Maria João Brito de Sousa
A CEIA DO POETA III
Se sou a mais pequena entre os pequenos
(ainda mais pequena que o comum...),
Se vivo neste absurdo desjejum
Das palavras que escrevo em mil cadernos,
Ao vislumbrar-me, assim, entre os eternos,
Senti-me, por segundos, ser mais um
E, louca de alegria, bebi rum
Por copos que inventei noutros invernos
E fiquei-vos tão grata - embora louca...-
Que já nem sei expressar essa medida,
Que já nem sei dizer como fiquei,
Pois desfeita em palavras, fiquei rouca...
Embriago-me, invento outra bebida,
E tento dar-vos mais que o que já dei!
Maria João Brito de Sousa - Dezembro, 2010
SONHAI!
Crescei, multiplicai-vos e sonhai!
Roubai maçãs da árvore da vida,
Chorai os que são vossos, na partida,
Sede vós mesmos, mas acreditai!
Se tendes sede ou fome, protestai!
Se vos faltar amor, perdão, guarida,
Procurai novo peso, outra medida,
Encontrai novos rumos, viajai!
Ide ao fundo do mar de cada mar,
Subi, subi além de cada estrela,
Descobri tudo, tudo o que puderdes!
A vós ninguém vos pode condenar
Porquanto o vosso sonho é que nivela
A dimensão de tudo o que fizerdes!
Maria João Brito de Sousa - Dezembro, 2010
BOAS FESTAS!
Desejo-vos pão, livros e saúde
Para o ano que está quase a chegar!
E alegria e esp`rança a despontar
No momento em que algum se desilude.
Desejo-vos amor e lucidez
E sonhos, muitos sonhos criativos!
Que possais criar sempre, enquanto vivos,
Aquilo que pensais ser só talvez
E que possais guardar, dentro de vós,
A criança que existe em toda a gente
Que será sempre a vossa companhia.
Que possais sempre ouvi-la e dar-lhe voz,
Que saibais aceitar o seu presente,
Que tenhais sempre um pouco de alegria!
Maria João Brito de Sousa - Dezembro, 2010
publicado às 15:55
Maria João Brito de Sousa
Invento mil canções de encantos-de-alma
Ao marulhar do vento, à noite escura,
À água do ribeiro que murmura
Segredos-de-encantar à tarde calma.
Invento... ou são os olhos, os ouvidos,
Que se encantam de ver, de tanto ouvir?
Inventar, afinal, é só sentir,
É poder libertar esses sentidos.
Inventar é sentir, em cada coisa
O por-dentro e por-fora que ela tem,
É partilhar texturas, sensações,
É prestar atenção a quanto se oiça,
É sermos essa coisa, nós também
E dar-lhe voz em versos e canções...
IV
Eu não quero ter nada! Eu quero é SER
Como as coisas que sendo, tudo têm,
As coisas que si mesmas se sustêm
Alheias ao desejo de qu`rer ter
E SENDO são mais ricas, mais felizes
E têm o poder de tudo dar,
Connosco partilhando sol, luar,
A sua própria essência em mil matizes...
Eu sou irmã das coisas mais pequenas.
Partilho-me nas horas mais serenas,
Partilho-me, também, na tempestade...
Eu sou em cada coisa o que ela é.
Não sei se, sendo assim, serei até
A própria encarnação da liberdade...
V
Talvez por ser assim, tão de ninguém,
Eu sinta em mim as coisas, como sinto...
Talvez chame "sentir" a esse instinto
Que me faz "ser" as coisas, eu também...
Talvez pressinta a vida noutras vidas
Ou talvez seja apenas ilusão
Mas, na verdade, as coisas que aqui estão,
Só me parecem velhas conhecidas...
Eu cumprimento as pedras da calçada,
Falo às ervas que crescem no passeio,
Digo:- Bom dia! ao sol, -Adeus! à lua,
Sorrio quando vejo, ao longe, a estrada...
As coisas "são" em mim o meu recheio
Neste extravasamento de alma nua!
Imagem retirada da internet
publicado às 11:29
Maria João Brito de Sousa
O caso da Mulher-Que-Traz-Cometas
(porque assumiu a sua condição
e vive nesta humana dimensão
sonhando o Paraíso dos Poetas)
É um caso verídico, actual
E nada, mesmo nada, a mudará.
Será cometa enquanto andar por cá
(embora o mundo seja virtual...)
A Semeia-Cometas sempre o foi...
Por mais que o mundo toque onde lhe dói,
Tem o seu testemunho pr`a passar.
A mulher traz cometas nos seus braços
E alheia a confusões e a cansaços
Continua entre nós a semear...
(continuação)
Continuação do caso verdadeiro
Da Mulher-Dos-Cometas-Virtuais:
- A história já vendeu tantos jornais
Que acabou por correr o mundo inteiro!
Tanta tinta correu por causa dela
E tantas edições foram esgotadas,
Que até duas velhinhas entrevadas
Vieram a correr para a janela!
Procura-se a Mulher-Que-Traz-Cometas!
Consta que, em tempos, teve tranças pretas
E veste sem requinte e sem cuidado.
Procura-se por excesso de verdade.
Procura-se por falta de vaidade.
Procura-se por estar no mundo errado!
(epílogo)
A Mulher foi julgada em tribunal.
Acusada de "porte de cometa",
A ré dá pelo nome de Poeta
E mantém a postura marginal.
Não nega nem confessa o que já fez,
Sorri quando a confrontam c`os lesados
E trouxe mil cometas pendurados,
Tentando semear, mais uma vez!
O Caso dos Cometas decorreu
Na arena deste nosso Coliseu,
Numa sessão de porta bem fechada.
Dois milénios de pena, em domicílio.
Não pensa em recorrer, recusa auxílio,
Não está arrependida e não diz nada.
Ao Fisga com o desejo de rápidas melhoras.
Ao Carlos Magalhães porque me faz lembrar
Hércule Poirot.
Ao Sapo que, há mais de um mês, se debate com a terrível pandemia da "caixa de correio fulminante".
(imagem retirada da internet)
publicado às 13:38
Maria João Brito de Sousa
À PORTA DO ESPELHO
Precisamente um sonho! Um sonho só
E um dom ou uma dádiva - sinónimos...
Dispersa-me em milhões (serão het`rónimos?)
E abraça-se a mim fechando o nó.
Precisamente e só um sonho louco,
Que me enlaça, me prende e me seduz,
Aceso em mim... e tudo se reduz
Ao muito que sei ter, tendo tão pouco...
Nesta abundância vivo e comunico
E tenho muito mais do que o mais rico
Porque vivo do amor que tudo tem...
Aqui, nesta loucura abençoada,
Percorro, neste mundo, a minha estrada
Por dentro de mim mesma e sem ninguém...
A EXULTAÇÃO DO ESPELHO
Eu ergo-me do chão, meu velho amor!
Da força deste meu eterno abraço
À doce solidão na qual me enlaço
E reinvento a vida em nova cor...
Sou árvore caída que se ergueu,
Que germinou da pedra e estendeu ramos
E vou continuar (todos nós vamos...)
Por onde me levar um sonho: - O meu!
Sou palimpsesto deste humano fruto,
Sou êxtase da vida e sou produto
De quantos ideais o mundo oculta.
Sou eco da palavra e sou reflexo
Do espelho que devolve o meu amplexo:
- Selvagem, louca, louca... (o espelho exulta!)
A ACEITAÇÃO DA LUA
A aceitação da lua é paradigma,
É este anoitecer na vertical
Cumprindo o seu sereno ritual
Na estranha condição de ser enigma.
A aceitação da lua em seu abraço
É bênção, oração, serenidade,
É este alheamento da vontade
Na absurda languidez em que me traço.
Eu, loucamente lua, mas serena,
Solene comunhão da minha pena
Com essa luz de leite, branca e pura.
Eu sei que a lua-mãe comanda a vida,
A hora da chegada, a da partida,
A própria aceitação desta loucura...
Imagem - "Fio de Prumo", Aguarela e Pena
Maria João Brito de Sousa, 2002
publicado às 12:45
Maria João Brito de Sousa
VIRTUALMENTE ALICE...
Há dúvidas, arrobas, asteriscos,
Mil coisas irreais que desafiam,
Que nem anjos sequer pressentiriam,
Mas que já me fizeram correr riscos...
Há coisas de estranheza desmedida
Como a "diagonal das verticais"
E outras que parecem ser reais
Mas que não são sequer formas de vida.
Há coisas que parecem ser ideias
Com / fusas, semi-fusas e colcheias
A saltitar na pauta semi-breve...
Alice no País-dos-Pesadelos
Que trinca, alegremente, os cogumelos
E vai fazendo tudo o que não deve...
O PLANETA DO FAZ-DE-CONTA
Faz de conta que é tudo, exactamente,
Igual ao que já foi quando era "dantes".
Faz de conta... e moinhos são gigantes!
Basta-me um "faz-de-conta", urgentemente.
Faz de conta que vejo o que não vejo
E que tudo o que vi, nunca foi visto!
Se neste Blogomar a vida é isto,
Faz de conta que brinco e que gracejo.
Faz de conta que sinto sem sentir...
(mas eu não minto e nunca sei fingir,
por isso faz de conta que não sinto...)
Faz de conta que sei sem o saber
E tudo o que farei será escolher
Entre a razão e o mais puro instinto...
PERSISTÊNCIAS
Mais triste do que as coisas muito tristes,
Distante, lá no cume das ausências,
Dispersa e dividida entre emergências,
Pensando pr`a comigo: -Tu desistes!
E surge este não-sei-dizer-o-quê
(combustível de alento derradeiro,
ideal e contudo verdadeiro...)
Que supera esta dor que ninguém vê
E me transporta à vida, às alegrias!
Estranha força motriz destes meus dias
Que não desiste nunca e nunca pára!
É porque Deus o quer, tenho a certeza,
Que esta minha selvagem natureza
Persiste e em tudo nasce e se declara!
A Lewis Carrol
Imagem retirada da internet
publicado às 13:26
Maria João Brito de Sousa
O TEMPO NUMA FOLHA DE PAPEL
No barro desta humana imperfeição
Mas aspirando a Anjo. Quem diria
Que tão estranha e tão vã filosofia
Haveria de ser aspiração?
Mas sendo controversa, ou mesmo vã,
Garanto que não mudo o meu caminho!
Sabe-me a boca ao mel, ao rosmaninho
Das horas que cantar nesse amanhã
E se, a cada minuto, eu acrescento
Uns "pós" do meu teimoso entendimento
A quanto me pareça ser cruel,
O Futuro vislumbra-me e sorri...
Sorrio-lhe, eu também, porque prendi
O Tempo numa folha de papel...
Maria João Brito de Sousa - 22.09.2008
O "PECADO" DA FOLHA DE PAPEL
O Tempo numa folha de papel,
De súbito pequeno e vulnerável,
Desvendando um futuro indecifrável
A traços de caneta ou de pincel...
Estranhíssima Alquimia a que revela
Essa improvável forma de viver
De um Tempo aprisionado, sem poder
Gastar-se, nem na chama de uma vela...
Contudo, o tempo exprime-se e confessa,
Revela, aos nossos olhos, a promessa
Da mensagem que em si cristalizou
Nos versos em que o trago aprisionado
Ao culminar do único pecado
Que a folha de papel já perpetrou...
Maria João Brito de Sousa - 22.09.2008
EPÍLOGO
Que a folha de papel já pepetrou
Na sua branca e louca ingenuidade;
Esta inocência prenha da verdade
Que a minha negra pena em si gerou...
E eis-me enfim liberta, concluída!
Desta longa tarefa, o que me resta?
Ir rejeitando tudo o que não presta?
Fazer-me, agora, à Terra Prometida?
O Tempo há-de voltar (embora preso...)
P`ra lançar o meu corpo ao fogo aceso,
P`ra rematar-me, enfim, quando serena...
Morreria feliz e sem castigo
Tão só por cá crescesse o que bendigo,
Tão só por cá ficasse a minha pena...
Maria João Brito de Sousa - 22.09.2008 - 13.17h
Imagem - "Auto-Retrato"
Maria João Brito de Sousa, 2006
Nota- Tudo isto é só para não ficar atrás do Bin Laden, que também parece ser um "Grande Poeta".
Desculpa, Alfredo, mas este ano esqueci-me mesmo do teu aniversário.
APOSTILA- Acabo de constatar que este trabalho feito "à pressão", acabou por ficar péssimo, pois confundi o 2º soneto com o 1º. Logo à noite tentarei emendá-lo, embora a minha tentativa de reedição tenha saído gorada, porque o texto me aparece desconfigurado. A última estrofe terá de ser reformulada para que isto se possa considerar uma coroa de sonetos. Não quero coroas de glória, mas neste momento, também dispenso uma de espinhos. Se o pessoal do Sapo puder ter a bondade de configurar o texto na reedição de posts, eu terminarei a coroa ainda hoje, lá por volta das 23 horas, quando acabar de tratar de toda a minha família de pêlo e penas.
Nota II - Sonetos libeiramente reformulados a 05.04.2016 (Garanto que adoraria poder recordar-me das circunstâncias que deram origem à nota anterior, bem como à dita "apostila"... e já lá vão quase oito anos...)
publicado às 13:17
Maria João Brito de Sousa
NÃO SEI SE EXISTO MESMO OU SE ME INVENTO...
No sorriso do mar, ao qual assisto,
Há cometas que passam, há sereias,
Há sonhos transmutados em ideias,
Há loucas ilusões que enfim conquisto!
Há conchas delicadas e castelos,
(memórias do que ainda está por vir...)
Há coisas que me fazem reflectir
Sobre o que fiz (ou não...) p`ra merecê-los.
No muito que me diz esse sorriso
Encontro sempre aquilo que preciso
E disso os meus poemas vão crescendo.
Eu e o mar! Um só e afinal
Todo este meu tesouro é irreal...
Eu nunca sei se sou ou se me invento!
AS HORAS QUE ME ABRAÇAM
Eu nunca sei se sou ou se me invento
Nos poemas que escrevo e que semeio...
Talvez eu seja o fruto de um anseio
A germinar em forma de talento...
Ou talvez seja só habilidade
Este meu enlaçar-me nas palavras...
Talvez as minhas mãos sejam só escravas
De uma outra bem maior realidade...
Talvez seja a vontade colectiva
Urgindo em mim, tornando-me cativa
Das letras que aqui traço e que me traçam...
Só sei que mora em mim, inevitável,
Uma necessidade incontrolável
De vos falar das horas que me abraçam.
NO BARRO DESTA HUMANA IMPERFEIÇÃO
De vos falar das horas que me abraçam,
De vos cantar a terra em que nasci
De vos mostrar o mar que traz em si
Magias que a si mesmas se entrelaçam
No brilho de um céu mais prometedor.
E se nisso me sei, isso é quem sou:
Abraços de um cometa que passou
E que por cá deixou rastos de amor.
É nesta identidade controversa,
Que aqui vos deixo, em jeito de conversa,
Que está a minha essência e explicação.
Se existo de verdade, eu sou assim;
Sou expressão deste Deus que habita em mim
No barro desta humana imperfeição.
Imagem - "Puberdade"
Pastel de Óleo
Maria João Brito de Sousa, 1999
publicado às 01:06
Maria João Brito de Sousa
Amigo, eu sou apenas poetisa,
Noutras vezes pintora (um dote inato...),
Pois vem-me cá de dentro o que retrato,
Sou força que a si própria se improvisa
E pobre como poucas, mas a brisa
Sopra-me estas palavras que relato;
Posso não ter comida no meu prato
Mas sobra-me este vento que me avisa,
Este sopro ideal que engendra o verso
E vai somando à música da vida
O que me mata a fome, além do pão,
Pois faz brotar, de mim, o meu inverso;
Ergo, do nada, a obra prometida
Na qual sacio engenho e criação...
Maria João Brito de Sousa - 11.02.08 - 10.00 h
publicado às 12:31