Maria João Brito de Sousa
Olho este povo cansado
De ver a vida a passar,
De viver das aparências
Na mais dura das carências
A que o vão fazer chegar
Para o terem bem calado…
Meu povo tão criativo
De poetas e cantores,
Gente com caule e raiz
Que nunca será feliz
Nas mãos dessoutros senhores
Que o querem manter cativo
Vejo a gente nas canseiras
Das noites sobressaltadas
Pelos dias sempre incertos
E nos olhos, muito abertos,
Mil perguntas formuladas
De mil e uma maneiras…
Ah, povo, se fores dormir
E eles tentarem sufocar
O cravo que tens no peito
Ao roubarem-te o direito
De viver, de trabalhar
E, até mesmo, de sentir…
Oiço a gente que murmura,
Que duvida e quer respostas,
Que não consegue entender
Porque é que há-de acontecer
Que as regras sejam impostas
Como eram na ditadura
Povo de garra, com garras,
Que rosna sob um chicote
Que a muitos soube calar
Mas que recusa aceitar
As loucuras de um Quixote
Que nunca vestiu samarra!
Não cales, povo que sofres,
A tua revolta imposta
Por amos que não quiseste!
Mostra-te indómito, agreste,
Diz que Portugal não gosta
Que disponham dos seus cofres
Ou da força dos seus braços
Cansados de não saber
Se, amanhã terão trabalho,
Se lhes fica, ou não, retalho
Do que puderem colher,
Do fruto dos seus cansaços!
[este povo inda tem garra
pr` a derrubar os chicotes
que o tentarem subjugar
e recusa-se a aceitar
ordens vindas de Quixotes
sem burrico e sem samarra!]
Maria João Brito de Sousa
publicado às 12:09
Maria João Brito de Sousa
Fui ver-me em televisão
E não me reconheci;
“- Mas que grande confusão!
Quem será aquela, ali?”
Só a voz me elucidou,
Pois reconheci-me nela,
Porque o resto “levedou”
Como massa na tigela…
Quem poderia jurar
Que aquele “ mostrengo” era eu?
Mas terei de confirmar
Que o discurso, esse, era meu!
Àqueles que já me conhecem
Nem sei como esclarecer
Pois todos eles me merecem
O que agora vou dizer;
Não sei o que se passou,
Nem sequer sei a razão
Porque a minha cara inchou
Como se fosse um balão…
Até rugas me nasceram
Onde agora a pele é lisa!
Que mistérios me trouxeram,
Do tempo, tanta divisa?
Parecia um bicho disforme
E nem queria acreditar
Que aquela mulher enorme
Fosse “eu”, ali, a falar!
Dizem que cinco quilinhos
Podem ser acrescentados,
Mas bem vi que os danadinhos
São cinquenta… e bem pesados!
Maria João Brito de Sousa – [em estado de choque
depois de me ter visto na televisão… 02.08.2010]
publicado às 10:27
Maria João Brito de Sousa
Já não como, já não bebo,
Já não há nada a fazer
E, tanto quanto eu percebo,
É assim que tem de ser.
Fomos mães, somos poetas
E sentimos sempre mais
Os abraços que os cometas
Sabem dar aos animais!
Percorri mil madrugadas
Vestida de cinza e prata,
De viver fiquei cansada,
Mas, mesmo assim, estou-te grata…
Fosse noite ou fosse dia
Eu contei c`o teu carinho
E, mesmo nesta agonia,
Sinto que estou no meu ninho…
Fomos mães, somos poetas
E sentimos sempre mais
Os abraços que os cometas
Sabem dar aos animais!
Também eu fui oportuna,
Dei todo o amor que tinha
E tu tiveste a fortuna
De te não sentires sozinha.
Nesta vida que vivemos,
Ambas nos demos inteiras,
Of`recendo o que pudemos
De mil dif`rentes maneiras…
Sei que também estás doente,
Tenho-te ouvido gemer.
Tu, de mim, não és dif´ rente
Estamos ambas a morrer…
Fomos mães, somos poetas
E sentimos sempre mais
Os abraços que os cometas
Sabem dar aos animais!
Quem me dera que ficasses,
Que escrevesses sobre mim,
Que depois lhes ensinasses
Que este Amor nunca tem fim!
Diz-me adeus, dá-me um abraço,
Sabes bem que vou partir.
Levo comigo um cansaço
Que tu não tens de sentir…
Fica tu por mais um tempo!
Talvez possas recordar-te
Do que eu, a cada momento,
Aqui fiz, para ensinar-te:
- Nunca havemos de lembrar
Nem poderemos `squecer
Esta pureza lunar
Do que, pr´a nós, foi viver!
Fomos mães, somos poetas
E sentimos sempre mais
Os abraços que os cometas
Sabem dar aos animais!
Poema dedicado à minha amiga Minerva.
publicado às 15:18
Maria João Brito de Sousa
O RIO *
Mede-se a vida no fio
De uma linha equidistante
Entre a nascente de um rio
E a sua foz, a jusante… *
Às vezes o rio, teimoso,
Quer subir uma montanha
Que não pode e, furioso,
Lança-se em fúria tamanha *
Contra pedras e arribas,
Que acaba por ir passando:
Encontra as alternativas
Que antes não estava encontrando... *
Flui depressa ou flui sereno,
Mas prossegue a caminhada
E constrói sobre o terreno
Um simulacro de estrada... *
Já mais calmo, encontra a foz,
O ponto no qual, espraiado,
Vai mergulhar… como nós
Quando o fim tiver chegado *
Mas lá em cima, a montante,
Continua inda a caminho…
Tudo é mudança constante,
Nenhum rio morre sozinho! *
Mª João Brito de Sousa
Março - 2009
***
publicado às 15:52