Maria João Brito de Sousa
Das coisas que eu herdei - quantos tesouros!-
Vou nutrindo um carinho especial
Pelo meu "não-especismo" natural
Que me faz irmanar homens e touros.
Se encontro um animal que tenha fome
(que me importa se humano ou não humano!)
Of`reço-lhe o meu pão. Sanado o dano,
Cresce-me o coração, torna-se enorme
E tanto é o prazer, tal alegria
Me invade corpo e alma e me alumia
Quando reparto assim, por puro amor,
Que tudo o mais parece pequenino;
Amar e partilhar, eis o destino
De quem dos seus herdou esse valor.
Maria João Brito de Sousa - 2008
Imagem - "Monocromia Azul - Trilogia da Oferenda"
Ao Manuel Ribeiro de Pavia
(uma das telas do tríptico)
publicado às 14:22
Maria João Brito de Sousa
Eu faço da palavra a minha enxada;
O verbo ocasional é sempre o pão,
E vinho, outras palavras que darão
Os ecos desse tudo e desse nada...
Há palavras que colho da latada,
Logo ao nascer do Sol, de Inverno a V`rão,
Sem horário, nem método ou razão,
Mas que me deixam sempre alimentada.
Incessante colheita, esta em que vivo
De palavras que (es)colho e mal cultivo
Neste eterno vai-vem de horas sem fim
Colhendo sempre mais, insaciável,
Porque a minha colheita inexplicável
Requer tudo o que houver dentro de mim...
Maria João Brito de Sousa - 30.08.2008 - 11.49h
Imagem retirada da internet
"Corvos Voando Sobre um Campo de Trigo"
Vincent Van Gogh
publicado às 11:49
Maria João Brito de Sousa
Na memória dos sentidos
Rasgo a tela por nascer.
Depois sou cor e sou traço
De imagem por desenhar...
Sou a cinza do cigarro
Que acendo sem consumir
E o que está por consumar.
Assumo, no meu abraço,
Tudo o que der e vier
E estiver por inventar
Nos tempos que estão por vir.
CRIO!
In - "Arquétipos de Uma Mulher Interrompida"
Imagem - Pormenor da tela "Escorço - Grande
Pintora a Lápis de Cor"
Maria João Brito de Sousa, 2007
publicado às 12:29
Maria João Brito de Sousa
Peço-te mil perdões por ter-te amado,
Porque te amei demais... Eu, a Poeta,
Pintei-te de outra cor, quis-te paleta,
Quis-te só para mim, quis-te encantado...
Amar-te tanto assim foi sempre errado.
Tornei-te meio-ser, alma incompleta,
Tentando ir caminhando em linha recta
Num círculo perfeito e pré- traçado...
Amei-te em cada gota do meu sangue,
Amei-te até morrer, caindo exangue;
Amei-te além de mim. Tão mais além...
Gravei na dimensão dos meus sentidos
Um ideal de humanos desmentidos
Que nos foi condenando. A nós, também...
Maria João Brito de Sousa - 2008
Imagem retirada da internet
publicado às 12:16
Maria João Brito de Sousa
A MULHER INTERROMPIDA II
Subitamente carne, eu aterrei
Neste planeta incerto, e quis viver!
Neste acto (in)voluntário de nascer
Trouxe comigo o mar que, um dia, herdei.
Subitamente vida, eu comecei
A pesquisar o mundo, a qu´rer saber...
Vivi-me por inteiro até morrer
E, sem saber porquê, depois voltei.
Sem sair deste espaço, o que eu andei!
As mil e uma voltas que não dei,
As mil e uma coisas que não vi!
Há quantos mil milénios eu me sei
Nas vezes que morri, nas que acordei
Sobre o estranho planeta em que nasci...
Maria João Brito de Sousa - 27.08.2008 - 13.03h
Imagem retirada do site www.sabercultural.com
NOTA DE RODAPÉ - Este soneto classifica-se entre os "poemas de
rima pobre", pois todos os versos terminam
em palavras da mesma categoria gramatical.
Neste caso específico são Pretéritos Perfeitos
de verbos. Em poesia a classificação "rima pobre" não tem
uma conotação negativa. É apenas uma
classificação como outra qualquer, sem valor qualitativo.
publicado às 13:03
Maria João Brito de Sousa
Meu estranho, independente, ousado Ego,
Os mundos que me impões são sem fronteiras!
Incitas-me, nas horas derradeiras,
A viagens sem fim que nunca nego!
Meu Ego em mil constantes mutações,
Mantendo, em mim, perfeita unicidade,
A rir das rédeas presas da vontade,
Alheio às mais prementes tentações...
Cósmico Ego, disperso em coisas tantas,
Que todo-poderoso me comandas
Ignorando esta humana imposição!
Meu Ego (esse indif`rente ao que eu consigo...),
Nem sei se complemento ou inimigo
Da minha natural preservação...
Imagem - "Os Guardadores de Luas"
Óleo sobre Tela, 100x60cm
Maria João Brito de Sousa, 2006
publicado às 13:32
Maria João Brito de Sousa
Não me quero da cor que em mim pintais!
Só me quero da cor que o mar me pinta
Numa paleta mágica de tinta
Nestas horas azuis e matinais!
Não me vejo na cor com que me olhais!
Só me vejo na cor em que me sinta
Nos cambiantes de azul que o mar consinta
Em "dégradés" perfeitos, casuais...
Na paleta do mar é que me espelho
(e nela me revejo e me aconselho...)
Nos cinzentos-azuis de um sol nascente...
O mar é quem me pinta e nele me encontro
E renasço da cor desse confronto
Entre esse azul marinho e toda a gente!
Escrito no comboio, hoje, às 7.00h
Imagem retirada da internet
publicado às 13:16
Maria João Brito de Sousa
Talvez não fosses tu... ou foste mesmo?
Talvez não fosses tu quem me traiu...
Talvez fosse outro alguém quem me mentiu,
Quem sobre mim espalhou calúnia a esmo...
Talvez não fosses tu... talvez (quem sabe?),
Tu estejas, afinal, disso inocente...
Talvez fosse outro alguém (ou toda a gente?)...
O que me importa a mim? Quem foi, que o pague!
Se foi pura maldade e maldicência,
Eu nunca tive tempo nem paciência
Para lidar com coisas tão mesquinhas!
Se foi intencional (de causa-efeito),
Pior p`ra quem o fez! Não tenho jeito
Para me pôr a ler nas entrelinhas!
Soneto dedicado ao Poeta António Aleixo
Imagem retirada da internet
publicado às 14:21
Maria João Brito de Sousa
Era um estranho torpor feito de nada
Que lhe invadia o ser ao sol-poente
E ali ficava, amorfo, alheio, ausente,
Da alma quase doente, de alquebrada...
Depois nascia a Lua. À hora errada
Brotava-lhe a palavra, o verbo urgente
E punha-se a plantar (verso ou semente?)
No suporte irreal da madrugada...
Vestia uma "casaca de cometas"
E percorria a casa, qual fantasma,
C`o olhar apontado ao infinito...
No seu mundo de ideias inconcretas,
Ele era omnipotente. Ó mundo, pasma!
Partiu-se (e não partiu!), esse proscrito...
Ao Poeta António de Sousa
Imagem - Fotografia do Poeta aos 16 anos.
publicado às 12:35
Maria João Brito de Sousa
I
... e que me importa a mim perder-me em vida
Se à morte irei legar meu estranho encanto?
Já nada mais me importa e, no entanto,
Vou adiando a hora da partida...
... e que me importa a mim morrer agora
Se, depois, tanto fez muito viver?
Pouco ou nada me importa! Eu quero é SER
Enquanto não chegar a minha hora...
Patéticos, alguns, `inda acreditam
Que tempo é quantidade e não hesitam
Em procurar na carne o imortal...
Não sabem que de nós só fica o traço
Porque o mundo é pequeno e não tem espaço
Para, de nós, guardar quanto é real...
II
Ó mundo, o que te impede de chorar?
Que estranha submissão te cala o pranto
E te condena, assim, ao desencanto
Desse grito que tentas silenciar?
Ó mundo, se amanhã eu acordar
E não estiver quebrado o mudo encanto,
Hei-de gritar por ti! Gritarei tanto
Que medo algum me há-de fazer calar!
Ó meu pequeno mundo maltratado
No silêncio a que foste condenado
Por alguma razão que desconheço!
Ó meu pequeno mundo estrangulado,
O teu imenso grito sufocado
É tudo quanto, à vida, agora peço...
Imagem retirada da Internet
publicado às 11:30
Maria João Brito de Sousa
No Palácio das Vozes Dissidentes
Entoam-se cantigas. Batem palmas
Os fantasmas de outrora, cujas almas
Esvoaçam em sentidos bem dif`rentes
E das crispadas mãos, em alvoroço,
Soltam-se sons distintos e primários
Enquanto sob o fumo de incensários,
Em torno do Palácio se abre um fosso...
Neste palco se trava a velha guerra
Entre o Bem e o Mal sobre esta Terra,
Num ritual constante, interminável;
No espaço se confrontam Vida e Morte,
Se escolhe ou redefine a nossa sorte...
(o palco é bem real, embora instável...)
Imagem retirada da Internet
publicado às 12:05
Maria João Brito de Sousa
Um poente debrua a ferro e fogo
A linha horizontal do fim do mar
E retoma um percurso milenar
Pois pára de o bordar e volta logo.
A sua condição, que não revogo,
Impõe-me uma cadência pendular;
Deste lado, onde o Sol vem pernoitar,
Preguiça o mar imenso em que me afogo,
Do outro, aonde o Sol vai renascer,
Surge uma luz difusa, num crescendo,
Ressuscitam palavras entre os vivos
E recomeça a vida em cada ser...
Quanto a mim, que só disso vou vivendo,
Coube-me descrevê-lo, entre adjectivos...
Fotografia tirada por mim a uma flor de bananeira
publicado às 13:39