Sousa
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Sobressinto esta dor de ser quem sou
E sei-me derramada nas planuras,
Em castelos imensos , nas alturas…
Água que intenso frio já congelou!
Um iceberg cujo topo perfurou
Um céu que se perdeu noutras lonjuras,
Um bloco inerte e cheio de fissuras
Que o sol não derreteu nem cativou…
Sobre-sinto este frio que transformou
Em gelo este meu corpo e, das funduras
Que esta montanha imensa contemplou,
Eu sobre-sinto em gelo o que passou…
Sou, como tantas outras criaturas,
Produto do que Deus pr`a mim sonhou.
Imagem retirada da internet
publicado às 16:04
Maria João Brito de Sousa
Um castelo de nadas, feito á pressa,
Um bocejo a calar o que se diz,
A comichão na ponta do nariz,
Eis a noite de sono que começa…
Uma breve oração, uma promessa
De tentar ir além, ser mais feliz,
Um não-ligar ao que em nós contradiz
O que se foi juntando, peça a peça…
Um sonho, um nada em forma de castelo
A pairar sobre mim que estou a vê-lo
Como se construído além-vontade…
Ali, aonde um nada se faz tudo,
Aonde morro e, lúcida, me iludo
Em aproximações de eternidade…
Foto de Marco Atraca, retirada da internet
publicado às 11:42
Maria João Brito de Sousa
Assim transformo a prosa em poesia
E transmuto a palavra em verso e rima
Devolvendo aos meus sonhos de menina
A sedução do sonho e da alquimia.
Depois retorno ao mundo. Que ironia,
Saber-me assim tão velha e pequenina
E descobrir em tudo o que me anima
Uma incessante e nova melodia!
Transposta esta alquimia e desvendado
O mistério das horas improváveis
Do dealbar de todas as manhãs,
Ouve-me, irmão que me olhas encantado;
Sou senhora das rimas incansáveis,
Mas serva das promessas menos vãs...
Maria João Brito de Sousa - 28.07.2009
publicado às 11:02
Maria João Brito de Sousa
Nem eu sei, nem tu sabes, nem sequer
O sabe quem ousou pensar sabê-lo…
Nunca existiu resposta pr`ó apelo
Que em nós traça o caminho que quiser.
É cada vez mais forte e, se puder,
Sem que alguém o entenda ou possa vê-lo,
Embora nada exista a defendê-lo,
Ele há-de sempre em nós prevalecer.
Esse apelo da vida pela Vida,
O sonho inexplicado-inexplicável
Que a nossa humana essência definiu,
Símbolo da maçã que foi mordida,
Perfeita insurreição da alma instável
Que um dia, por Acaso, em nós surgiu…
publicado às 13:50
Maria João Brito de Sousa
Sob um sol que me aquece e me ilumina,
Redobro a fértil flora dos sentidos
E é de pétalas que teço os meus vestidos
Que mudam consoante esteja o clima…
Depois, morrendo a luz que vem de cima,
Vergam-se os verdes caules, já rendidos,
Desistentes, talvez comprometidos
Pela luz de um luar que se aproxima
E devolvendo ao dia o seu calor,
Contemplo a Lua sob o céu estrelado,
Mergulho no luar e vou deitar-me,
Pois Sol e Lua…nem sei qual melhor...
Se ambos me trazem presa ao seu reinado,
E ambos reluzem só pr`a cativar-me...
Maria João Brito de Sousa - 24.07.2009
Imagem retirada da internet
NOTA - Soneto ligeiramente reformulado a 16.08.2015
publicado às 15:01
Maria João Brito de Sousa
Eu queria… eu queria tanto ser, da Lua,
Pequeno coração a palpitar,
Alimentado a raios de luar
Na representação de uma alma nua…
Eu fui, eu fui, do Sol, o raio ardente
A brilhar sobre o planeta inteiro,
Sereno, flamejante e verdadeiro
No derramar da Luz pujante e quente.
Também já fui montanha e gelo e fogo,
Raiz de lírio branco e de embondeiro,
Guelra de peixe e ovo pecador…
Serei um dia ideograma ou “logo”
De tudo o que já fui… “Eu” derradeiro,
De essência transmutada em puro amor.
NOTA - A foto é especialmente dedicada ao meu amigo Fisga, do Planeta-Sol. Já tem umas semaninhas, mas eu estou com um problema de iagem para o qual não consegui - ainda! - arranjar solução...
publicado às 14:30
Maria João Brito de Sousa
Via-se, sem se ver, sem se cuidar,
Paradigma de um espírito qualquer,
Acreditava ter em seu poder
A réstia da razão por apurar.
Traçou caminhos, ousou mergulhar,
Nunca, jamais, cuidou de se esconder
E fez tudo o que quis… sem o fazer
Pois tudo o que podia era sonhar…
Mas foi dono e senhor e transcendeu
Na Terra a condição do sonho seu
Resolvendo, afinal, o seu enigma.
[Não sei bem se foi cá, se foi no céu
Que o Poeta, em si mesmo, aconteceu
E se tornou, por fim, um paradigma.]
"Tête de Cheval" - Pablo Picasso
Imagem retirada da internet
publicado às 10:36
Maria João Brito de Sousa
Já vi, nos olhos deles, a solidão
- na lágrima um poema a marinar… - .
Já vi, nos olhos deles, aquele pesar
De quem, no fundo, quer pedir perdão.
Apontei o olhar na direcção
De outros olhos dif`rentes no pensar,
Vi lágrimas em vez daquele olhar
Que os olhos que são deles tinham, então.
Já vi, nos olhos deles, o brilho imenso
De quem ousa sonhar, ir mais além,
De quem já exp`rimentou, um dia, a morte.
Nos olhos deles vi tudo o que não penso,
Vi tudo o que pensei e vi também
Que os meus partilham sempre a mesma sorte.
publicado às 13:40
Maria João Brito de Sousa
Revejo-te nos olhos de ninguém.
Das saudades, se existem, nem memória…
Terás, decerto, criado outra história
E eu, sozinha em mim, vivo-a também.
Sobrevivi à morte e fui além.
Passados uns anitos de vã glória
Por cômputo final, tenho a vitória
E a certeza de, agora, ser alguém.
Eu meço a vida noutros decibéis!
Sou a cópia de Pã com sua flauta
Numa floresta-mãe por inventar.
Desvendo os meus mistérios em papéis,
Dispenso os improvisos de outra pauta,
E vivo do que só eu sei criar…
publicado às 11:46
Maria João Brito de Sousa
Encontro um paraíso em cada esquina
Das horas que flutuam indolentes,
Esqueço as que já passaram, que, doentes,
Me acompanharam desde pequenina.
É nesta condição quase divina
Que eu encaro as manhãs e os poentes,
Que me julgo mais crente do que os crentes,
Que, mesmo estando velha, eu sou menina...
Abro as asas à beira da cratera,
Sorrio e, apesar de condenada,
Derramo o corpo inteiro e voo enfim...
Não sei bem se voei... mas quem me dera...
Nesta esquina das horas, não sei nada,
Nem sequer sei o que há-de ser de mim...
Tela de Maria Helena Vieira da Silva
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publicado às 14:20
Maria João Brito de Sousa
Tal como a fera hirsuta, na voragem
Da candura das horas por nascer,
Assim surge o poema, a transcender
O ingénuo simbolismo da paisagem.
Erguendo-se, inicia uma viagem
No caminho que está por percorrer
Exactamente aonde fez crescer
O vulto então criado à sua imagem.
Nem sempre é mansa a forma que ali nasce…
De repente, improvável, cresce e faz-se
Muito maior do que o que a concebeu;
Outras, mesmo pequena, ela é, contudo,
Agressiva de forma e conteúdo
E luminosa… ou escura como breu!
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publicado às 11:48