Maria João Brito de Sousa
Impôs-se-me uma lágrima e chorei...
Chorei como quem chora a própria vida!
A lágrima era o ponto de partida
Desse poeta em mim que então soltei...
Mais lágrimas rolaram... mais de mil,
Seguidas por mais mil que não paravam.
Fui lágrimas de mim que em mim rolavam
Até redesenhar o meu perfil...
Depois nasceu a vida aberta em flor
Onde antes eram lágrimas de dor
E este poeta em mim sobreviveu...
Ah! Como é louco e estranho o meu destino!
Sobreviver à morte de um menino
E alcançar, depois, o próprio céu!
publicado às 14:30
Maria João Brito de Sousa
Eu vivo neste corpo de Jangada;
Perdi-me, fui ao Céu, depois voltei
E choro ainda quem por lá deixei
No seio duma luz imaculada...
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Chora, Jangada chora os impossíveis!
O menino da luz não volta, não...
Desceu à terra dentro de um caixão
E mora agora entre os não visíveis...
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Chora, Jangada, chora o teu mar-alto!
O teu vulcão de lava há-de apagar-se
E tu hás-de rumar, de novo, à luz
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Onde antes te afundaste em sobressalto
E, um dia, um mesmo sol virá deitar-se
Num chão onde se ergueu tão dura cruz...
Maria João Brito de Sousa - 14.03.2008 - 20.24h
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(Ao chegar do hospital, no supermercado, às 20.00h)
publicado às 20:24
Maria João Brito de Sousa
A MAIS-VALIA
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Abriu-se-me uma f´rida pequenina
Que tal como as palavras foi crescendo,
Tomou conta de mim, foi-me doendo,
Fez-me sentir, de novo, uma menina.
Depois melhorará! É esta a sina
Da vida que por cá sigo vivendo
E será sempre assim, eu compreendo,
Até que chegue a hora da vindima.
Rasga-se a cicatriz na carne-viva,
O menino do céu chega-se a mim,
Retorna-me essa imensa nostalgia
E, enquanto essa dor me traz cativa,
Escrevo estes meus poemas que, no fim,
São, de tudo o que faço, a mais-valia.
Maria João Brito de Sousa
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10.02.08 - 01.35h
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publicado às 01:27
Maria João Brito de Sousa
UM MAR CÁ DENTRO
Sabe-me a boca a sal. O meu menino
Há tanto que partiu e mesmo agora
Existe, em mim, um mar que quando chora
Se veste inteiro de um azul divino.
Nunca mais voltará, o pequenino,
Foi para o céu azul onde hoje mora
E nunca saberei qual é a hora
De poder partilhar o seu destino.
Sabe-me a boca a sal. Talvez do mar...
Talvez, cá dentro, o sangue tenha sal,
Por isso a minha boca está salgada
E chora, cá por dentro, e quer calar,
Mas tanto mar cá dentro faz-me mal,
Sabe-me a boca ao sal, de estar calada.
Maria João Brito de Sousa 10.02.2008
10.02.08 - 01.00h
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publicado às 00:43
Maria João Brito de Sousa
QUIMERA
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Trouxe-te a noite em asas de poema,
Levou-te uma manhã sem coração:
Foi-te a vida fugaz como ilusão
Mas deixou-me a saudade imensa, eterna...
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Se tudo o que vivemos vale a pena
Teria o teu percurso sido vão?
Meu menino, eu sei lá por que razão
Te concederam vida tão pequena!
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Mas se, apesar de tudo, ainda vives
Se a alma pequenina que tu és
Ganhou as asas de anjo que sonhei
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Então existo menos do que existes:
Sou barro em que repousam os teus pés
Velando uma quimera que engendrei.
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Maria João Brito de Sousa
04.02.2008 - 03.30h
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publicado às 03:30
Maria João Brito de Sousa
MESMO QUE O MEU MENINO PARTA EM MAIO
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Sou a perfeita esposa do Senhor;
Lavo e teço os poemas das manhãs,
Amasso em pão-de-deus a minha dor,
Encho os silos de trigo e de maçãs,
*
Pinto a cor da fartura nas auroras
E derramo a alegria de ser eu
Quando me deito, à noite, fora de horas,
Em lençóis onde a lua adormeceu.
*
Sou casta, sou serena e sendo velha
(quantos milénios nesta minha vida!?)
Há uma luz em mim, como se um raio
*
Me tivesse enviado uma centelha
Que me legasse a graça de uma ermida,
Mesmo que o meu menino parta em Maio...
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Maria João Brito de Sousa - 01.02.2008 - 12.08h
publicado às 12:08
Maria João Brito de Sousa
ADEUS, MAMÃ!
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Afogo o meu soluço em parte alguma
Se recordo o menino que gerei
E logo tudo aquilo que não sei
Se dissolve no ar desfeito em espuma.
*
Num vão peculiar do meu sentir,
Arrumada a miragem, com carinho,
Lá deixo o meu menino deitadinho,
No mais fundo de mim irá dormir.
*
Agora é o poema quem, comigo,
Passeia de mãos dadas, vai à rua,
Dorme na minha cama e, de manhã,
*
Me acorda pr`a que vá brincar consigo...
Depois, mal chegue a noite e veja a lua,
É quem me vem dizer: - Adeus, mamã!
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Maria João Brito de Sousa - 24.01.2008 - 22.36h
publicado às 22:36