Maria João Brito de Sousa
Ainda que ilusório este meu mar
E desmentida a sua força bruta,
Tudo faria pr´ó reconquistar,
Tudo faria, excepto dar-lhe luta,
Pois nunca lhe tentei sequer escapar
E toda me fiz mar nesta permuta
Dos líquidos caminhos por explorar
No mapa desta força que os recruta...
Se neste fim-de-Tejo me fiz gente,
Ao mesmo fim-de-Tejo entrego a vida
Tentando ser-me, ainda, água corrente
Que muito embora escassa e poluída,
Encara o mar que a espera bem de frente
E sempre em frente ruma, decidida.
Maria João Brito de Sousa - 20.04.2017 - 12.13h
Tela de Rob Gonçalves
publicado às 12:08
Maria João Brito de Sousa
DESEJOS VÃOS
Eu qu’ria ser o Mar d’altivo porte
Que ri e canta, a vastidão imensa!
Eu qu’ria ser a pedra que não pensa,
A Pedra do caminho, rude e forte!
Eu qu’ria ser o Sol, a luz intensa,
O bem do que é humilde e não tem sorte!
Eu qu’ria ser a árvore tosca e densa
Que ri do mundo vão e até da morte!
Mas o Mar também chora de tristeza...
As Árvores também, como quem reza,
Abrem, aos Céus, os braços, como um crente!
E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia,
Tem lágrimas de sangue na agonia!
E as Pedras... essas... pisa-as toda a gente!..
Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"
REFLEXÕES...
"Eu queria ser o Mar d`altivo porte",
Sentir-me a flutuar na vaga imensa
Que se ergue prepotente, irada, tensa,
Pr`a desfazer-se em espuma, num desnorte...
"Eu queria ser o Sol, a luz intensa",
O brilho luminoso, o raio forte
Que, aceso, nos aquece e recompensa,
Mas nos foge a seguir, tal como a sorte...
"Mas o Mar também chora de tristeza",
Desfaz-se a vaga em espuma e, sem surpresa,
Rende-se à noite escura o astro ardente
"E o Sol altivo e forte, ao fim dum dia",
Vai concedendo à Lua a primazia
De um brilhozinho suave e transparente...
Maria João Brito de Sousa - 09.02.2016 - 14.27h
publicado às 15:55
Maria João Brito de Sousa
Sou bicho velho e duro de roer…
Discordo, cá por dentro, a toda a hora,
Não torço e nem quebrando eu “salto fora”
E nunca disse “sim” a um qualquer!
Mas qual raio de sol – um só me basta –
Encanto-me e sorrio e aquiesço…
De forma pendular eu sonho e cresço
Permanecendo firme, embora gasta…
Sou bicho que mudou sem se mudar…
Sigo em frente, porém, sem me esquivar
Àquilo que esta vida me proponha…
Não procuro… nasci para encontrar
Aquilo que nem eu quis procurar…
Mas nenhum dos meus sonhos me envergonha!
IMAGEM RETIRADA DA INTERNET
publicado às 12:08
Maria João Brito de Sousa
Eu sempre amei, nas pedras da calçada,
As mil ervas-moirinhas que despontam,
Que sobem para o alto e nos apontam
A força de uma vida que é negada…
Pr`a mim, que sou fiel à minha estrada,
Essas pequenas vidas que não contam
São émulos perfeitos que remontam
À génese de mim, já condenada…
As pedras que eu amei, as que aqui piso,
Que me rasgam na face este sorriso,
Com as quais desde já me identifico,
São coisas quase vivas, quase minhas,
Das quais nascem as tais ervas-moirinhas
De que eu, sendo quem sou, jamais abdico!
IMAGEM RETIRADA DA INTERNET
publicado às 15:20
Maria João Brito de Sousa
http://www.pibvp.org.br/arquivos/imagens/artigos/img_50.jpg">
Trago luas nos bolsos, nas bainhas,
Nas fímbrias mais recônditas do ser
E outras mil que ainda irão nascer
Pr`a compensar mil outras penas minhas.
Hão-de brotar as luas, quais grainhas,
Por toda e qualquer parte onde eu estiver!
De cada lua-nova que crescer
Nascerão luas-cheias, redondinhas...
Hoje eu amo o luar como quem ama
O Mar, a Terra, a Vida e todo o Céu,
Além, muito pr`além do que é visível!
Hoje um quarto-crescente acende a chama
Que a lua, ainda nova, em si escondeu
Enquanto a escuridão lhe foi possível...
NOTA - Soneto inspirado no poema "Uma Lua em Cada Mão" de Lisdália Viegas dos Santos, in http ://ospoetasdaapp.blogs.sapo.pt/72931.html
Imagem retirada da internet
publicado às 12:05
Maria João Brito de Sousa
Sou caixa de Pandora feita à pressa
Na mesa de madeira sem raiz,
Apenas enfeitada com verniz
Construída entre dúvida e promessa…
Caixinha toda feita peça a peça
Dessa madeira velha que eu não quis
Mas que volta a tornar-me tão feliz
Assim que a brincadeira recomeça…
Caixinha da surpresa… presa… presa
Ao recomeço, ao tempo pendular,
A esse eternizar de uma criança
Que nunca poderá sair ilesa
Do que a caixinha um dia revelar
E de um jogo que cansa… cansa… cansa…
Imagem retirada da internet
publicado às 14:08
Maria João Brito de Sousa
SABE LÁ...
*
Não sabe se é soneto o que escreveu...
Não sabe e não se importa. Está cansada.
Corre o tempo ao contrário pela estrada
Do traço que traçou e que era seu
*
Não sabe se é soneto ou se não é
Nem sabe o que é que os outros vão dizendo,
Mas não sabendo nada, vai podendo
Naufragar nestes versos. E tem fé.
*
Vai-se lembrando ainda, vagamente,
De tudo o que deixou por entre a gente,
De quanto ninguém nunca lhe pediu
*
Vai-se lembrando, enquanto se não esquece
Do que ainda quer dar a quem merece
Sem sequer entender que já partiu.
*
Mª João Brito de Sousa
12.01.2009
***
publicado às 22:59
Maria João Brito de Sousa
O caso da Mulher-Que-Traz-Cometas
(porque assumiu a sua condição
e vive nesta humana dimensão
sonhando o Paraíso dos Poetas)
É um caso verídico, actual
E nada, mesmo nada, a mudará.
Será cometa enquanto andar por cá
(embora o mundo seja virtual...)
A Semeia-Cometas sempre o foi...
Por mais que o mundo toque onde lhe dói,
Tem o seu testemunho pr`a passar.
A mulher traz cometas nos seus braços
E alheia a confusões e a cansaços
Continua entre nós a semear...
(continuação)
Continuação do caso verdadeiro
Da Mulher-Dos-Cometas-Virtuais:
- A história já vendeu tantos jornais
Que acabou por correr o mundo inteiro!
Tanta tinta correu por causa dela
E tantas edições foram esgotadas,
Que até duas velhinhas entrevadas
Vieram a correr para a janela!
Procura-se a Mulher-Que-Traz-Cometas!
Consta que, em tempos, teve tranças pretas
E veste sem requinte e sem cuidado.
Procura-se por excesso de verdade.
Procura-se por falta de vaidade.
Procura-se por estar no mundo errado!
(epílogo)
A Mulher foi julgada em tribunal.
Acusada de "porte de cometa",
A ré dá pelo nome de Poeta
E mantém a postura marginal.
Não nega nem confessa o que já fez,
Sorri quando a confrontam c`os lesados
E trouxe mil cometas pendurados,
Tentando semear, mais uma vez!
O Caso dos Cometas decorreu
Na arena deste nosso Coliseu,
Numa sessão de porta bem fechada.
Dois milénios de pena, em domicílio.
Não pensa em recorrer, recusa auxílio,
Não está arrependida e não diz nada.
Ao Fisga com o desejo de rápidas melhoras.
Ao Carlos Magalhães porque me faz lembrar
Hércule Poirot.
Ao Sapo que, há mais de um mês, se debate com a terrível pandemia da "caixa de correio fulminante".
(imagem retirada da internet)
publicado às 13:38
Maria João Brito de Sousa
EM CADA NOVO OUTONO
Sempre que for Outono, eu estarei lá,
Nas folhas velhas, mortas e douradas,
No murmurar das árvores cansadas,
No Sol que se despede: - Eu volto já!
Há lágrimas no céu, de quando em quando,
E o vento vai gemendo de mansinho
Quando o Tempo prepara o seu caminho
Para o novo Natal que vai chegando.
São crianças, as tardes e manhãs
E as noites, a crescer, são como irmãs
Do eterno labutar da nossa vida
E, a cada novo Outono, eu lá estarei
Cantando o tal Natal que vislumbrei
Na vida que vivi tão de fugida.
Maria João Brito de Sousa - 29.09.2008 - 11.30h
Imagem retirada da Internet
publicado às 11:30
Maria João Brito de Sousa
Amigos, sou aquela que tocou
Por um segundo, só por um momento,
A túnica de luz que iluminou
A morte que ditara o meu tormento.
Nesse breve segundo, o sofrimento
Que meu humano corpo trespassou,
Passou de dor a paz e deu alento
À nova vida que essa luz gerou.
Agora que me escrevo entre dois mundos
Que invento entre morrer e acordar,
Como "ponto" que lê quanto estribilha,
Sou, qual cenário, qual pano-de-fundo,
O actor que sempre teima em não calar
A gratidão imensa da partilha.
Maria João Brito de Sousa - 20.02.2008 - 11-25h
publicado às 11:25