Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores.
...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
Há dias, - tantos dias... - em que os dedos se me contorcem em torno de inexistentes canetas e eu fico num confronto desigual com a dor física que vai mordendo, insistentemente, o anestesiado manto em que me envolvo.
Nesses dias, - quase todos, quase sempre - retomo o sorriso de Maria-Sem-Camisa e nascem-me sonetos com a sonoridade das gargalhadas e do canto. As mãos, mesmo tolhidas, recusam a imobilidade imposta pela dor e procuram, tacteiam em torno de qualquer coisa que escreva. Qualquer coisa onde escrever. Nem sempre visíveis, porque inevitavelmente dispersos, os objectos acabam por me encontrar, quase sempre no limite do verso que nasce.
Dentro desses momentos há, sempre, outros momentos em que outras urgências se antecipam à minha própria urgência. Um dos gatos vomita. A cadela arranha a porta da rua num evidente apelo a um breve passeio, o cheiro a arroz queimado recorda-me o jantar dos cães, que estava ao lume...
São dias como outros quaisquer. Porque todos os dias são dias de dedos contorcidos sobre si, de teimosa ignorância da dor física, de sonetos que querem nascer, de gatos que vomitam, de cadelas e cães que necessitam e ir à rua e alimentar-se.
Todos os dias são, também, dias de pombos que necessitam de ser alimentados, de gaiolas-transportadoras a limpar e desinfectar, de bebedouros que têm de ser lavados e enchidos da preciosa água da torneira.
Nem todos os dias, porém, são dias de eleições nos U.S.A. e nem todos os dias vemos um jovem negro de ideias arejadas tomar as rédeas do poder no "so called" Novo Mundo.
Também nem todos os dias se recebe um email de alguém que não vemos há anos e nos diz : "obrigada por quase tudo... ". Aí, os dedos, mesmo doridos, contorcidos em torno de inexistentes canetas, esquecem-se por minutos das suas limitações. Afinal nem todos os filhos têm muito que agradecer às mães. Mesmo com o "quase".