Maria João Brito de Sousa
Maria-Sem-Camisa está gordinha!
Empanturrada em versos nem tem fome...
Ninguém pode engordar do que não come
E ela mal petisca e não cozinha...
Não come e, no entanto, é redondinha!
Não pode "arredondar" quem nunca tome
Do alimento vivo o doce polme,
Pois quem vive do ar... sempre definha!
Maria come pouco, quase nada...
Se engorda é porque assim o decidiu
Ou porque não lhe interessa emagrecer...
Talvez o "poetar" de madrugada
Seja o tal "nutriente" que ingeriu
E não precise mesmo de comer...
Maria João Brito de Sousa
publicado às 14:29
Maria João Brito de Sousa
EU, PROJECTO DE MIM
*
Eu vivo-me em severa ditadura
Por ser, de mim, projecto antecipado
Onde não cabem medo, nem pecado,
E que tão só na morte encontra a cura.
*
Fico, até que me chame a sepultura,
Projecto do meu EU, meio traçado
(sempre houve que alterar um gesto errado,
porque assim é a vida... se nos dura)
*
Acrescenta-se um traço na estrutura;
Fica o projecto mais equilibrado
Embora eu esteja ainda mal segura *
E o traçado ascenda a tal altura
Que ousar descê-lo vai ser complicado...
(no céu há sempre alguém que me procura)
*
Maria João Brito de Sousa - 26.01.2008 - 16.53h
publicado às 16:53
Maria João Brito de Sousa
AUTONOMIA
*
Segue em rota frontal de colisão
Com a minha vontade de ser eu,
Na polpa do poema, o que escreveu
Esta determinada, incauta, mão.
*
Não volto atrás, nem nego a decisão!
Tão livre é o poema que nasceu
Que, sendo por mim escrito, não é meu
Pois me ultrapassa em determinação.
*
Cá fico, neste cais de terra e mar,
Olhando essa insensata autonomia
Que, mesmo partilhada, segue em frente
*
Nas asas de um mistério por sondar
Que dá vida ao poema que só qu`ria
Um pouco da atenção de muita a gente.
*
Maria João Brito de Sousa - 25.012008 - 11.58h
publicado às 11:58
Maria João Brito de Sousa
ADEUS, MAMÃ!
*
Afogo o meu soluço em parte alguma
Se recordo o menino que gerei
E logo tudo aquilo que não sei
Se dissolve no ar desfeito em espuma.
*
Num vão peculiar do meu sentir,
Arrumada a miragem, com carinho,
Lá deixo o meu menino deitadinho,
No mais fundo de mim irá dormir.
*
Agora é o poema quem, comigo,
Passeia de mãos dadas, vai à rua,
Dorme na minha cama e, de manhã,
*
Me acorda pr`a que vá brincar consigo...
Depois, mal chegue a noite e veja a lua,
É quem me vem dizer: - Adeus, mamã!
*
Maria João Brito de Sousa - 24.01.2008 - 22.36h
publicado às 22:36
Maria João Brito de Sousa
Maria-Sem-Camisa VIII
*
Talvez tivesse sido concebida
No Olimpo de Zeus, essa Maria
E só descesse ao mundo porque qu`ria
Salvá-lo da desgraça prometida...
*
Agora está, talvez, arrependida
Pois não aceita o mundo essa magia
Que espalhando ilusão, dando alegria,
Se propõe dar sentido à sua vida.
*
Mas não é mau, o mundo... é inseguro!
Tem medo de mudar, pois ser dif`rente
Exige, a todos nós, muita coragem.
*
Nunca o mundo vislumbra o seu futuro,
Como o não vê, decerto, tanta gente
Que molda o mundo inteiro à própria imagem.
*
Maria João Brito de Sousa - 24.01.2008 - 11.53h
publicado às 11:53
Maria João Brito de Sousa
HORA CERTA
Irei, assim que chegue a hora certa!
Nem antes nem depois (não sou dif´rente...)
Da hora destinada a toda a gente
Assim que a vida humana em si desperta.
O certo é que a verdade desconcerta
Mal surja e se defina em nossa mente,
Porque, sendo o que a vida nos consente,
Sabemos quanto a hora é, sempre, incerta
E, geneticamente irresponsáveis,
Seremos responsáveis, no entanto,
Por tudo o que fizermos nesta vida,
Porque, sendo as respostas insondáveis,
Não perde, a vida, o seu tremendo encanto
Por ser incerta a hora da partida.
Maria João Brito de Sousa - 23.01.2008 - 21.05h
publicado às 21:05
Maria João Brito de Sousa
A SEDUÇÃO
O mar tem tantos truques, tal poder,
Pra nos prender a vida e fascinar
Que parece mais homem do que mar,
Quando seduz e encanta uma mulher.
Mas o mar não rejeita quando quer!
Se um dia nos deixamos encantar
Sabemos ser cativo esse lugar
Que o mar tem pronto pra nos oferecer.
Depois da sedução estar consumada,
É tudo para a vida e para a morte
E não há volta a dar, o mal está feito,
Porque não há retorno, não há nada
Que possa libertar-nos dessa sorte,
Se um dia adormecermos no seu leito.
Maria João Brito de Sousa - 23.01.2008 - 14.46h
publicado às 14:46
Maria João Brito de Sousa
A Primavera está a chegar e, com ela, veio-me esta vontadezinha de escrever sobre o mar...
Afinal eu, cidadã do mundo, sempre vivi aqui, exactamente na zona litoral que define a linha onde o Tejo e o Atlântico se encontram.
Em Algés, cresci até à adolescência, na Rua Luís de Camões, numa casa que ainda hoje existe e está assinalada com uma pequena placa que homenageia o nascimento do malogrado Amaro da Costa, cujo pai era um grande amigo do meu avô, o Poeta António de Sousa, de quem, mais tarde vos tenciono falar.
A minha primeira casa enquanto "pessoa crescida" foi em Paço de Arcos, mesmo junto à estação da CP, na rua Carlos Luz.
Agora vivo há trinta e seis anos em Oeiras, na Quinta das Palmeiras e tenho a certeza que não saberia viver fisicamente longe daqui.
Por isso aqui vai a minha:
A JUSTIFICAÇÃO DO MAR
*
Serei, na (in)completude dos gentios,
Quem de ti fez o berço original,
Quem te encheu da grandeza natural
De invernos, dos agrestes, e de estios;
*
Sou quem te enfeita de ilhas e baixios,
Quem te cava esse leito de água e sal,
Quem te cobre de bancos de coral,
Quem te devolve a água dos seus rios
*
E sou quem te deu essa imensidão
Das coisas que mal sabes desvendar,
Quem cresce ao renovar-te e quem te fez,
*
Eu, a VONTADE (sempre em gestação)
De me expandir, de me multiplicar;
A força adivinhas mas não vês!
*
Maria João Brito de Sousa - 23.01.2008
publicado às 13:14
Maria João Brito de Sousa
SIMBIOSE
*
Perdeu o voo, o meu amigo alado,
Perdeu autonomia e perdeu vida
Este Columbia livia de asa ferida
Que acabo de tomar a meu cuidado
*
Talvez volte a voar, talvez magoado
Perdesse a tal vontade desmedida
Que nos confere o impulso de partida
Sempre que o céu se torna desejado
*
Perdeu o voo e a ousadia,
Perdeu tudo o que tinha de mais belo,
Talvez nem queira já viver sequer
*
Mas eu sou doutorada em teimosia:
Desdobro-me em cuidados, trato, velo,
Já nem sei se sou pomba ou sou mulher
*
Maria João Brito de Sousa,
*
in Poeta Porque Deus Quer - Autores Editora, 2009
publicado às 10:57
Maria João Brito de Sousa
MARIA-SEM-CAMISA
Maria-Sem-Camisa é muito rica!
Partilha o que não tem com toda a gente
E já ninguém, por cá, fica indiferente
À estranha caridade que pratica.
Daquilo que emprestou jamais critica
Uma devolução menos urgente
E não há nada que ela não invente
Quando a necessidade o justifica.
Maria faz-de-conta, a sem-camisa,
Vai dando o que faz falta no seu lar
E como tudo falta... tudo dá,
Mas só dá o que dá a quem precisa!
A quem venha pedir sem precisar
Maria vai dizendo que não há...
Maria João Brito de Sousa - 22.01.2008 - 13.39h
publicado às 13:39
Maria João Brito de Sousa
O PREÇO
Eu pago o alto preço da loucura
Por quanto sou, por quanto quero ser!
Pagar-vos-ei da forma que puder,
Enquanto me não chama a sepultura.
Talvez pague em moeda de ternura
E depois, venha lá quanto vier,
Possa cantar melhor que o que souber
Para encher-vos de luz na noite escura.
Com versos o farei, ou com pintura,
Imaginando a carta-de-alforria
Do sangue que por mim for derramado
Até sobrar-me um esboço da candura
Que teima em não morrer, na alegoria
De alguém que ora foi fraga, ora anjo-alado.
Maria João Brito de Sousa - 22.01.2008 - 12.56h
(Reformulado a 15.11.2015)
publicado às 12:56
Maria João Brito de Sousa
A UM CACTO QUE DEU FOLHAS
Eu tenho um cacto grande e imponente
Que há muitos anos vive no meu lar
E um destes dias, resolveu mudar
E despontou em folhas, de repente.
Este cacto, decerto incoerente,
No dia em que o pintei, quis-me mostrar
Que todos somos livres de sonhar,
Que um sonho tudo pode e nunca mente.
Ensinou-me, este cacto, que pintar
Será sempre CRIAR e que é urgente
Que se passe a palavra a toda a gente
Que afirma que ninguém pode criar.
Quanto a mim, tenho um cacto que é diferente
E pinto, ou não, mas crio activamente!
Maria João Brito de Sousa 22.01.2008 - 11.47h
Reformulado a 09.12.2015
publicado às 11:47