Maria João Brito de Sousa
A DANÇA...
Serei escrava da própria liberdade
Neste luxo de ser o que eu puder:
Poeta, pedra, lua... até mulher...
Se aspiro é à essência da Verdade!
Serei criança, sempre e sem saudade,
Serei poema e sonho onde el`estiver,
Serei pr`além de mim, sempre que houver
Alguém que saiba o que é uma amizade...
Cada átomo de mim repercurtindo
Nas coisas que aqui há e vão sentindo
Este meu partilhar que se não cansa!
Consigo "ser" até no que passou!
Das coisas que "já foram" só ficou,
Sublime esta partilha! (ou esta dança?...)
"Maternidade" - Juan Miró
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publicado às 12:21
Maria João Brito de Sousa
Invento mil canções de encantos-de-alma
Ao marulhar do vento, à noite escura,
À água do ribeiro que murmura
Segredos-de-encantar à tarde calma.
Invento... ou são os olhos, os ouvidos,
Que se encantam de ver, de tanto ouvir?
Inventar, afinal, é só sentir,
É poder libertar esses sentidos.
Inventar é sentir, em cada coisa
O por-dentro e por-fora que ela tem,
É partilhar texturas, sensações,
É prestar atenção a quanto se oiça,
É sermos essa coisa, nós também
E dar-lhe voz em versos e canções...
IV
Eu não quero ter nada! Eu quero é SER
Como as coisas que sendo, tudo têm,
As coisas que si mesmas se sustêm
Alheias ao desejo de qu`rer ter
E SENDO são mais ricas, mais felizes
E têm o poder de tudo dar,
Connosco partilhando sol, luar,
A sua própria essência em mil matizes...
Eu sou irmã das coisas mais pequenas.
Partilho-me nas horas mais serenas,
Partilho-me, também, na tempestade...
Eu sou em cada coisa o que ela é.
Não sei se, sendo assim, serei até
A própria encarnação da liberdade...
V
Talvez por ser assim, tão de ninguém,
Eu sinta em mim as coisas, como sinto...
Talvez chame "sentir" a esse instinto
Que me faz "ser" as coisas, eu também...
Talvez pressinta a vida noutras vidas
Ou talvez seja apenas ilusão
Mas, na verdade, as coisas que aqui estão,
Só me parecem velhas conhecidas...
Eu cumprimento as pedras da calçada,
Falo às ervas que crescem no passeio,
Digo:- Bom dia! ao sol, -Adeus! à lua,
Sorrio quando vejo, ao longe, a estrada...
As coisas "são" em mim o meu recheio
Neste extravasamento de alma nua!
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publicado às 11:29
Maria João Brito de Sousa
DA PARTILHA DO SONHO
Prometo-te o suor, mas nunca o pão!
Pensa que quando queiras vir comigo,
Of`reço-te ilusão, dou-te um abrigo
E tudo o que te exijo é o perdão...
Procura, lá no fundo, uma ambição
E, quando a descobrires o que te digo,
É que o sonho constrói, meu bom amigo,
E a ambição arrasa uma nação...
Repara: Nada dou, nada prometo,
Nada trago comigo, de concreto...
Só trago as mãos vazias mas, no peito,
Bate-me um coração multiplicado
Em coisas que só são do teu agrado
Se tentas, como eu, ser mais perfeito...
Maria João Brito de Sousa - 16.10.2008
DAQUILO QUE PENSAIS...
Serei um ser tocado pela lua;
Uma qualquer Maria-Sem-Camisa,
Transportada, ao de leve, pela brisa,
Escrevendo os seus sonetos de alma nua.
Serei o que quiserdes, mas serei!
(talvez exista apenas, não me int`ressa...)
Estarei sempre a passar, mas fico presa
Nos versos e nas rimas que deixei...
Serei sempre este rasto-de-cometa,
Esta papoila ou esta borboleta
Pousando onde calhar, numa procura;
Esta procura, feita, de passagem,
Que cumpre, no roteiro da viagem,
Aquilo que pensais ser só loucura...
Maria João Brito de Sousa - 16.10.2008 - 13.13h
À Flor (adnirolfpa)
À Maria Luísa Adães
publicado às 13:13
Maria João Brito de Sousa
Apenas um poema de mulher,
Uma coisa banal e feita à pressa,
Um toque virginal, uma promessa,
Nascido porque Deus assim o quer.
Apenas um poema. A mulher faz,
E tudo o que ela faz parece pouco
Porque o poema, às vezes, é tão louco
Que nasce quando muito bem lhe apraz...
Poemas são crianças! Nascem, crescem,
Querem autonomia e desconhecem
Vontades, hierarquias e fronteiras
Partilham esse espanto obrigatório
De quem sonda e conquista um território
Desde as eras remotas e primeiras.
*
Maria João Brito de Sousa - 15.10.2008
À Maria José Rijo pelo seu post "Rendas e Florinhas"
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publicado às 12:13
Maria João Brito de Sousa
A porta já fechou. Uma janela
Há-de abrir-se depois, de par em par,
Para quem não passou poder passar
À nova dimensão que se revela...
Mas quando a porta fecha, o corpo embate
E fica então dorido e mal tratado,
Que depois, à janela, debruçado,
Repara que a fuga era um disparate...
Sempre que a porta se abre, eu mesma a fecho.
Debruço-me à janela, apoio o queixo
Nas mãos e vou sorrindo para o céu.
A porta que se fecha é um convite
A viajar por dentro. E há quem hesite
Em conhecer, a fundo, o que é tão seu!
Ao João Chamiço
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publicado às 13:09
Maria João Brito de Sousa
DA RELATIVIDADE DO TEMPO
Um cansaço de vida, um quase-morte,
Depois um renascer contra a vontade.
O corpo à minha espera (identidade?)
Um Palácio de Luz e eu sem Norte...
É tudo tão dif`rente! Essa ilusão
Do tempo que se vive deste lado,
Dilui-se entre o futuro e o passado
E traduz-se num`outra dimensão.
Um segundo, um milénio... quanto tempo
Se passou, afinal, enquanto estive
Diante dessa luz cheia de paz?
Um milénio, por lá, é um momento
Daquilo que por cá se sente e vive.
Um segundo? Um milénio? Tanto faz!
Maria João Brito de Sousa - 13.10.2008
À Eva
À Velucia
ESQUECER, À LUZ DAS VELAS
Declaro o fim-do-mundo à luz das velas!
Nesta longa sequência de poemas
Remeto pr`a Mamon esses problemas
Da cobiça, dos ouros, das mazelas!
À luz das velas sou imperatriz
Das interpretações que a vida tem;
À luz das velas SOU! Não há ninguém
Que me curve a vontade ou a cerviz!
Caminho paralela á própria essência
Das coisas desde a sua procedência
Como quem, sendo louco, `inda agradece.
Caminho à luz de velas, mas caminho!
O meu estro reluz dentro do ninho
Com a serena raiva de quem esquece...
Maria João Brito de Sousa - 13.10.2008
Ao poeta António Codeço
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publicado às 12:46
Maria João Brito de Sousa
O CULTIVO DAS ROSAS
Sou filha-de-ninguém no dia a dia
Mas trago o sangue bom dos meus avós
E mesmo nada tendo, tenho voz
(desculpem-me a vaidade, a ousadia...)
Sou filha-de-ninguém, mas sou poeta!
Canto o passar das horas neste mundo
E, enquanto cantar, não vou ao fundo,
É esta a minha glória mais secreta...
Eu, filha-de-ninguém, protejo a vida,
Encontro-me onde a sorte foi perdida,
Saboreio, ao segundo, a caminhada,
Dou tudo o que em mim há, sou generosa,
Acredito no "ser", cultivo a rosa
Que vos alegra e não vos pede nada
II
Cultivo a minha rosa à luz da lua.
O sol nem sempre vem, nem sempre aquece...
Cultivo a rosa e a rosa não se esquece,
Responde: - És de ninguém? Que sorte a tua!
Nós, filhos-de-ninguém, criamos laços
E agradamos (ou não...) a toda a gente,
Mas trazemos connosco esta semente
Que transforma um olhar em mil abraços
Temos picos, é certo, e quantas vezes
Usamos, sem pensar, essas defesas
Pra preservar a nossa própria vida...
Dá-nos o mundo amor, dá-nos revezes,
Faz de nós predador`s ou faz-nos presas,
Mas nunca de alma fraca e já vencida
*
Maria João Brito de Sousa - Outubro 2008
À Natália Correia
À Joanina
À Azoriana, pela açorianidade e pelo nome da rosa
publicado às 13:15
Maria João Brito de Sousa
De mim para comigo eu quis falar
E, às tantas, o luar falou mais alto
E desenhou-me a sombra nesse asfalto
Onde eu estava comigo a conversar
De mim para comigo... e o luar
Veio deixar-me a alma em sobressalto!
A sombra lá em baixo e eu tão alto,
A lembrar-me da queda, se falhar...
De mim para comigo eu disse então:
- Se cair voltarei, estarei no chão...
Mais vale acreditar, seguir em frente!
Olhei de novo o chão, já pequenino.
Voar! Voar foi sempre o meu destino!
E segui, muito além do que é prudente...
II
De mim para comigo. O sonho é tudo!
(se aceito, é quem me targa a alma aberta...)
E vamos a viver que a morte é certa!
O sonho aceita o fim. Eu não me iludo.
De mim para comigo. Estranho estudo
Que levo a cabo neste eterno alerta,
Pois tudo o que há em mim, em mim desperta
E tudo o que desperta é conteúdo...
Das coisas que, ao passar, foram ficando,
(não paro de sonhar! Eu só abrando
e fico a meditar no que aqui faço...)
Há passos de luar nos meus sentidos
E beijos que nem foram prometidos,
Inúteis, como tudo o que aqui faço...
"O Pensador" - Rodin
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publicado às 15:34
Maria João Brito de Sousa
A RAIZ DAS ALGAS
*
I
*
Tempos houve em que o mar batia às portas
De cada um de nós, como quem pede,
E cada um de nós lançava a rede
Antes que o sol nascesse, a horas mortas
*
Tempos houve em que o mar nos oferecia
Caminhos sem ter fim, novas fronteiras...
O mesmo mar das ondas altaneiras,
Do sal, das rochas com cheiro a maresia...
*
Tempos houve em que o mestre nos falava
Do mito: a caravela que cruzava
As águas desses mares ditos só nossos
*
Depois crescemos... Nunca o mar mudou,
Foi o adulto em nós que duvidou
E em vez de caravela achou destroços.
*
Mª João Brito de Sousa
II
Caravelas de luz! O mundo é breve
Ao preço ocasional da fama e glória!
Assim nos diz o Tempo e reza a História
De quanta fama e glória a Nação teve...
*
O berço dos Poetas, das conquistas,
Desse, então, estranho mundo à descoberta
De quem parte e só volta à hora incerta
Dos que vivem de sonhos saudosistas...
*
Assim se entrega o luso ao Mar, que aceita
E lhe promete amplexos de sereias
Em vez do medo ao velho Adamastor
*
E é da raiz das algas que ele se enfeita
Na vastidão das ondas, nas areias
E onde engendre ilusões de eterno amor.
*
Maria João Brito de Sousa
19.10.2008
Nota - Reeditado e reformulado a 09.10.2012
publicado às 13:00
Maria João Brito de Sousa
Trago-vos esta manta que retalho Na secreta intenção de vos tocar, Mas a vossa indif`rença milenar Não se deixa tocar por tal trabalho.
Porque, apesar de tudo, sei que valho Um pouco de atenção, um mero olhar, Insisto e continuo a retalhar A toda a hora; nem um dia falho!
Talvez vos possa um dia cativar, Talvez o erro seja todo meu, Talvez a minha manta seja feia
E seja este o momento de parar... Mas não posso parar, e toda eu Vou fazendo, da manta, a minha teia.
Maria João Brito de Sousa - Outubro, 2008 In - "Pelouro dos Perfeitos Grafismos" inédito
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publicado às 13:19
Maria João Brito de Sousa
Pôs o Acaso um Génio à minha porta
Que disse: - Abracadabra! e se esgotou,
Um lápis-de-condão (que se quebrou...)
E um sonho a fumegar numa retorta,
Uma varinha-mágica tão torta
Que caiu e não mais se levantou,
Um baralho de cartas de Tarot
Que eu nunca quis lançar... e quem se importa?
Tanta ilusão havia (eu bem me lembro!)
Nesse sonho irreal com que pretendo
Abrir as portas ao imaginário,
Tanta coisa incomum, tal fantasia,
Que nem sei se foi sonho ou foi magia,
Se sim, se não, se antes pelo contrário...
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publicado às 13:45
Maria João Brito de Sousa
Há um deslumbramento descontente
Que me define toda e se traduz
No desenho de mim, em contra-luz,
Na dimensão laranja de um poente.
E tudo o que aqui faço é muito urgente
Porque o deslumbramento me seduz:
Carrego, alegremente, a minha cruz
Aos ombros de um poema que a não sente...
Às vezes este sol que me ilumina
Pressente outros anseios mais carnais
E cria-me um conforto, um aconchego...
Novo deslumbramento me domina
E, de tão deslumbrada, eu fico mais
Perdida no poema a que me entrego...
Imagem retirada da internet - tela de Salvador Dali
publicado às 13:46