Maria João Brito de Sousa
Nestas reviravoltas da palavra,
Onde eu encontro a luz é onde ecoa
A voz que se não cala e que ressoa
Quando o espinho da vida em mim se crava.
Adormece esta chama a arder em mim
Numa urgência de SER que me deslumbra
E emerge um novo vulto da penumbra...
O corpo de um poema nasce enfim!
Eco de mim, suponho, eu dou-me inteira,
Memória duma vida ... eu, verdadeira,
Presumo-me inocente e sou culpada...
No tronco da palavra eu sou palmeira,
Num fruto, em cada flor, amendoeira,
Mas para muita a gente eu nem sou nada...
Maria João Brito de Sousa - 09.07.2016 - 23.00h
O AUTISTA-Pastel de Óleo, 60x60cm
Maria João Brito de Sousa - 2006
publicado às 23:00
Maria João Brito de Sousa
Um abraço, um sorriso, um beijo breve,
Um poema a nascer desse momento,
Numa manhã que traz um novo alento
A quem, de tanto dar, já nada deve...
À força de sonhar, quem tanto escreve,
Alimenta de sonho o seu talento
E distribui depois esse alimento
Como se a própria dor lhe fosse leve
E nasce um novo dia, uma promessa,
Nessa flor de ideais que recomeça
Na estranha imposição da nova ideia
Na palavra engendrada - uma raiz -,
Floresce, desabrocha, é tão feliz
Quanto a força que a fez e que a norteia!
Maria João Brito de Sousa - 23.06.2008 - 12.26h
(Agora mesmo, directamente no post)
Imagem - Gestação Floral - 100x70cm
Pastel de Óleo e Acrílico - Maria João Brito de Sousa 1999
publicado às 12:26
Maria João Brito de Sousa
Eu tenho o nobre toque das areias
Do meu pequeno-imenso Portugal
E vivo em transparências de cristal
S obre uma estranha fome de alcateias
*
Eu, esboço de tritões e de sereias
Num traço decidido, horizontal,
Renasço, para o bem e para o mal,
Da cópula carnal de mil ideias...
*
Aqui cresci! Castelo em construção
De um sonho e da raiz de uma ilusão
Na qual naufraga um mar todos os dias,
*
Descrevo-me em longínquas caravelas,
No sol, na lua e nos milhões de estrelas
Em que a dor espanto, à força de ironias.
*
Maria João Brito de Sousa
05.06.2008 - 11.56h
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publicado às 11:56
Maria João Brito de Sousa
Um gato é um poema que Deus fez
Num dia em que, sentindo-se feliz,
Quis ofertar ao mundo um aprendiz
Da felicidade eterna e sem porquês
Mas, depois de o criar, pensou, talvez;
- Fosse o homem tal qual como eu o quis,
Assumindo-se assim, como eu o fiz,
Teria, também ele, estas mercês...
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Viver, amar a vida e procriar!
Ser curioso, ir indo à descoberta
De tudo o que há em volta e mais além...
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Ser tanto e ainda assim poder sonhar!
Ó alma! Ser-se assim, pura e liberta
Desta insatisfação que um homem tem...
Maria João Brito de Sousa - 17.05,2008 - 11.42h :)
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publicado às 11:42
Maria João Brito de Sousa
Serei sempre uma ilha de paixões
Rodeada de mundo a toda a volta...
Deserta por decreto da revolta
Que me encheu de lagoas e vulcões...
Em mim os animais são aos milhões,
Correndo como o verso, à rédea solta,
Pois por cima da lava que me solda
Lavrei um verde manto de ilusões
E neste Paraíso em que me dou,
Entre ervas, embondeiros, brancos lírios,
Sou Arca de Noé de âncora presa!
Talvez alguém duvide do que sou,
Talvez seja mais um dos meus delírios,
Talvez seja uma forma de defesa...
Maria João Brito de Sousa - 2008
Um dos poemas que foi a concurso no Prémio de Poesia Palavra Ibérica.
Na Imagem - Uma tela de KI - trapezio.blogs.sapo.pt
publicado às 11:17
Maria João Brito de Sousa
De quantas meias-luas serei feita?
Quantas, ó lua irmã, serei de ti?
Em quantas meias-luas me vivi
Neste anseio lunar de alma imperfeita?
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Em quantas meias-luas já desfeita
Chorei por me dizeres que te menti?
E feita meia-mar serei, por ti,
A outra meia-lua, a tua eleita!
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Ah! Quanto mar na Lua que vou sendo,
Ou quanta lua em mim, neste meu mar
E quanto estranho amor entre esses dois;
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No espelho desse mar é que vou vendo
Os meus cabelos brancos, de luar,
À espera de um luar que vem depois...
Maria João Brito de Sousa - 03.05.2008 - 13.04h
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Dedicado a duas amigas que acreditam que eu "ficarei" mais jovem se pintar o cabelo. E para que raio quereria eu "parecer" mais jovem?
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"Harmonia e Preconceito", 40x30cm, Acrílico e Pastel de Óleo s/ Canson
(entre-vidros)
publicado às 13:04
Maria João Brito de Sousa
Passagem! Eu, por cá, estou de passagem!
Passo por esta vida e vou deixando
Sementes do que for congeminando,
Porque assim se me cumpre esta viagem
E passo até por ti, que adivinhaste
Meus versos de semente abrindo em flor
Pois assim deve ser enquanto for
Preciso semear no que sonhaste...
Passagem! De passagem se semeia,
De passagem se colhe esse sonhar
A despontar em nós que o semeámos,
De passagem se vive uma epopeia,
Se rasgam novas rotas pelo mar,
Se sobrevive ao sonho que sonhámos!
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II
Eu passo pelo mar, passo por terra
E é no ar que construo o meu poema
Enquanto, lá de baixo, a vida acena
Com todos os mistérios que ela encerra
E desconstruo o sonho e volto à vida,
Vou decifrando mais e, deslumbrada,
Retomo a minha eterna caminhada
Em direcção à Terra-Prometida
Pois passo e no passar é que desvendo
Os segredos do mundo, o que ele murmura
Enquanto o tempo passa como eu passo
E quanto mais passar, mais eu aprendo;
É viagem de estudo à sepultura,
Mas nunca passará quanto aqui faço...
Maria João Brito de Sousa - 29.04.2008 - 12.27h
publicado às 12:27
Maria João Brito de Sousa
Esta parte de mim nunca tem fundo;
É um poço, um abismo, um nunca-acaba!
Se nela caio, já ninguém me agarra
Que esta parte de mim é de outro mundo...
Nesta parte de mim, quando caminho
Neste fio-de-navalha em que me vivo,
Descubro os sonhos novos que cultivo
E que cheiram a mel e rosmaninho...
É aqui, neste espelho em que me mostro,
Que sou mais eu, que sou mais verdadeira,
Que dispo outras roupagens que me cobrem
Noutra imagem de mim, quando demonstro
Que, apesar de dispersa, fico inteira,
Muito além das feições que aqui me morrem...
Maria João Brito de Sousa - 21.04.2008 - 13.19h
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Fotografia - Pormenor da tela homónima deste poema, de Georges Rouault
Paris, 1906
publicado às 13:19
Maria João Brito de Sousa
Eis o poema! Nasce e quer ser visto
Pois traz um eco, um grito, uma missão:
- Nasci e sou poema, ó multidão!
Sou feito de palavras, mas existo!
Cumpri-me e sou poema! A minha voz,
Seja grito, lamento ou gargalhada,
Jamais irá render-se ou ser calada
E ecoará, talvez, dentro de vós...
Ah! Quanto humano sonho em mim carrego!
E que imensa certeza eu trago em mim
Quando nada me prende ou me acorrenta...
De quanto houver em mim, nada vos nego;
Desvendo o que souber, sou mesmo assim,
Sois vós quem me dá vida e me acrescenta...
Maria João Brito de Sousa
09.04.08 - 9.00h
Soneto dedicado a todos os meus amigos, sem excepção, e a todos os que casualmente por aqui passarem, contribuindo assim para o nascimento de mais poemas.
publicado às 11:44
Maria João Brito de Sousa
MARIA-SEM-CAMISA XIII
*
Não vive no seu tempo, esta Maria!
Vive dos amanhãs que estão por vir
E venha quem vier pr`á desmentir,
Maria ri, por dentro, e desafia,
Desafia quem julgue que a sabia,
Porque essa sem-camisa vive a rir
E não há quem entenda o seu sentir
Pois, podendo ter tudo, nada qu`ria
*
E quando alguém a tenta intimidar,
Maria-Sem-Camisa, num sorriso,
Regista o que foi dito e diz que sim,
*
Mas, assim que se cale o que o tentar,
Maria, sem fazer qualquer juízo,
Sorri, sorri por dentro, até ao fim.
*
Maria João Brito de Sousa - 2008.02.06 - 02.59h
publicado às 02:59
Maria João Brito de Sousa
De novo um poema que não é soneto. Nasceu assim e assim deu origem a este óleo sobre madeira...
AUTO-RETRATO
Sou um animal como outro qualquer
Pois coube-me em sorte
Ser bicho-mulher...
Mamífero-alado
Posto em vertical,
Mais perto de um anjo
Que de um ser carnal...
Às vezes sou planta,
Do sonho à raiz,
Só sei entender
O que a terra me diz...
Serei sempre o fruto
Daquilo que eu quis!
Maria João Brito de Sousa
publicado às 16:11
Maria João Brito de Sousa
TRABALHO
*
Sou um perfeito exemplo do empenho;
Passo dias e noites acordada,
Trabalho quanto posso e, já cansada,
Continuo de pé, pois vou e venho.
*
Se quero descrever-me, é num desenho
Em que posso falar estando calada,
Nesta infinda tarefa concentrada,
Como se me talhassem dum só lenho.
*
Não paro de pensar! Só o cigarro
Me acompanha nas horas criativas,
Porque, afinal de contas, sou humana
*
E esta vocação de "deus-de-barro"
Que me transforma as mãos em rodas vivas,
Já não me deixa tempo para a cama!
*
Maria João Brito de Sousa - 28.01.2008 - 11.12h
NOTA - Refiro-me ao tempo em que ainda pintava... e era assim mesmo que, frequentemente, os meus dias e noites se passavam.
publicado às 11:12