Maria João Brito de Sousa
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XXXII
*
Onde acharei lugar tão apartado,
E tão isento em tudo da ventura,
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado? *
Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitaria, triste e escura,
Sem fonte clara, ou placida verdura;
Em fim, lugar conforme a meu cuidado? *
Porque alli nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente. *
Que, pois a minha pena he sem medida,
Alli não serei triste em dias ledos,
E dias tristes me farão contente. *
Luís de Camões ***
Vinde comigo e eu vos mostrarei
O espaço pelo qual dizeis ansiar,
Fugi porém senhor que um tal lugar
Jamais agradará a servo ou rei *
É um espaço do qual fugido hei
E ao qual desejaria não voltar,
Mas voltarei, senhor, pra vos mostrar
E porque mo pedis lá voltarei *
Tem a aridez marmórea de um deserto
Que nunca houvesse visto Sol nem Lua
E nem os mortos andam lá por perto *
É qual clareira imensa, negra e nua
Que em nós vai gangrenando a céu aberto
Como uma chaga purulenta e crua *
II
* É um local do qual a própria morte
Se esquiva como um bicho ou um humano,
É o vazio medonho, inerte, insano
De quem se encontra entregue a alheia sorte *
Por lá nunca achareis quem vos conforte,
Tudo é igual a nada, ano após ano,
E se por lá ficardes ao engano
Não mais encontrareis algo que importe *
Perdoai se vos nego o prometido
Mas não vos levo lá nem por favor
Pois temo que fiqueis por lá perdido *
Que sintais a vertigem desse horror,
Ou que por vossa dor sejais traído
Já que alli nada medra além da dor. *
Mª João Brito de Sousa
08.09.2024 - 21.00h ***
Fotografia de minha autoria
*
Soneto de Camões retirado do Blog Sociedade Perfeita
publicado às 21:12
Maria João Brito de Sousa
"Três Mulheres na Fonte" - Tela de Pablo Picasso
***
PEQUENAS FONTES/GRANDES CATARATAS *
Pequenas fontes, rápidos, cascatas...
Assim a água emula a Poesia
Que às vezes se despenha em cataratas
Quando a Musa se exalta ou se extasia *
E inunda as planuras, pastos, matas
Que nascerem da tua fantasia
Até que, enfim, naufragas e resgatas
Parcos salvados na maré vazia... *
Qual é que à outra emula é o mistério
Que não desvendarás porque, em verdade,
Não é esse o teu grande desidério: *
Esse virá na onda que te invade
Mal se desdobre em espuma o verso etéreo
Que te arrebata e leva à saciedade. ***
Mª João Brito de Sousa
07.09.2024 -21.05h ***
publicado às 21:07
Maria João Brito de Sousa
Homem vitruviano
Leonardo da Vinci
*
O IMORTAL SONETO ALEXANDRINO *
Abre-se em leque extenso, amplia-se e seduz
Como raio de luz em nevoeiro denso...
Por vezes surge tenso, em fogo se traduz,
Mas é um ai-jesus tão suave quanto incenso *
Jamais houve consenso entre quem lhe faz jus,
Mas ninguém o reduz pois jus faz ao bom senso
E quando um ódio intenso o quer levar à cruz,
Levanta-se e reluz, mostra-se infindo, imenso! *
Ou suscita paixões, ou raivas e desprezo,
Mas lá renasce ileso imune às agressões
E prenhe de ilusões, vivo, brilhante, aceso! *
Tem forma sem estar preso às velhas convenções,
Resiste às tentações, sustenta-lhes o peso...
Sabe bem quanto o prezo e, a mim, dá-me lições. *
Maria João Brito de Sousa
15.06.2020 - 15.23h ***
publicado às 21:57
Maria João Brito de Sousa
Inda que de mim discorde,
Não me deseje o pior:
Sou loba que nunca morde,
Leia-me aqui , por favor!
publicado às 15:08
Maria João Brito de Sousa
Imagem Pinterest
*
ESSÊNCIA *
Mudas de espanto e sem fazer sentido
Nascem palavras, brotam sensações
Que se entrechocam num ponto perdido
Gerando prados, montanhas, vulcões *
Trocando as voltas ao que foi pedido,
Emudecendo a voz de outras questões
Com que se tenham já comprometido,
Muito senhoras das suas razões! *
Como ecos fundos, chegam sons distantes
Que, cá por dentro, fazem ressoar
Roucos murmúrios de ideias constantes *
Músicas loucas, vibráteis, pulsantes
Em que o desejo se ousa decifrar
Na pauta insone de uns versos cantantes *
Maria João Brito de Sousa
16.05.2014 – 16.54h ***
publicado às 23:42
Maria João Brito de Sousa
Imagem Pinterest
*
BANDEIRA DE CORSÁRIO *
À nuvem que crescia ordenei: - Gela!
E ela estremeceu, mas não gelou.
Quis pintar qualquer coisa e gritei: - Tela!
Mas ela fez-se surda ou nem escutou *
Restava-me a memória, esta sequela
De um sonho (in)conquistado que passou,
Escondida onde nem eu dava por ela,
Murchando à sombra desta que hoje sou *
Escrava da minha própria liberdade,
Jamais o burburinho da cidade
Me há-de arrancar à paz do meu estuário *
Sobre o convés do galeão, que piso,
Disparo o meu canhão, sem pré-aviso,
E desfraldo a bandeira de corsário. *
Maria João Brito de Sousa
19.07.2018 – 17.15h ***
Às minhas memórias de Emílio Salgari
publicado às 13:16
Maria João Brito de Sousa
Eu com a avó Alice e o avô poeta na varanda da casa da rua
Luís de Camões
***
SE O CHICOTE DO RAIO ME ILUMINA *
Se hoje escrevo com força de trovão
E o chicote do raio me ilumina,
São as minhas memórias de menina
Que, debruçadas neste coração, *
Me enfunam das razões que há na razão
Essa improvável vela que, à bolina,
Singra agora indomável peregrina
Dos ventos que vão rumo ao furacão *
Lembras-te, avô poeta, desses dias
Das chuvas fortes e das ventanias
Que tanta vez saudámos fascinados *
P´las vergastas de luz que ribombavam
Colorindo as rajadas que açoitavam
Os nossos rostos mudos e assombrados? *
© Maria João Brito de Sousa - Julho, 2020 *
(escrito no dia a seguir à grande trovoada de Verão)
publicado às 23:38
Maria João Brito de Sousa
Luiz Vaz de Camões
*
Olhos fermosos, em quem quis Natura
mostrar do seu poder altos sinais,
se quiserdes saber quanto possais,
vede-me a mim, que sou vossa feitura. *
Pintada em mim se vê vossa figura;
no que eu padeço retratada estais;
que, se eu passo tormentos desiguais,
muito mais pode vossa fermosura. *
De mim não quero mais que o meu desejo:
ser vosso; e só de ser vosso me arreio,
por que o vosso penhor em mim se assele. *
Não me lembro de mim, quando vos vejo,
nem do mundo; e não erro, porque creio
que, em lembrar-me de vós, cumpro com ele. *
Luís de Camões ***
Eu no meu melhor ângulo, fotografada por Carlos Ricardo
* I *
Tal quis Natura por um breve instante
Que está Natura sempre em movimento
E nunca hesita em nos privar de alento
Se algum de nós se mostra algo ofegante *
Ao vate juvenil, forte e pujante
Que cria versos ao sabor do vento
E que, sorrindo, a tudo esteja atento
Dá-lhe Natura o dom de ser galante *
Porém ao que envelhece e que hesitante
Mal pode garantir o seu sustento
Rouba Natura a graça e só garante *
Que a Morte em breve finde o seu tormento
E que o guarde consigo, enfim distante
Dos mais a quem legou esforço e talento *
II
* Nunca nos dá, Natura, um dom constante,
Que para tal não tem consentimento
E o maior esplendor não fica isento
De transformar-se em cinza fumegante *
Que o Tempo é, de Natura, eterno amante
E ao moldar-nos o corpo é violento:
Jamais vereis as rugas que ora ostento,
Nem o meu passo já cambaleante... *
Estais muito longe e disso me contento
Porquanto não sabeis quão humilhante
Fora poder mostrar-me um só momento: *
Tão gasta estou e tão deselegante
Que implorarieis pl`o distanciamento
Desta a quem credes bela e fascinante. *
Mª João Brito de Sousa
10.06.2024 - 00.00h ***
O soneto de Camões foi retirado do blog Sociedade Perfeita
publicado às 00:01
Maria João Brito de Sousa
Perdoem-me a longa ausência e sigam por aqui , se vos aprouver
publicado às 23:51
Maria João Brito de Sousa
Fotografia de Abel Ferreira Simões
*
NAS TUAS MÃOS *
Nas tuas mãos eu, ave, me confesso
E esvoaço e sucumbo e já rendida
Espero delas a graça de uma ermida
Onde a chama que sou não tenha preço *
Eu, ave, tudo entrego e nada peço:
Submeto-me à carícia pressentida
Nas asas da candura em mim escondida
Que tu não sonharias e eu nem meço... *
E que outra ave marinha ofertaria
Tão extrema e profundíssima alegria?
Que outra se te daria em seda pura? *
Às tuas mãos, quem mais se atreveria
A desvendar-lhes sede e fantasia
Para enchê-las de espanto e de ternura? *
Maria João Brito de Sousa Maio 2007 ***
publicado às 09:00
Maria João Brito de Sousa
Fotografia de António Pedro Brito de Sousa
*
MÃE
* Soneto Bordado a Linho Sobre Cetim *
Nestes versos que engomo a ferro quente
sem uma ruga que ensombre, no fim,
este lembrar-te quando, estando ausente,
te não recordas, nem sequer de mim, *
Neste auscultar-te como se presente
te mantivesse, eternizando assim,
doce, a memória, quando é tão dif`rente
de ver-te viva, bordar-te em cetim... *
Neste dizer talvez nada sabendo
- suave inocência dos momentos tristes -,
nesta ilusão que sei, mas nunca entendo, *
Te afirmo que, apesar de tudo, existes:
Estás nas palavras em que aqui te prendo
e na certeza de que em mim persistes. *
Maria João Brito de Sousa
03.05.2015-02.48h ***
In Antologia Horizontes da Poesia VII
publicado às 13:18
Maria João Brito de Sousa
Tela de Álvaro Cunhal
*
NÃO HÁ FIM PARA O SONHO, NÃO HÁ FIM... *
Não há, neste planeta, mar nem céu,
Estrada longa demais, alta montanha,
Ponte suspensa sobre um medo teu
Que te trave esse sonho e, coisa estranha, *
Um pouco desse sonho é também meu,
Um nada dessa chama em mim se entranha
E aonde chegar, chegarei eu,
Pois nisto ninguém perde. Só se ganha. *
Não há fim para um sonho construído,
Nem haverá lugar para o vencido
Num sonho desta forma partilhado *
Se, quando te pareça ver-lhe o fim,
Vês que mal começou dentro de mim
E que outros vão nascendo ao nosso lado. *
Maria João Brito de Sousa
02.05.2018 – 12.54h ***
publicado às 10:49