Maria João Brito de Sousa
Beijo,
Bendito beijo em que renasci
Na floresta encantada onde me perdi,
Pequeno beijo engendrado
Entre inocência e pecado
Nos ramos do meu sentir…
Beijo,
Imprevisto beijo a que me prendi
Na floresta privada à espera de ti,
Inútil beijo esboçado
Num começo inacabado
Em que acabei por sorrir…
Beijo,
Insensato beijo em que eu antevi
Esse mundo inventado que percorri,
Beijo tal qual águas puras,
Carícias são diabruras
A que não sei resistir…
Beijo,
Sereno beijo
Que nunca tive
Na floresta encantada onde ninguém vive
Dos sonhos por descobrir,
Beijo,
Impossível beijo
Que nunca entendo
Na floresta queimada a que me não rendo
Nos limites de existir…
Maria João Brito de Sousa - 03.05.2010
IMAGEM RETIRADA DA INTERNET
NOTA - Hoje, como já deverão ter notado, publico um poema de rima livre. Depois o colocarei no Liberdades Poéticas, que é onde ele pertence por direito, mas pareceu-me bonito e muito musical e resolvi dar-lhe honras de blog principal.
publicado às 10:54
Maria João Brito de Sousa
Depois de quebrado o espelho
Fica a dúvida no ar...
Tanto espelho! Quanto espelho
Fica ainda por quebrar?
Mais um espelho que se quebra,
Mais um passo... e nunca acaba!
A vida é feita de espelhos.
Espelhos novos, cacos velhos
Quando uma vida se encerra...
Quando a luz se espelha em nós,
Quando, à hora da partida,
Nos sentimos menos sós,
Quando o espelho, já quebrado,
Separa o corpo da alma
E, depois, medo e pecado
Dão lugar a outra calma,
Já o espelho se quebrou
Já os cacos se esqueceram
Reflectindo o que ficou
Das coisas que nos prenderam...
Quantos cacos por aí
E nós sem nos darmos conta...
Quanto espelho eu já parti,
Quanta fachada de montra?
Quebrado o último espelho
Fica a dúvida a pairar...
Tanto espelho! Quanto espelho
Fica ainda por quebrar?
"Vida" - Pablo Picasso, 1903
Nota - Esta alegoria foi concebida como um grupo simbólico de significado aberto e trata-se de uma homenagem ao seu amigo Casagemas - o personagem masculino seminú - que, no ano anterior se suicidara por amor, em Paris.
In "Grandes Pintores do Século XX", Edições Globus, Barcelona, 1994
Imagem retirada da internet
Ainda "quebrando o espelho" no http://velucia.blogs.sapo.pt/
publicado às 14:32
Maria João Brito de Sousa
QUEBRANDO O ESPELHO *
Quebro a cara e fico em pé,
Quebro o espelho e jogo fora!
Fui eu quem quebrou, até,
A caixinha de Pandora... *
Quebro a cara nesta dança...
Que me importa? A dança é minha!
Quebro a cara, colo a cara,
Faço e desfaço uma trança
No tempo que me separa
Dos passos que dei sozinha! *
Colo o espelho que quebrei...
Colo, mas volto a quebrar!
Quantas vezes me não dei,
Quantas quis antes não dar? *
Quebro a cara e fico em pé,
Quebro o espelho e jogo fora!
Fui eu quem quebrou, até,
A caixinha de Pandora! *
Quebro o espelho, arraso o palco,
Colo a cara e quebro o espelho,
Colo o espelho e quebro a cara...
Quanto tempo me separa
Do tempo mais do que velho
Dos vestidos de tobralco? *
Colo o espelho que quebrei
Só pró voltar a quebrar...
Quantas vezes me não dei,
Quantas quis antes não dar? *
Quebro a cara e fico em pé,
Quebro o espelho e jogo fora!
Fui eu quem quebrou, até,
A caixinha de Pandora... *
Maria João Brito de Sousa
18.11.2015 -14.13h ***
"Joie de Vivre"- Pablo Picasso
Imagem retirada da internet
NOTA - Hoje toda a gente vai "quebrar o espelho" no http://velucia.blogs.sapo.pt/
Estão todos convidados a partir o vosso espelho!
publicado às 14:31
Maria João Brito de Sousa
Tenho fases (tantas fases...)
Em que fazendo o que faço,
Me esqueço de ser quem sou,
Me dou toda num abraço...
Tenho fases (outras fases...)
Em que me ponho a pensar,
Me esqueço de que me dou,
Fico em "molho de luar".
Tenho fases de saber
E fases de duvidar.
Sou, numas fases, mulher,
Noutras sou o que inventar...
Na maioria das vezes
A fase que me domina
É a fase dos revezes
Em que volto a ser menina.
Faço dos quartos da lua
O meu quarto-de-sonhar,
A minha sala é a rua
Em pura ascese lunar.
Tenho fases de saber
E fases de duvidar.
Sou, numas fases, mulher,
Noutras sou o que inventar...
Mas por mais que me divida
Em quartos lunares, marés,
Por mais que percorra a vida
E o mundo de lés-a-lés,
Só na lua é que descanso,
Só na lua é que me encontro...
Aspiro, neste remanso,
A deixar no mundo um ponto:
Partir sabendo quem és...
Tenho fases de saber
E fases de duvidar.
Sou, numas fases, mulher,
Noutras sou o que inventar...
Maria João Brito de Sousa - 13.11.2008 - 11.29h
publicado às 11:29
Maria João Brito de Sousa
Na memória dos sentidos
Rasgo a tela por nascer.
Depois sou cor e sou traço
De imagem por desenhar...
Sou a cinza do cigarro
Que acendo sem consumir
E o que está por consumar.
Assumo, no meu abraço,
Tudo o que der e vier
E estiver por inventar
Nos tempos que estão por vir.
CRIO!
In - "Arquétipos de Uma Mulher Interrompida"
Imagem - Pormenor da tela "Escorço - Grande
Pintora a Lápis de Cor"
Maria João Brito de Sousa, 2007
publicado às 12:29
Maria João Brito de Sousa
A MULHER DA LUA
*
Ouvi agora, senhores,
A história verdadeira
E muito singular
Da mulher que vivia
Num quarto de lua
Com vista para o mar
E usava estrelas cadentes
Em jeito de rosinhas-de-toucar
*
Da que fez o voto
De nunca desamar
E só pedia à vida
A etérea transparência do luar...
*
A saga começa
Dois mil anos antes do nunca-acabar
Com a história da mulher
Que pariu o menino que havia de voltar
*
Da que fugiu para o deserto,
Não por ter medo do dragão,
Mas pr`a poder chorar,
Da que continua ajoelhada
A procurar ,
Muda estátua de sal
Ou lava de vulcão depois de resfriar
*
Aquela a quem coube o destino
De sete noites,
Sobre cada sete noites,
Tresnoitar,
E das lágrimas choradas
Fez brotar
Um oásis na aridez lunar
*
Da que mataria a sede
Da alma mais sedenta
Que a soubesse encontrar,
Da que espera,
Sem mesmo acreditar,
O dia,
Dia a dia mais incerto
Em que o menino volte
Para a dessedentar.
*
Mª João Brito de Sousa
1993
***
publicado às 08:55
Maria João Brito de Sousa
À Natália Correia
No meu imperativo de criar
Sempre mais, muito mais,
Cada segundo,
Bebo poemas desde o sol raiar
Até se pôr,
P`ra dar descanso ao mundo...
.
E apesar da dádiva serena
Da rotina da luz
Dos nossos dias,
Há uma urgência,
Uma outra urgência extrema!
.
E só para criar mais um poema,
Nesta sede que nunca se alivia,
Nesta fome que, urgente,
Me condena,
Eu deixo o tempo todo em desatino;
.
Acendo o sol na noite,
O luar nos dias,
Por um poema,
Só mais um poema!
Maria João Brito de Sousa - 16.04.2008 -11.57h
.
Março de 2007 - Quebrando a orientação original
do poetaporkedeusker,
um poema de rima livre...
publicado às 11:57
Maria João Brito de Sousa
Não foi assim tão antigamente...
Foi há cerca de um tempo
Mais duas metades de dois tempos meios
Que uma voz, amiga certamente,
Embora longínqua, perguntou por mim
E eu, tão confusa, não me conhecia...
Sou mulher de um homem,
Respondia
E a voz insistia:
- Mulher, quem és tu?
- Sou mãe de um menino que não mora cá
E de três meninas que me querem muito,
Apesar da culpa, apesar de tudo...
E a voz repetia:
- Mulher, quem és tu?
Eu iria jurar que não mentia
quando respondia:
- Eu sou essa mãe, apesar do luto!
A voz não cedia quando perguntava
Do Espaço, do Tempo e outras coordenadas:
- Ó mãe dos teus filhos, diz-me quem és tu!
Onde moram as tuas horas carnais?
Onde guardas o corpo quando sais
E voas em busca do filho perdido?
Que fazem essas tuas mãos?
Que estrelas tão negras trazes nesse olhar?
Que morte tão estranha te veio buscar
E esqueceu teu corpo entre os teus irmãos?
E eu respondia
Sem me aperceber
Que me descrevia sem me conhecer:
- Sou a mulher do meu homem
E a mãe das minhas crias!
Procuro o que se perdeu, o que morreu mal nasceu
E não alcanço encontrar...
Mas a voz não se calava nesse eterno perguntar:
- Mulher, que é fe ito de ti?
Só a ti tens de encontrar!
Então procurei-me em mim
E vi que não estava lá...
Procurei-me em todo o mundo,
Do abismo mais profundo
À montanha mais escarpada,
Fui ao Nilo, fui ao Ganges,
Procurei-me em cada ventre
Das grutas mais ignoradas...
Devo ter percorrido o universo inteiro
Quando, de repente,
Encontrei um corpo que me não era alheio
E uma alma ardente
Onde cabia, exactamente,
A chama tão acesa do meu peito!
E juro
Que foi a primeira vez,
Em toda a minha vida,
Que aceitei a minha imagem denegrida,
Que me não importei de não ser entendida
E me orgulhei da estranha condição
De ser UMA MULHER INTERROMPIDA!
Maria João Brito de Sousa
publicado às 11:39
Maria João Brito de Sousa
Vislumbro as tuas asas de condor
No horizonte sensível do meu sonho
(do espelho ainda um corpo me sorri)
Inda a carne, talvez ainda a dor...
*
Este é o espólio que a teus pés deponho;
Vidas que vivo e a morte que morri...
Quantas vezes partilhámos tudo
Neste espaço a que o corpo me condena?
(medos, sorrisos, o espanto e a ternura...)
Nas obras deste mundo, ao dar-me conta,
Minha coroa é de espinhos tela e pena!
Tenho esta cruz de ser quem te procura
E o bálsamo de ser quem sempre encontra.
Maria João Brito de Sousa
-
02.04.2007
-
Este pequeno poema está assinalado, num dos meus" livros de rabiscos", como sendo o primeiro a ser escrito directamente no PC. Só agora reparo quão recente é esta minha abordagem às novas tecnologias... e quanto aprendi sozinha, porque a Banda Larga, por motivos de crise financeira (que persiste...), só entrou em minha casa há poucos meses...
Somos mesmo uns animaizinhos determinados, não somos?
-
10.02.08
publicado às 11:05
Maria João Brito de Sousa
De novo um poema que não é soneto. Nasceu assim e assim deu origem a este óleo sobre madeira...
AUTO-RETRATO
Sou um animal como outro qualquer
Pois coube-me em sorte
Ser bicho-mulher...
Mamífero-alado
Posto em vertical,
Mais perto de um anjo
Que de um ser carnal...
Às vezes sou planta,
Do sonho à raiz,
Só sei entender
O que a terra me diz...
Serei sempre o fruto
Daquilo que eu quis!
Maria João Brito de Sousa
publicado às 16:11
Maria João Brito de Sousa
Era mulher traçada a fio-de-prumo,
Vinda dos tempos primevos do Homem-vertical
Dia a dia, percorria o rumo
Que fazia do dia vindouro
Um dia insuportavelmente sempre igual
Era de noite que brincava aos fantasmas
E se diluía nos incontáveis ectoplasmas
De almas que foram e das que estão por vir
Por isso acordava anoitecida
Sem nunca estar segura
De ter acordado
Do lado-de-cá da vida
Ora sonhava sonhos acordada,
Ora cantava estando adormecida
Difícil, foi-lhe ser multiplicada
Por quem sempre a pedira dividida...
Maria João Brito de Sousa - 1990 (?)
publicado às 22:13
Maria João Brito de Sousa
Quando iniciei este Blog tinha em mente publicar, apenas, sonetos clássicos de dez sílabas métricas. Era a minha homenagem à Poesia, em geral, e ao Soneto, em particular.
Parece que não há, mesmo, regra sem excepção...
O próximo Post mostrar-vos-á mais um trabalho meu a aguarela e pena e um poema de rima livre que tem, exactamente, o mesmo título do quadro.
publicado às 21:36