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poetaporkedeusker

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UM BLOG SOBRE SONETO CLÁSSICO

Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores. ...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
05
Dez23

FOLHAS - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

MR no almoço HP 2023.jpg

FOLHAS - Coroa de Sonetos

Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

1.
*
Ainda há folhas verdes e amarelas

Nos ramos do carvalho ao alto erguido

Resistem ao inverno aparecido

As verdes são mais fortes do que aquelas
*


Que caem mais depressa, como estrelas

Cadentes, num adeus enternecido

Depois rolam no chão humedecido

Vemo-las mais de perto e são tão belas!
*

As verdes ficam presas lá no ar

Suspensas como aves pelos céus

Mas sem sair do ramo nem voar
*


Do chão não vemos nós os olhos seus

Senão talvez se vissem a chorar

Pelas irmãs que vão sem um adeus
*
Custódio Montes
3.12.2023
***

2.
*
"Pelas irmãs que vão sem um adeus"

Não chorarão as folhas que, ficando,

Ignoram que a seguir estarão voando

Em loucos remoinhos pelos céus
*


Pra formarem, depois, pequenos véus

Sobre o chão, sob os pés que as vão pisando...

Soltam-se agora algumas como um bando

E uma lágrima cai dos olhos meus
*


Tombam as folhas velhas e cansadas,

Mas dentro em breve as novas brotarão

E da nudez das árvores geladas
*


Nascerão folhas verdes em botão...

Falham-me agora as rimas, desoladas,

E espalham-se-me inúteis sobre o chão.
*


Mª João Brito de Sousa

03.12.2023 - 15.25h
***

3.
*
“E espalham-se-me inúteis sobre o chão”

Mas mesmo assim encontra-se beleza

Ao ver as mutações da natureza

Conforme vai mudando a estação
*

E basta olhar e ver com atenção

Que cada folha tem a singeleza

De ter a vida curta e a certeza

De cair como as outras cairão
*


Pois tudo tem um fim, é passageiro

Cada coisa tem seu acontecer

Umas vão-se depois outras primeiro
*

E cada dia isso é bom de ver.

Mas o belo ao se olhar prazenteiro

Como a folha ao nos dar tanto prazer
*

Custódio Montes
3.12.2023
***

4.
*

"Como a folha ao nos dar tanto prazer"

Assim são as pequenas alegrias,

Esses raios de sol que às manhãs frias

Vêm iluminar e aquecer
*


Tudo tem prazo, doa a quem doer,

E há sempre um fim prás nossas energias

Mas enquanto vivemos somos vias

Pra tudo o qu`inda está pr`acontecer
*


Passageiros, é certo, mas humanos

E cada um de nós com seu talento,

Vamo-lo propagando ao longo de anos
*


Clamamos a atenção do desatento

E mesmo sendo já velhos decanos

Poetamos em rajadas como o vento!
*


Mª João Brito de Sousa

03.12.2023 - 17.15h
***
5.
*

“Poetamos em rajadas como o vento”

Que soa nas quebradas dos outeiros

Como os anunciantes pioneiros

Com voz sonora e cheia de talento
*

A boa nova chega de momento

Com badalados tons sempre certeiros

Bem ao alto espalhadas por sineiros

Audíveis e agradáveis a contento
*


O tema é a folha que caiu

E deixou no carvalho a sua irmã

Depois de ao chão cair ela fugiu
*


E deixou de se ver pela manhã

Bem triste, a sua irmã jamais a viu

E aqui se canta a fuga com afã
*


Custódio Montes
3.12.2023
***

6.
*

"E aqui se canta a fuga com afã"

Fechando o ciclo da renovação

Para que as folhas mortas pelo chão

Dêem lugar às folhas de amanhã
*


Se a vida é curta, que não seja vã,

Que nenhum verso nosso nasça em vão

E que o Soneto, escrito com paixão,

Seja tão tentador quanto a maçã...
*


Sei que o tema é a folha, nunca o fruto,

Mas ambos nascerão do mesmo galho

E de uma mesma mãe serão produto
*


Enquanto se desnuda o seu carvalho,

Eu luto pra vencer um duro luto

E às vezes - tantas vezes... - sei que falho.
*


Mª João Brito de Sousa

03.12.2023 - 21.00h
***

7.
*
“E às vezes - tantas vezes - sei que falho”

Mas falhar é humano notem bem

Aposto, todos falham e ninguém

Dirá que nunca fez esse trabalho
*


Cada um pendurado no seu galho

Deixará ver esse erro que se tem

Falhando como os mais ele também

Nem que seja tão só mesmo um migalho
*

Desviei-me do assunto nestes versos

Porque o tema é a folha e o seu cair

Não outros diferentes ou diversos
*


Ver a folha no ramo a ir e vir

E depois por motivos mui adversos

Vê-la solta a voar e a fugir
*


Custódio Montes
4.12.2023
***

8.
*

"Vê-la solta a voar e a fugir"

Foi o que motivou esta ousadia

De fazer algo no qual nem eu cria

Que pudesse avançar e concluir...
*


Dança a folha ao descer e ao subir

Ao sabor da gelada ventania

E eu, que mal me mexo, gostaria

De ser folha tão só pra não sentir
*


Ou pr`aceitar a dor naturalmente

Sem que essa dor me fira como agora...

Dançar ao vento e ser uma semente
*


Em vez disto que sou, que sofre e chora,

Por um amigo que, de tão doente,

Nem sonha que o que sou por ele implora.
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.12.2023 - 00.50h
***


9.
*

“Nem sonha que o que sou por ele implora”

Como manda a justiça e a gratidão

Porque era para mim como um irmão

E sinto-o a sofrer e a ir-se embora
*


Por isso também sofro hora a hora

Com a minha fraqueza e condição

E a angústia que me vai no coração

Com esperança a ver se ele melhora
*


É triste ver partir quem nós amamos

Mas a vida é amar e é sofrer

E nessa condição todos estamos
*

Sentimo-nos em baixo a padecer

Mas a alegria vem quando lembramos

Momentos que tivemos de prazer
*

Custódio Montes
4.12.2023
***

10.
*

"Momentos que tivemos de prazer",

El`cheio de saúde e eu doente

Mas, por ele amparada, sorridente

Que tanto então julgava assim poder...
*


Agora partirá sem eu o ver...

Há tanto tempo que se encontra ausente,

Que eu julgo ser a folha inda pendente

Que à folha em queda quer tentar reter
*


Faz frio lá fora e dentro do meu peito

Não sei se há sangue ou seiva ou só tristeza...

Espero por ele ou simplesmente aceito
*


Que caia a folha que julguei bem presa?

O meu pequeno mundo era perfeito

E hoje nem de existir tenho a certeza...
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.12.2023 - 13.50h
***

11.
*
“E hoje nem de existir tenho a certeza”

Mas existe-se sempre enquanto há vida

E deixam-se os tormentos à deriva

Esquecem-se ao olharmos a beleza
*


E nesse olhar e ver com singeleza

Tomamos a cautela que é devida

Pomos a poesia ao alto erguida

E construímos nela a fortaleza
*


E firmes sempre em frente a caminhar

Com bela e poética passada

E flores lado a lado a enfeitar
*

A vida tem beleza assim pensada

E sempre a andar risonhos e a cantar

Sem esses condimentos não é nada
*


Custódio Montes
4.12.2023
***

12.
*

"Sem esses condimentos não é nada",

Nem se honra a bela folha que caiu:

Escrevamos mesmo presos por um fio

Ao mais pequeno galho da ramada
*


E se a partida dói qual espadeirada

Ou nos sentimos quase em desvario,

Honremos esse irmão que hoje partiu

Com uma c`roa que há-de ser lembrada
*


Como a folha mais verde e mais pujante

De um carvalho por mim imaginado

Numa terra de sonho, algo distante,
*


Que o vento quis levar no seu bailado

Para a deixar tombar mais adiante

Num gesto sem sentido e não pensado...
*

 

Mª João Brito de Sousa

04.12.2023 - 22.30h
***

13.
*

“Num gesto sem sentido e não pensado…”

A folha foi levada e lá caiu

O vento tresloucado soprou frio

Sempre, sempre mais forte e mais gelado
*


O sol ia caindo e já deitado

Fez aumentar o vento e o calafrio

Que cada vez mais fraco e doentio

Enregelou à volta o chão molhado
*


Tremia já a folha e o vento norte

Aumentou sua força e a ventania

Ingente e enovelada, bem mais forte
*

Fez com que a folha, muito fraca e fria,

Voasse ao deus-dará e já sem sorte

Ninguém a visse mais ao vir o dia
*


Custódio Montes
5.12.2023
***

14.
*

"Ninguém a visse mais ao vir o dia"

Mas embora ninguém pudesse vê-la,

Persiste no meu peito, é verde, é bela,

Sorri ainda e ainda me alumia
*


Que, às vezes, a amizade, por magia,

Transforma a folha morta numa estrela

E nunca, nunca mais se esquece dela,

Por mais forte que sopre a ventania...
*

 

No Outono da vida, o vento colhe

As folhas secas, mas não colhe aquelas

Que nosso coração protege e escolhe
*


Quando a amizade as transmutar em estrelas,

Gritaremos à dor que hoje nos tolhe:

-"Ainda há folhas verdes e amarelas"!
*


Mª João Brito de Sousa

05.12.2023 -11.20h
***

Ao Manuel Rui do Canto Dias Duarte Ferreira

29.05. 1961- 04.12.2023
*

Reservados os direitos autorais
***

 

 

 

 

21
Set23

UM PASSEIO COM CUSTÓDIO MONTES

Maria João Brito de Sousa

COM A ARVORE DA BORRACHA (4).jpg

UM PASSEIO COM CUSTÓDIO MONTES
*
Coroa de Sonetos
*

1.
*

Ao andar, a tristeza vai-se embora

Que vejo lindas moças a passar

Também cravos e rosas ao olhar

E vem-me uma alegria acolhedora
*

Desenvolvo, ao andar, força motora

Que me faz ir mais longe a caminhar

Fortalecem-se os músculos a andar

Sentindo-me melhor a cada hora
*

Vejo cravos e rosas, raparigas

Que me inspiram no verso e nas cantigas

Ao olhar o seu rosto e o seu seio
*


Vejam bem o que ganho, pois remoço

Ao andar sem cansaço e pouco esforço

E a ver coisas lindas no passeio
*

Custódio Montes
19.9.2023
***

2.
*

"E a ver coisa lindas no passeio"

Apesar dos tropeços e dos sustos,

Sou tentada a espreitar entre os arbustos

De onde emana um dulcíssimo gorgeio
*


Um melro distraído em seu recreio

Consigo vislumbrar sem grandes custos

E sinto-me a mais brava dentre os justos

Por ter vencido incómodo e receio!
*


Correm crianças junto do canteiro

Nestes cinquenta metros do carreiro

Que vai da minha porta ao cafezinho
*


Mas não fora a bengala que me ampara,

Nem esse quase nada eu avançara

Que é cada vez mais duro o meu caminho...
*

Mª João Brito de Sousa

19.09.2023 - 16.00h
***


3.
*
“Que é cada vez mais duro o meu caminho”

Porque já avançou a minha idade

E mesmo que eu siga com vontade

As pernas já me cansam um pouquinho
*


Mas para mostrar força ao vizinho

Na rua vou com mais velocidade

Levanto o peito impante com vaidade

E para não sofrer vou com jeitinho
*

Faço por parecer que sou um jovem

E para que os que passem o comprovem

Eu ando com um ritmo bem veloz
*

Mas quando chego a casa já cansado

Deito-me a descansar um bom bocado

E só mostro a fraqueza quando a sós
*


Custódio Montes
19.9.2023
***

4.
*
"E só mostro a fraqueza quando a sós"

Me encontro com meus versos... mas sem Musa

Porque ela odeia ver-me assim, contusa,

E ainda que me tolha dor atroz
*

Monta no seu cavalo e vai veloz,

Sem qu`rer sequer ouvir a minha escusa,

Pra onde o corpo meu se me recusa

A tentar alcançar, ficando nós
*


Eu e a dor que maldigo e me maldiz,

Achacada talvez, não infeliz,

Que sempre acabo assim, nem mal, nem bem:
*


Acostumada à dor já eu vou estando

E se uma musa parte cavalgando,

Outra qualquer ressurge e me sustém!
*


Mª João Brito de Sousa

19.09.2023- 20.00h
***

5.
*
“Outra qualquer ressurge e me sustém”

E assim eu vou andando devagar

Sento-me na parede, volto a andar

A musa às vezes vai atrás também
*


Por norma inspiração ela contém

Pensa, escreve, corrige sem parar

Eu tomo as minhas notas e a olhar

Caminho mais um pouco e o verso vem
*

O tempo passa, anda mais depressa

A musa vai-se embora e regressa

Outras vezes amua e vai embora
*

Quando chego a casa já nem sei

Se o verso se compôs e se rimei

Ou se o poema vem ou se demora
*

Custódio Montes
20.9.2023
***

6.
*

"Ou se o poema vem ou se demora",

Eis o que a toda a hora me espicaça

A alma, sob a velha carapaça

Do corpo estropiado no qual mora
*


E enquanto envelhecendo, hora após hora,

Esta estranha incerteza me trespassa,

Vou-me enchendo de rugas porque a traça

Se faz pagar bem cara... mas valora!
*


Passeio - mais por dentro que por fora-

E nasce em mim a fauna e cresce a flora

Que o tempo em mim semeia enquanto passa
*


E quanto mais o tempo me decora,

Mais este corpo gasta e det`riora,

Mas mais a minha Musa aumenta em graça!
*


Mª João Brito de Sousa

29.09.2023 - 14.30h
***

7.
*

“Mas mais a minha musa aumenta em graça!”

Porque tem lá por dentro o pensamento

Que extravasa cá fora de momento
*

E apanha com élan tudo o que passa

Depois juntando a musa à sua raça

Envolve o seu poema com talento
*

Que a gente sabe bem ser um portento

E cobre-o de beleza e assim o enlaça
*

Andar é bem preciso para mim

Porque se não andasse julgo, enfim,

Que a minha musa nunca me ajudava
*

A dar um lindo enfeite ao meu poema

E para o escrever era um dilema

Porque estando eu parado ela amuava
*

Custódio Montes
20.9.2023
***

8.
*

"Porque estando eu parado ela amuava"

Tal como a minha amua se eu, teimando,

Me esforço para andar e tropeçando

Caio e nem sequer saio de onde estava...
*


Porém, não sendo dela mera escrava,

Posso bem dispensá-la... ao meu comando

Irá meu coração, mesmo mancando,

Cobrar da Musa o que ela me cobrava
*

Se o cavalo-de-fogo é meu também,

Se somos filhas de uma mesma mãe

E de um só corpo estamos dependentes
*

Somos apenas uma, tu e eu...

Sofrerá uma o que outra já sofreu,

Chorando um dia e, noutro, sorridentes.
*


Mª João Brito de Sousa

20.09.2023 - 20.20h
***

9.

*
“Chorando um dia e, noutro, sorridentes”

Porque a alma e a musa em unidade

Andam, mesmo paradas, na cidade

Trabalham como moiras permanentes
*

Não descansam e até mesmo doentes

Andam a magicar, pois, na verdade,

Não param no seu reino a majestade

De musa e alma tão eloquentes
*

Mas eu transporto a musa a passear

Que ela segue contente a me inspirar

E se a sinto cansada então descanso
*

Sentamo-nos num banco e encostados

Fica-nos livre a mente e abraçados

Mais facilmente a ideia eu alcanço
*

Custódio Montes
20.92023
***

10.
*

"Mais facilmente a ideia eu alcanço",

Mais esta tresloucada e velha Musa

Correndo se me escapa e me recusa

Do verso o suave e pendular balanço...
*


Ainda agora, qual touro não manso,

Tentou mudar de ritmo... e eu, confusa,

Vi-me aflita, lhe juro, que ela abusa

E não segue o compasso em que eu avanço!
*


Uma única vez me aconteceu,

Vê-la muito mais forte do que eu,

Mudar-me um hemistíquio todo inteiro,
*


Impor-me as cinco sílabas sonoras

E deixar-me um vazio que durou horas

Nas teclas e na tinta do tinteiro!
*


Mª João Brito de Sousa

20.09.2023 - 22.30h
***


11.
*
“Nas teclas e na tinta do tinteiro”

Ficou-me o pensamento a fraquejar

A ideia foi-se embora e a baralhar

A palavra ficou sem paradeiro
*

Andei a procurá-la o dia inteiro

Foi-se a manhã e a tarde a procurar

A noite apareceu e ao acordar

Encontrei-a bem junto ao travesseiro
*


Falei com ela, amei-a, fiz-lhe festas

Ficou muito feliz, limou arestas

Levou-me à porta, então, da poesia
*

Palavra harmoniosa, obrigado

Encontrei o teu rumo e encontrado

Deixaste-me inundado de alegria
*

Custódio Montes
20.9.2023
***

12.
*

"Deixaste-me inundado de alegria"

O coração que quase me parou

Quando senti que alguém me sequestrou

O dom de dominar a melodia
*


E já só me restava o que saía,

Qual disco velho que outro alguém riscou...

Sim, meu amigo, o susto já passou

E serenou-me a mão que então tremia,
*


Mas não me sinto ainda bem segura

De nunca mais viver esta loucura,

Esta impotência face à poesia
*


Este não conhecer-me em quem eu era

E a sensação de ser eterna a espera

A que me condenou esta avaria!
*


Mª João Brito de Sousa

21.09.2023 - 00.00h
***
13.
*

“A que me condenou esta avaria!”

Mas andar faz-me bem ao coração

Alivia-me a mente e a tensão

E vejo cravos, rosas, harmonia
*


Inspira-me a vereda que me guia

A ver e encontrar o pontilhão

Que atravesso com toda a atenção

E chego logo ao cais da poesia
*


Salto dentro, onde encontro a palavra

E vou lançando a ideia e sigo a lavra

Com harmonia, gosto e com carinho
*

Descanso, sinto cheiros, vejo flores

E penso, nessa altura, nos amores

Fazendo-lhes poemas no caminho
*


Custódio Montes
21.9.2023
***


14.
*
"Fazendo-lhes poemas no caminho"

Está o nosso passeio quase findo

E devo-lhe dizer que foi bem lindo,

Embora me pareça, a mim, curtinho...
*


Ainda que eu não tenha um passo asinho

E me atrapalhe para o ir seguindo...

Outro virá e eu esperarei sorrindo

Que da próxima vez não vá sozinho
*

Porque embora tolhida e vagarosa

Quero poder ver uma ou outra rosa

Dessas que brotam da terra onde mora
*

E passo a passo, ainda que me assuste,

Sei que o que diz não é nenhum embuste:

"Ao andar a tristeza vai-se embora"!
*


Mª João Brito de Sousa

21.09.2023 - 13.15h
***

 

Na fotografia, eu com a minha saudosa Ficus elastica, nos alvores deste século

07
Jun23

O HOMEM NÃO PENSA NO MEIO AMBIENTE - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

O Homem não pensa no meio ambiente.jpg

O HOMEM NÃO PENSA NO MEIO AMBIENTE
*

Coroa de Sonetos

Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*

1.
*
O homem não pensa no meio ambiente

Anda tresloucado vive a vida a sós

Não faz como outrora, como seus avós

Que no seu conjunto era diferente
*


Cuidavam dos corgos da água corrente

Que corria calma depressa ou veloz

Sem poluição até chegar à foz

Clara e cristalina a brotar da nascente
*

No solo havia plantas a crescer

Nas suas entranhas lesmas, minerais

Lobos e doninhas cobras a correr
*

A ecologia flores animais

O homem vivia sem os ofender

Que os actos de agora sejam tais e quais
*


Custódio Montes

5.6.2023

***

2.
*

"Que os actos de agora sejam tais e quais"

Mas como se agora se apela ao consumo

E se é impossível mudarmos de rumo

Porque todos qu`remos ter mais, mais e mais?
*


Se nesta "aventura", sendo racionais,

Da Terra bebemos o sangue e o sumo

Esquecendo, o sistema, que vamos a prumo

Mordendo o anzol, porque somos mortais...
*


No fundo, no fundo, toda esta armadilha

Nos vai enredando de uma tal maneira

Que só vamos vendo uma estrela que brilha
*


E onde se acendeu uma imensa fogueira

Julgamos estar vendo uma tal maravilha

Que, cegos, marchamos pra morte certeira.
*

 

Mª João Brito de Sousa

06.06.2023- 12.15h
***
3.
*

“Que, cegos, marchamos pra morte certeira”

Sem pensar na vida no bem, no futuro

A ficar o tempo muito mais escuro

Tudo ao desnorte sem eira nem beira
*


São maus os políticos pois usam viseira

Só pensam na massa sem fruto maduro

E com a ganância e o gesto impuro

Só nos seus boys pensam de toda a maneira
*


O mel, as abelhas e a apicultura

Precisam do monte da serra do ar

Eles no dinheiro e só na usura
*


Rebentam as serras, sem nunca pensar

No nosso futuro, sem ter água pura

Sossego, alegria e sem bem-estar
*

Custódio Montes

6.6.2023
***

4.
*

"Sossego, alegria e sem bem estar"

Iremos ficar, que já se adivinha,

Seremos tratados como erva daninha

Quando a nossa terra quisermos salvar
*


Unidos na causa e sem recuar

Um passo que seja dessa nossa linha

A serra, que é vida, não estará sozinha

Enfrentando os muitos que a querem esventrar
*


As mais perigosas, as grandes empresas

Que nunca mediram as consequências

Daquilo que fazem, fazem-se surpresas
*


Quando os bons serranos vendo inconsistências

Nos projectos feitos, se erguem quais represas

Diante da serra, gerando insurgências
*


Mª João Brito de Sousa

06.06.2023 - 16.50h
***

 

5.
*

“Diante da serra, gerando insurgências”

Que a nossa revolta tem toda a razão

Contra o metediço que é como um ladrão

Bem acompanhado pelas “excelências”
*


Que pensam no lucro e suas apetências

Maltratando o povo sem ter atenção

Toda esta ruína e poluição

E todos bem sabem as consequências
*


Corja de políticos e associados

Só pensam no bolso não no ambiente

Permitem que os montes sejam esventrados
*


Por aventureiros e gente indecente

E metem aos bolsos imensos trocados

Desprezam o povo e a vida da gente
*

Custódio Montes

6.6.2023
***

6.
*

"Desprezam o povo e a vida da gente",

Só o lucro importa, não olham a meios

Pr`atingir os fins e nem medem receios,

Fundados embora, de quem lhes faz frente
*


Para defender esse meio ambiente

Que vão destruindo por estarem alheios

À voz revoltada do povo em anseios,

Que tem voz, o povo, e não fica indif`rente!
*


E a serena serra coberta de vida,

Imensa, impassível, não sonha sequer

Que possa, a ganância, sonhá-la rendida
*


Esventrada, estuprada qual pobre mulher

Que ao ser atacada morresse esvaída

Num charco do lítio que dizem conter...
*


Mª João Brito de Sousa

06.06.2023 - 21.00h
***
7.
*

“Num charco do lítio que dizem conter…”

Charco esse que é feito na sua lavagem

A montanha enorme fica sem imagem

E o lítio é lavado na água a correr
*


Mina a céu aberto dinamite a arder

Tudo isso metido dentro da barragem

O monte e a água sempre em desvantagem

Água inquinada que é para beber
*

 

Património agrícola que a FAO distinguiu

Para que a defesa do ecossistema

Fosse preservado e nunca se viu
*


Haver responsáveis que tenham por lema

Destruir a serra e que o mundo sentiu

Que ao se fazer isso é um grande problema
*

Custódio Montes

6.6.2023
***
8.
*

"Que ao se fazer isso é um grande problema"

Para o ser humano e pra todo o planeta

É um erro crasso, uma asneira completa,

Destruir, da serra, o ecossistema
*


Se o lucro comanda, será esse o lema

De quem quer, da serra, fazer a colecta

E a gente da "massa", de forma incorrecta,

Irá pô-la em risco sem que a ninguém tema...
*


Vós sois os que tendes de lhe resistir,

Passando a mensagem, formando barreiras,

Que unidos fareis a ganância ruir
*


Livrando essa serra das bestas matreiras

Que tudo farão para, enfim, conseguir

Conspurcar as águas de aldeias inteiras.
*


Mª João Brito de Sousa

06.06.2023 - 23.00h
***

9.
*

“Conspurcar as águas de aldeias inteiras”

Mas não só de aldeias também de cidades

Esse é o problema. Muitas entidades

Sabem que as notícias são bem verdadeiras
*


E mesmo assim dizem ser brincadeiras

Escondem do povo as promiscuidades

Que têm à volta e as cumplicidades

Nesta corrupção de todas as maneiras
*


Diz-se cá na terra que lá de Lisboa

Se servem de nós e pró interior

Não mandam riqueza nem vem coisa boa
*


Levam a riqueza, o que há de melhor

Quando chega o barco levam tudo à proa

Depois de deixarem o que há de pior
*

Custódio Montes

6.6.2023

***
10.
*

"Depois de deixarem o que há de pior"?

Se cá por Lisboa de mau fica tanto

Já não sei se o levam lá pró vosso canto

Se o guardam por cá para pôr e dispor,
*

 

Sempre que der jeito, de seja quem for

Que pregue a maldade vestido de santo,

Pois passa o corrupto, coberto c`o manto,

A fazer figura de grande senhor...
*


Bem sei que é por cá que o poder tem assento,

Mas vós, os nortenhos, julgais-vos cordeiros?

Eu tenho a certeza a cinquenta por cento
*


De que entre vós há e haverá caloteiros

E sem citar nomes, que à sorte eu não tento,

De norte a sul brotam discursos matreiros...
*


Mª João Brito de Sousa

07.06.2023 - 11.40h
***

11.
*

“De norte a sul brotam discursos matreiros…”

E quem é corrupto junta-se ao falar

No norte, no centro, no sul a bradar

Com os manda chuvas, com os caloteiros
*


Mas lá por Lisboa, no mando os primeiros

São os reis da máfia e do seu altar

Olham para os montes que vão assaltar

E com os autóctones, seus companheiros
*


Invadem baldios, esburacam montes

Poluem a água e com ar maldoso

Retiram do solo suas limpas fontes
*


Tiram a beleza ao monte formoso

Que fica sem vida, tolhem horizontes

Vai-se o património, degradam Barroso
*

Custódio Montes

7.6.2023
***

12.
*

" Vai-se o património, degradam Barroso"

Que, sim, tem razão em querer defender

Por ser essa a terra que viu ao nascer,

Seu berço primeiro, chão farto e viçoso
*

 

Que ao ficar na mira do que é poderoso

Será, tarde ou cedo, deitado a perder...

Não sei, meu amigo, que mais lhe dizer,

Nem que mais pensar desse gesto odioso
*

 

Mas cá por Oeiras, ou melhor, Cascais

Também está em risco um pequeno pinhal

Que irão derrubar para construir mais
*

 

E do meu pequeno pulmão florestal

Nada sobrará senão restos mortais,

Quando vitimado pelo mesmo mal...
*

 

Mª João Brito de Sousa

07.06.2023 - 14.30h
***

13.
*

“Quando vitimado pelo mesmo mal…”

Temos que lutar todos irmãmente

Para defendermos o meio ambiente

Conservar o monte a floresta o pinhal
*


Se o não fizermos temos a final

A terra queimada tudo à volta quente

Morrem as abelhas as aves a gente

E em todo o lado perigo mortal
*


Vivamos à moda dos nossos avós

Mantendo as fontes e toda a beleza

Com graça aprazível à volta de nós
*


Conservando o campo e a nossa devesa

Para que não fujam de modo veloz

E demos os braços pela natureza
*


Custódio Montes

7.7.2023
***

14.
*

"E demos os braços pela natureza"

Que há-de ser possível salvá-la conquanto

Parar o progresso condene o meu canto

Que eu não viveria sem el`, de certeza!
*


E agora lhe digo, com toda a franqueza,

Não ser o progresso que mata o encanto

Mas sim a vileza de quem pode tanto

Que só pensa em si e na sua riqueza!
*


Bem certo é que o rico1) bem pouco se importa

C`o mal que provoca. Não pensa na gente,

Destrói quanto entende e só nos suporta
*


Porque inda precisa do "pobre contente"

Que por quase nada lhe cuida da horta:

"O homem não pensa no meio ambiente"!
*

 

Mª João Brito de Sousa

07.06.2023 - 17.11h
***

 


1) Falo, como julgo ser óbvio, do homem obscenamente rico e das grandes empresas internacionais

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

29
Mai23

DINAMENE - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

camoes e dinamene.jpg

Imagem retirada daqui

*

DINAMENE
*
Coroa de Sonetos
*

Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*

1.
*

Dinamene, onde estás que não te vejo

As ondas ocultaram-me o olhar

Porque o barca não pára de oscilar

Já desde que saí do rio Tejo
*


Vou em frente à procura dum desejo

Sê amiga a ajudar-me a encontrar

Esse cais para eu desembarcar

E assim realizar o meu ensejo
*

Uma amiga indicou-me um velho cais

Num jardim onde andou a minha idade

Vou em frente, haja mesmo vendavais
*

Para voltar a ter felicidade

Oh Dinamene, afasta os temporais

Que não aguento mais esta saudade
*

Custódio Montes

28.5.2023
***

2.
*

"Que não aguento mais esta saudade"

Mas foi vossa essa escolha meu senhor,

Que bem maior foi esse estranho amor

Ao que escrevestes, do que ao que me invade...
*


Forte amor foi o meu que na verdade

Por vós perdi a vida e o esplendor

E ao vosso mar, senhor, sei-o de cor

Que me afundei na sua imensidade...
*


Cuidai que o vosso Tejo me não esqueça

Que, às tempestades, tentarei detê-las

Contanto que Poseidon não me impeça
*

E que Éolo, ao soprar nas vossas velas,

Do que lhe peço nunca desmereça,

Senhor das minhas horas mais singelas.
*

Dinamene

por

Mª João Brito de Sousa

18.05.2023 - 13.50h
***

3.
*
“Senhor das minhas horas mais singelas”

Cuida deste meu barco que à deriva

Não mais me leva ao pé da minha diva

Vencendo as altas vagas e procelas
*


Olimpo, endireita-me estas velas

Que o regresso à saudade me cativa

Na alma que se anima e se activa

Para alcançar as margens ledas, belas
*


Neste imenso ruído à minha volta

Quero encontrar a paz e dar-lhe a palma

E não andar num mar revolto à solta
*

Éolo, pára os ventos dá-lhes calma

Ajuda este meu barco, faz-lhe escolta

Para encontrar o amor desta minha alma
*

Custódio Montes

28.5.2013
***


4.
*
"Para encontrar o amor desta minha alma"

À vida eu voltaria, se pudesse,

Mas já não escuta Deus a minha prece

Nem vós, senhor, ao mar bateis a palma
*


Por isso jazo imersa nesta calma

Das profundezas que ninguém conhece

E esta que vos amou calma parece

No abismo negro e frio, sem ver vivalma...
*


Ah, pudesse eu voltar, por um momento,

Aos vossos braços, respirar enfim,

Para vos dar um pouco mais de alento
*


Mas quase nada sobra já de mim

Enquanto a vós vos sobra um tal talento

Que humano algum jamais o teve assim!
*

Dinamene

por

Mª João Brito de Sousa

28.05.2023 - 15.10h
***

5.
*

“Que humano algum jamais o teve assim”

Só Deus o pode ter não um humano

E quem não pensa assim é puro engano

Porque o homem não tem poder sem fim
*


Mas deixemos de lado esse latim

Senão o Poseidon dá um abano

Cobre-nos o veleiro com um pano

E lá vai água abaixo este festim
*


Sigamos, pois, avante na viagem

Para ver se encontramos, na verdade,

O que queremos ver lá junto à margem
*


Regressando talvez à nossa idade

Com a beleza e graça de ser pajem

E afastar por momentos a saudade
*

Custódio Montes

28.5.2023
***


6.
*

"E afastar por momentos a saudade"

É tudo o que mais posso ambicionar,

Mas fui vencida pelo grande mar

E morri quando em plena mocidade
*


Se assim, senhor, me fui na flor da idade,

Que sempre vos lembreis de me lembrar:

Como eu amei ninguém vos há-de amar,

Mas se outra vos trouxer felicidade
*


Ide, senhor!, gozai essa ventura

Que, a mim, tão cruamente me roubaram

Quando era tão menina e bela e pura...
*


Amainai, vagas, que os ventos mudaram!

A vossa barca está livre e segura,

Mesmo morta os meus braços vos amparam!
*

Dinamene

por

Mª João Brito de Sousa

28.05. 2023 - 17.30h
***

7.
*

“Mesmo morta os meus braços vos amparam”

Coitada, mesmo morta, ainda pensa

Que recebe do amor a recompensa

No meio dessas ondas que a levaram
*


Dinamene, as lembranças que ficaram

Voaram pelo mundo sem licença

E lembram tua imagem, tua crença

E como património nos honraram
*


Se te livrares da morte, dos grilhões

Que te levaram nova e imatura

Regressa para os nossos corações
*

Amar-te-emos mais - que és tão pura -

Como te amou o épico Camões

Sem voltar a morrer nessa aventura
*

Custódio Montes

28.5.2023
***

8.
*

"Sem voltar a morrer nessa aventura",

Pudesse eu renascer como imortal

Pr` amar o meu senhor de modo tal

Que me estimasse mais que à literatura...
*


Estou, porém, morta. Resta-me a candura

De me saber tão pura e tão leal

Que lanço a minha voz feita de sal

Até vós, meu senhor, minha ventura!
*


Vós, vivos, que escutais os meus lamentos

Nada fareis por mim. Talvez lembrar

A escrava que passou por mil tormentos
*


E a jovem que acabou por se afogar

Mas que ao falar-vos vence os elementos

E, por amor, seduz o próprio mar!
*


Dinamene

por

Mª João Brito de Sousa

28.05.2023 - 19.20h
***
9.
*

“E, por amor, seduz o próprio mar”

Que a tragou no seu ventre tão profundo

Que abarca muito mais que meio mundo

Mas que a mantém imersa num altar
*


Amante que salvou sem se salvar

Tão bela com seu ar fresco e jucundo

Levada pelo mar fero, iracundo

Que depois a prendeu para a amar
*


Agora com o mar ela é poder

E continua amante interessada

Ajuda quem lhe pede para ver
*


Se lhe pode encontrar a sua amada

Atenuando a dor e o sofrer

Como quem sonha ali ter uma fada
*


Custódio Montes

28.5.2023
***

10.
*

"Como quem sonha ali ter uma fada"

Me quis o mar prender... e me prendeu

E foi o meu senhor quem me perdeu,

Esse que amei como ama uma encantada
*


Bem me viu, meu senhor, quase afogada,

Mas nem essa aflição o comoveu,

Que foi ao manuscrito que escolheu

E não a mim que me julgava amada...
*


Agora foi o mar que me tornou

Sua escrava leal. Eternamente

Serei escrava que a escrava retornou
*


Neste meu trono de algas, não sou gente,

Que em gente nunca o mar me transformou,

Nem Poseidon me deu o seu tridente!
*


Dinamene

por

Mª João Brito de Sousa

28.05.2023 - 20.50h
***


11.
*

“Nem Poseidon me deu o seu tridente”

Mas és muito importante na magia

Que entregas e que dás à poesia

Por salvar Portugal e sua gente
*


Perante a destruição quase eminente

Do livro que nos dá tanta alegria

Salvou-o o escritor que se afligia

Com a mão livre e um olho somente …
*


Tinha uma mão ao alto e a outra mão

Afastava a procela ao seu redor

E nessa grande e enorme confusão
*


Não sabia qual era o bem maior

Que tinha ali bem junto ao coração….

Perdendo um, salvou o outro amor
*

Custódio Montes

28.5.2023
***

12.
*

"Perdendo um, salvou o outro amor"

E crerás tu que o deva perdoar

Por conseguir um outro amor salvar

Entregando-me à minha eterna dor?
*


Talvez tenhas razão e, se assim for,

De que me vale agora lamentar?

Amor de escrava só o quer o mar

Que nela descarrega o seu furor...
*


Tu, que estás entre os vivos, desconheces

O que é ser-se uma eterna prisioneira

Das profundezas em que permaneces
*


Dia após dia, a eternidade inteira,

Sem que ninguém atenda às tuas preces

Nem entenda se és falsa ou verdadeira!
*

Dinamene

por

Mª João Brito de Sousa

28.05.2023 - 22.45h
***
13.
*

“Nem entenda se és falsa ou verdadeira”

Mas que queres que diga? Na verdade

Eu sou ninfa e por toda a eternidade

Mesmo que me aflija e o não queira
*


Camões logo soube isso e à primeira

Quis namorar comigo e à vontade

Andou à minha volta em liberdade

E correu o mar todo à minha beira
*


Mas com a tempestade veio a onda

Que nos forçou a andar dentro e fora

Agora não há sítio onde me esconda
*

Vagueio pelo mar a toda a hora

E só me encontrarão andando à ronda

Sem pressa, devagar e com demora
*

Custódio Montes

28.5.2023
***

14.
*

"Sem pressa, devagar e com demora"

Eu hei-de procurar-te, Dinamene,

Ainda que sem vela e que sem leme

Me perca mar adentro, ou mar afora...
*


Seja eu eterno só por uma hora!

Não haverá ninguém que me condene

Nem um segundo, só, em que não reme

Para encontrar-te onde uma vaga aflora!
*

Não cessarei, amor, de procurar-te

Nesse mar que, por ter-te, agora invejo,

E do qual, meu amor, hei-de arrancar-te
*


Pra devolver-te à vida num só beijo,

Que amar-te assim, amor, também é arte:

"Dinamene, onde estás que te não vejo"?
*


Lviz Vaz de Camões

por


Mª João Brito de Sousa

29.05. 2023 - 00.00h
***

 

DINAMENE (1).jpg

 

 

 

 

27
Mai23

NÃO DESENCANTES O SAPO - Reedição

Maria João Brito de Sousa

o sapo.jpg

NUNCA (DES)ENCANTES UM SAPO!
*
Coroa de Sonetos
*
Mª João Brito de Sousa e Custódio Montes
*
1.
*
Quebra-se a magia do beijo assombrado
Que magicamente fez, do sapo, humano...
Quanta angústia emerge, quanto desengano
Pra quem fora um simples sapo descuidado!
*
Vá lá! Nunca beijes um sapo encantado!
Lembra-te que podes causar-lhe tal dano
Que o pobre batráquio, de bichito ufano,
Passe a ser humano. Coitado, coitado!
*
Pobre desse sapo que estando inocente
De culpa, de intriga, de ódio e de traição,
Se torna consciente das falhas que tem
*
Quando, por um beijo, se transforma em gente
E perde inocência. Que desilusão...
Tu, quando o beijaste, sabia-lo bem!
*
Maria João Brito de Sousa
19.06.2008 - 08.53h
***
2.
*
“Tu, quando o beijaste, sabia-lo bem”
Enganaste o sapo, fizeste-lo gente
Perdeu a candura, não é inocente
Maldizem o beijo que ao sapo convém
*
O encanto quebrou-se e agora ninguém
O olha assapado na água envolvente
O beijo espalhado na coxa carente
Passa por humano e o sapo também
*
Que se vá o encanto que fique a pureza
Do coaxar belo no meio do lago
Que mesmo sem beijo a gente agradece
*
No meio do campo vendo a natureza
Sente-se alegria, alegria e afago
E o coaxar do sapo entoa em prece
*
Custodio Montes
23.5.2022
*
3.
*
"E o coaxar do sapo entoa em prece"
Na toada exacta que à espécie convém
E em versos que um sapo conhece tão bem,
Quanto aos nossos versos sequer reconhece...
*
Batráquio que o seja, não fia, não tece,
Nem sabe de beijos que lhe of`reça alguém
E encontra fartura no pouco que tem,
Porque de mais nada precisa ou carece...
*
No seu charcozinho ou na sua lagoa,
Há sempre um coaxo que vibra e ressoa:
O seu hino à Vida é mais belo que o nosso
*
E mais espontâneo e mais verdadeiro...
É mestre, o batráquio, no canto certeiro
E eu falho, por vezes. Só canto o que posso...
*
Mª João Brito de Sousa
23.05.2022 - 14.10h
***
4.
*
“E eu falho, por vezes. Só canto o que posso…”
Mas canto que cante é sempre engraçado
O sapo não canta tão emalhetado
Embora o que cante seja sem esforço
*
O sapo no canto canta fino e grosso
E é um encanto ouvi-lo espaçado
À beira do charco quieto sentado
Com as mãos no queixo sem grande alvoroço
*
Também no poema se ouve a canção
Que nos prende a alma e o coração
Descrevendo o lago e o sapo a cantar
*
E por essa forma o coaxar e o canto
Só dão alegria nunca desencanto
Não beijo assombrado se o quiser beijar
*
Custódio Montes
23.5.2022
***
5.
*
"Não beijo assombrado se o quiser beijar"...
Beijá-lo não quero que o assustaria
E o seu belo canto não mais se ouviria
Nem nesse seu lago, nem noutro lugar
*
Que sapo assustado deixa de cantar,
Quase não respira, cala a melodia
E por predadora logo tomaria
Qualquer princesinha que o fosse agarrar...
*
Canta, sapo, canta! Fica descansado,
Quero-te batráquio não (des)encantado,
Que de realezas estou há muito farta
*
E se teço c`roas, são de outro jaez,
Nunca as teceria pra nenhum "princês"
E esta minha Musa também mo descarta.
*
Mª João Brito de Sousa
23.05.2022 - 16.25h
***
6.
*
“E esta minha musa também mo descarta”
Que a musa é fina não é nenhum sapo
Disso ela foge e também eu me escapo
Que de aventuras a musa está farta
*
O sapo medonho que raios o parta
A não ser que cante com graça e guapo
E não todo imundo sujo como um trapo
Com voz de primeira e não voz de quarta
*
Mas vamos por partes e sem ofender
Não beijar o sapo fui eu a dizer?
A coroa o disse e sem desengano
*
Logo à primeira, mesmo a começar
Prosseguiu a musa e a deambular
Disse: não se faça do sapo um humano
*
Custódio Montes
23.5.2022
***
7.
*
"Disse: não se faça do sapo um humano"
Que são, os humanos, muito complicados
Enquanto os sapinhos vivem sem cuidados
E cuidam das hortas sem causar-nos dano...
*
Um seu conterrâneo foi um soberano
A falar de sapos, esses mal amados,
Por quem desconhece que os pobres coitados
Nos são muito úteis quando, ano após ano,
*
Nos livram de insectos e salvam das pragas
Que assolam as folhas e destroem bagas...
Bambo*, o sapo velho, quem pode esquecê-lo
*
Se morto em serviço, firme no seu posto,
Só porque não tinha beleza no rosto,
Só porque não era cativante e belo?
*
Mª João Brito de Sousa
23.05.2022 - 20.15h
***
Vide "Bambo" in "Bichos", Miguel Torga
***
8.
*
“Só porque não era cativante e belo”
Mas sempre a saltar na horta e no canteiro
A comer as larvas limpar o terreiro
Por isso, agrada e é muito bom tê-lo
*
O sapo é útil não é um flagelo
Se feio parece ele é um bom parceiro
Comendo os insectos, limpando o lameiro
Ajuda no campo, dos braços é elo
*
Um “bambo” é verdade mas não é de borga
Descrito em Bichos pelo Miguel Torga
Como nos informa com sua mestria
*
Louvemos o sapo, não lhe quero mal
Sem lhe darmos beijos a esse animal
Nem o endeusarmos com a poesia
*
Custódio Montes
23.5.2022
***
9.
*
"Nem o endeusarmos com a poesia"...
Torga humanizou-o na prosa, contudo,
E fez dele um mestre que, apesar de mudo,
Falava de amor e de Filosofia
*
Como quem faz jus à tal sabedoria
Que da Vida entende um pouquinho de tudo...
Ah, se ao velho Bambo nesta estrofe aludo,
Aludo à amizade e, quem sabe?, à magia
*
Mais bela, decerto, do que a do tal beijo
Que deu a princesa ao sapito do brejo
Julgando que o dito era um rei, nunca um sapo...
*
Tem tino, princesa! Não vês que o encanto
Do nobre batráquio dispensa o teu manto
Que é, pra ele, um pobre e cerzido farrapo?
*
Mª João Brito de Sousa
23.05.2022 - 23.00h
***
10
*
“Que é, pra ele, um pobre e cerzido farrapo?”
Isso porque o Bambo é inteligente
Mas mais nenhum sapo é assim cojente
Para distinguir a tal manta de trapo
*
Queria a princesa pensar que o sapo
Era antes Bambo tão nobre e valente
Que, na realeza, parecesse gente
Errou, enganou-se, tirou-lhe um fiapo
*
Nem nós no poema temos gosto insano
De fazer do sapo um príncipe humano
Para a tal princesa o poder beijar
*
Confundiu decerto e ficou em apuro
Por ter confundido o sapo anuro
Com príncipe amado para namorar
*
Custódio Montes
24.5.2022
***
11.
*
"Com príncipe amado para namorar"
Confunde a princesa o tal sapo anuro...
Posso ser insana, mas aqui lhe juro
Que ao sapo prefiro de longe admirar
*
A pensar num homem para me casar:
A um, sim, amei-o, mas mais não aturo,
E se, no passado, previsse o futuro,
Talvez preferisse nem me apaixonar...
*
Bem sei que, consigo, tudo foi dif`rente,
Que esse amor perdura e que vive contente
Com sua princesa num reino encantado,
*
Enquanto eu afirmo que amo a solidão,
Que escrevo o que escrevo nessa condição
E não troco um brejo por trono ou condado!
*
Mª João Brito de Sousa
24.05.2022 - 10.15h
***
12.
*
“E não troco um brejo por trono ou condado”
Nem quero princesas tão namoradeiras
Que gozem o sapo só com brincadeiras
Mesmo que o beijem como encantado
*
Mas falar de amor agora é escusado
Para mais falarmos de tantas asneiras
Que a nossa princesa de várias maneiras
Fez passar ao sapo como namorado
*
Se andasse ocupada não tinha desejo
De ao sapo encantado querer dar um beijo
E não nos daria tanta ocupação
*
Mas sem ter trabalho, farta, à boa vida
Quis-se imaginar como sendo a querida
Dum sapo encantado e do seu coração
*
Custódio Montes
24.5.2022
***
13.
*
"Dum sapo encantado e do seu coração"
Tenta uma princesa ser dona e senhora...
Não sabe, a tontinha, que os sapos de agora
São poucos, passaram a espécie em extinção
*
E exigem, portanto, maior protecção...
Cuidado, princesa, que a fauna e a flora
Devem preservar-se bem mais do que outrora
Em nome de um mundo mais limpo e mais são!
*
Esses teus caprichos de dama mimada
São sonhos traídos, não servem pra nada!
(embora eu confesse que os utilizei
*
na C`roa de versos que aqui vou tecendo...)
Princesa, princesa! Tu estás-te é esquecendo:
Tão livre é o Sapo quão nu vai el Rei!
*
Mª João Brito de Sousa
24.05.2022 - 16.15h
***
14.
*
“Tão livre é o sapo quão nu vai el Rei!!”
Por isso, Princesa, vê lá se te apoucas
Nessas preferências, que queres tão loucas
Deixa lá o sapo que eu investiguei
*
Que ter tais amores, isso também sei,
Já não é namoro: princesas são poucas
Vestem como as outras e não usam toucas
Não andam em charcos tão fora de lei
*
E já nem o “Bambo” vai nessas cantigas
Que tem bambo fêmea não quer raparigas
Nem por elas fica tão apaixonado
*
Tece, pois, princesa um novo novelo
Que o sapo rejeita, não quer teu anelo
“Quebra-se a magia do beijo assombrado”
*
Custódio Montes
24.5.2022
***

17
Mai23

ADEUS - Custódio Montes e Maria João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

Adeus,2023.jpg

ADEUS
*

Coroa de Sonetos

*

1.
*

Adeus dizemos sempre ao ir embora
Mas isso é quando estamos conscientes
Quando se sofre ou quando já doentes
Não damos conta, passa hora a hora
*

Se um momento acordamos não se chora
O sofrimento que houve entrementes
Não nos deixa sequer mesmo entredentes
Nem torna a nossa dor mais redutora
*

Não ponha a nu nem tire a saia ao Tejo
Que desce dessa forma a navegar
A consola e aumenta o seu desejo
*

De nos dar alegria ao versejar
Como quem anda ao som dum realejo
À saia diga adeus ….não ao cantar
*

Custodio Montes
15.5.2023
***

2.
*

"À saia diga adeus... não ao cantar"

Que o canto nasce a bordo da canoa,

Filho do azul do Tejo e da Lisboa

Cuja saia se espraia até ser mar
*


E se ao falar da Barra eu retratar

A saia que se estende à minha proa,

É este canto meu cantando à toa

Porquanto só assim sabe encantar...
*


E se ao meu cais aporta este meu canto,

À saia aportará, que nela vive,

Bem junto à Barra e nunca no seu manto
*


Que por mais que o fascine e que o cative

Das matas do Jamor até Monsanto,

Só junto à Barra o canto ecoa livre.
*

 

Mª João Brito de Sousa

15.05.2023 - 13.50h
***

3.
*
“Só junto à barra o canto ecoa livre”
Mas também livre ecoa aqui ao cimo
Que em liberdade ao vento não me oprimo
De erguer ao céu a voz que me cative
*

A serra e a montanha em seu declive
Refletem-se nas águas que eu estimo
E as cores pintalgadas com que rimo
Adubam-me o poema que cultive
*

O mar é livre nele também navego
E a saia que ele veste à escocesa
Aos olhos encantados se me apega
*

Mas o Gerês erguido em vela acesa
Também como um condor ele navega
E veste saia como uma princesa
*
Custódio Montes
15.5.2023
***


4.
*

"E veste saia como uma princesa"

A serra do Gerês, tal qual Oeiras

Que é ela própria a saia que as rendeiras

Bordaram sobre a terra ao mar bem presa
*


E tão bonita é que vai à mesa

Do próprio rei Neptuno às terças feiras

Coberta de iguarias, verdadeiras

Maravilhas servidas de surpresa
*


Convido Zeus, que no Gerês passeia,

Para a festa que invento entre rochedos

E que farei durar até à ceia
*


Se a conseguir reter entre os meus dedos,

Que as iguarias são feitas de areia

E todos estes versos são brinquedos...
*


Mª João Brito de Sousa

15.05.2023 - 17.10h
***

5.
*
“E todas estes versos são brinquedos”
De Zeus mas também de homens à procura
Do brilho a clarear e desta alvura
Que como espelho mostra os seus lajedos
*

Gerês o próprio Deus com os segredos
Emersos e escondidos na lonjura
Com garças a voar e água pura
Que brota dos nascentes dos penedos
*

No mar largo há vastos horizontes
Mas o Gerês é alto e grandioso
Tem rios caudalosos e com pontes
*

E é porta de entrada de Barroso
Tem belas paisagens, frescas fontes
E como o mar é belo e venturoso
*

Custódio Montes
15.5.2023
***

6.
*
"E como o mar é belo e majestoso"

Que ombreiam, um e outro, em vastidão

E bem nos fazem ver quão belos vão

O mar de azul e de verde o Barroso...
*


Que mais direi se um sono insidioso

Me fecha os olhos e me prende a mão?

Resisto ainda à doce tentação

De um sono algo precoce, mas gostoso...
*


Mas não, não dormirei que o que é preciso

É ir saboreando o que dissermos

Sobre o que, para nós, for paraíso:
*


Da serra ao mar! O amor que lhes tivermos

Há-de caber num verso de improviso

Que tem a dimensão que nós lhe dermos.
*

 

Mª João Brito de Sousa

15.05.2023- 19.10h
***

7.
*
“Que tem a dimensão que nós lhe dermos”
Com um tamanho enorme, imaginado
Assim com o seu porte agigantado
Mar e monte bem mais do que nós vemos
*

Que a grandeza somos nós que a erguemos
Ao alto, o coração apaixonado
Pelas ondas e o monte matizado
E os poemas que sobre eles tecemos
*

Nossa imaginação tudo engrandece
Presos à tez telúrica da terra
Empolgamos a alma e assim se tece
*

A grandeza do monte, o alvor da serra
O mar, a barra, a onda que envaidece
Tudo o que a natureza em si encerra
*

Custódio Montes
16.5.2023
***

8.
*
"Tudo o que natureza em si encerra"

E nós vamos tentando traduzir,

Existe, na verdade, e faz-se ouvir

Como um grito de júbilo da Terra
*


E um muro de silêncio conta a guerra

Que nunca fará mais que destruir!

Mais do que atentos ao nosso porvir,

Vamos prevendo os golpes que desferra
*


Nesta serenidade por que ansiamos

E nunca nos destroços que ela of`rece,

Que o confronto, afinal, é entre os amos
*


Embora seja o povo quem perece...

Aqui, nos paraísos que engendramos,

Somos a Paz que a guerra nem conhece.
*


Mª João Brito de Sousa

16.05.2023 - 13.00h
***


9.
*
“Somos a paz que a guerra nem conhece”
Que guerra é malefício indescritível
Com morte e destruição de forma horrível
Um mal que a nossa terra não merece
*

O monte com a guerra esmorece
E tudo à volta fica desprezível
Que em paz a cor da terra é aprazível
E mesmo o mar revolto envaidece
*

O Cávado e o Tejo espelham luz
E o monte e a montanha dão beleza
À alma que nos guia e conduz
*

A paz que é o contrário da crueza
Da guerra que aos facínoras seduz
Vem dos montes, do mar, da natureza
*

Custódio Montes
16.5.2023
***

10.
*

"Vem dos montes, do mar, da natureza"

A pauta em que compomos estes versos,

Como se hinos de amor aos nossos berços

Imbuídos de cor e de beleza
*


Na guerra, o seu oposto, há só tristeza

Que nela os dias nascem sempre adversos

E há momentos até que de perversos

Não cabem numa escala de grandeza...
*


Mas voltemos de novo à paz dos dias

Que em breve nos iremos despedir

Dos versos destas nossas melodias
*


Que nos alegram e fazem sorrir...

Fica este adeus pra quando as penedias

E as praias se calarem pra dormir.
*


Mª João Brito de Sousa

16.05.2023 - 17.00h

***

11.
*
“E as praias se calarem pra dormir”
Que o seu sono é muito relaxante
Ondeia, vai atrás, depois adiante
Aconchegante o som sem se sentir
*

Em Barroso, com luz, há o florir
Dum lírio, duma rosa deslumbrante
Um verde colorido apaixonante
Água pura nos corgos a cair
*

A natureza, um hino de harmonia
Dá-nos paz, dá-nos força sem parar
Contentamento, amor e alegria
*

Sem ela vai-se o mundo degradar
Cada ano, hora a hora, dia a dia
Vai-se a vida e o nosso poetar
*

Custódio Montes
16.5.2023
***

12.
*

"Vai-se a vida e o nosso poetar"

Vai-se tudo o que temos e o que somos,

Não sobrarão, do fruto, quaisquer gomos,

Não haverá nem sombra do pomar
*


Será adeus pra nunca mais voltar,

Muito embora depois ressurjam pomos

Que não terão memória de que fomos

Responsáveis por tudo se acabar
*


Mas antes desse adeus - quem sabe quando? -

Cantemos mais um pouco. Esta incerteza

Vai-nos fazendo mal, vai-nos matando
*


A nós e à nossa humana natureza

Que nos vai, pouco a pouco, abandonando

Se não a segurarmos com firmeza...
*


Mª João Brito de Sousa

16.05.2023 - 20.35h
***

13.
*

“Se não a segurarmos com firmeza”
Lutando sempre, sempre até ao fim
Com tom celestial de Serafim
Cantando a alegria e a beleza
*

O mar azul com graça de princesa
Voando como voa um querubim
A voz bem alta em toque de clarim
Brilhando como flor à nossa mesa
*

Não digamos adeus à poesia
Do meu monte mandarei o meu aceno
Envolto na beleza e na alegria
*

Escutando o cantar que tão sereno
Vem do mar em suave melodia
Cantado pelo vate em tom ameno!
*

Custódio Montes
17.5.2023
***

14.
*

"Cantado pelo vate em tom ameno"

Talvez este hino vença a própria morte

Ou mude um pouco a nossa humana sorte

E nos devolva ao nosso Antropoceno
*


Agora conscientes de um veneno

Que nos pode matar por ser tão forte:

Que encontremos o nosso humano norte

Na duradoura paz da vida em pleno!
*


Tudo está em aberto. Há que escolher

A Paz como pilar e enquanto escora

Do tempo que nos resta pra viver
*


E que se vai escoando hora após hora...

Haja Paz!, dir-nos-á quem paz quiser,

"Adeus dizemos sempre ao ir embora"!
*

 

Mª João Brito de Sousa

17.05.2023- 11.15h
***

29
Abr23

NA ONDA - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

NA ONDA.jpg

NA ONDA - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*

Coroa de Sonetos
*
1.
*

No alto da onda deu-se a explosão
Do ventre saído, com luz, com amor
Livre de pecado, criado sem dor
Que do mar emana, mar da criação
*

Ao mundo lançado à procura de pão
E com alegria, garra e destemor
Andei pelo campo, cidade e ao redor
Em tempos passados, tempos que lá vão
*

Agora na onda deste tempo aurido
Procuro que o tempo me forneça tema
Para que o meu tempo fique enriquecido
*

Paro e olho em frente e então por sistema
Vou à biblioteca e depois de ter lido
Ocupo o meu tempo escrevendo um poema
*

 

Custódio Montes
27.4.2023
***
2.
*

"Ocupo o meu tempo escrevendo um poema"

Que brota da rocha que sou quando em rocha

Transformo a papoila que em mim desabrocha

Que às vezes é louco e bem louco, este esquema
*


No qual me aventuro sem leme e sem lema

De dia ou de noite e à luz de uma tocha,

Que acendo no escuro que de mim debocha

Tentando cegar-me, que o faz por sistema...
*


Porém nos provectos setenta que ostento

Em cabelos brancos até à cintura,

Rio-me do escuro que me observa atento
*


Tentando fazer-me fazer má figura

Crendo que me assusto ou até me atormento

Por ter de o pagar quando chega a... factura.
*

 

Mª João Brito de Sousa

27.04.2023 - 16.15h
***
3.
*

“Por ter de o pagar quando chega a factura”
Mas lá vou andando percorrendo a estrada
É demais o custo mas não deixo nada
Levo tudo avante de forma segura
*

Na crista da onda quando se procura
Encontra-se forma, por mais complicada,
De pagar a pronto conta debitada
Mas não pago nada quando vejo usura
*

Fui assim criado mas andei à rasca
Na borga em Coimbra e por lá a cantar
À noite passava as horas na tasca
*

Pagava aos amigos e sempre a gastar
Era inocente sem sair da casca
Mas não vale a pena andar a lamentar
*

 

Custódio Montes
27.4.2023
***

4.
*

"Mas não vale a pena andar a lamentar"

Pequeninos erros do nosso passado

Senão o presente passa-nos ao lado

E o futuro avança sem nos dar lugar...
*


Antes memoremos, pra comemorar,

Desses belos tempos, cada beijo dado,

Furtivo que fosse, de acordo ou roubado

À semi recusa de ocasional par...
*


Da borga não soube mais do que o que lia

E bem pouco ou nada gastava comigo

Que eu, por ser "menina", nem sequer saía
*


E sair à noite era, então, um p`rigo,

Um tremendo risco que eu nunca corria

Pois ficava em casa... sem ser de castigo.
*


Mª João Brito de Sousa

27.04.2023 - 21.10h
***

5.
*
“Pois ficava em casa…sem ser de castigo”
Mas isso era apenas quando combinado
Sem os pais saberem ficava fechado
Para brincadeiras com algum amigo
*

Porque normalmente seguia comigo
A ladrar a fusca pelo povoado
Ia para o monte de pastor do gado
Nadava no rio sem qualquer perigo
*

Que na minha terra quando era pequeno
Só havia o campo e mais nada ao redor
Os montes ao alto, o rio e tempo ameno
*

Os lameiros verdes, espalhada a flor
Um cheiro aprazível ondulante o feno
Os nabais frondosos, recantos de amor
*

Custódio Montes
27.4.2023
***

6.
*

"Os nabais frondosos, recantos de amor"

Compunham o grande temor dos meus pais:

- Se não sais comigo, de casa não sais,

Senão, minha filha, quando for`s maior!
*


Se eu ia à piscina e nadava a primor,

Logo a minha mãe se sentava entre os mais

E ou me vigiava ou fazia sinais

Pra que me sentasse a seu lado. Um horror!
*


Porém o destino pregou-lhe a partida

E foi na piscina que um dia encontrei

O amor que haveria de ser para a vida
*


Ou, melhor dizendo, alguém que eu amei

Com quem me casei sem ter sido pedida

E ao fim de trinta anos, ou quase, deixei.
*

 

Mª João Brito de Sousa

27.04.2023 - 22.35h
***

7.
*
“E ao fim de trinta anos, ou quase, deixei”
Quando se abandona é porque não se quer
Nosso companheiro - homem ou mulher-
Fica-se sozinho como é de lei
*

Vidas dessas nunca eu experimentei
A minha família sabe-me acolher
Vou andar com ela sempre que puder
E abandonado nunca estarei
*

Fui hoje a Amarante e a Sara de dois anos
Virou-me os seus olhos e a brandir a mão
Avô vais morrer. Eu fiquei sem enganos
*

Nessa circunstância ficarei então
Logo abandonado nos mundos insanos
Fico só - adeus - e sem contemplação
*

Custódio Montes
27.4.2023
***

8.
*

 

"Fico só - adeus - e sem contemplação"

Mas nas brincadeiras dos mais pequeninos,

Tudo tem a graça de angelicais hinos

Que da morte/morte nem têm noção
*


E se nela falam por qualquer razão,

Da mesma maneira pulam, fazem pinos,

Se entregam, audazes, a tais desatinos

Que nos perguntamos como aguentarão...
*


Quanto a nós, adultos no Outono da vida,

Bem sabendo quanto nada é linear

E que, a dor que mate, nem uma partida,
*


Ainda que ajude, poderá salvar,

Não espanta uma vida que foi destruída

Por dor que, de horrenda, prefiro calar.
*

 


Mª João Brito de Sousa

28.04.2023 - 01.05h
***

9.
*

“Por dor que, de horrenda, prefiro calar”
Calar, sim, calemos que é muito melhor
Falemos do dia até o sol se pôr
E da natureza, das ondas do mar
*

Não sobre a tristeza, temos de a arredar
E pô-la de lado. Falemos de amor
E de coisas boas ao nosso dispor
E já não da morte até ela chegar
*

As flores do campo, ou o nascer da aurora
Risos de alegria, sonhos de criança
Há tanta beleza pelo mundo fora
*

E até recordarmos - que boa a lembrança !!!
Deixemos as mágoas… que se vão embora
E que a vida traga ventos de mudança
*

Custódio Montes
28.4.2023
***

10.
*

"E que a vida traga ventos de mudança"

Que soprem nas velas das barcas da Vida

Pra que a Paz sonhada seja conseguida

E que em nós ressurja, renovada, a esp`rança
*


Sabemos que a barca desta Vida avança

Por entre borrascas qual guerreira f`rida

Que às vezes naufraga se for atingida

Por vaga que a exceda em vigor e pujança
*


Façamos, portanto, tudo o que pudermos

Pra que as tempestades sejam passageiras

Ou só se enfureçam sobre espaços ermos
*


Dos quais nossas barcas se afastem ligeiras

Se nós, marinheiros, amansar soubermos

Outras ameaças de ondas altaneiras.
*


Mª João Brito de Sousa

28.04.2023 - 10.30h
***

11.

*

“Outras ameaças de ondas altaneiras”
Como é o naufrágio que nos ameaça
Fiquemos na margem enquanto ele passa
E não arrisquemos a fazer asneiras

*

 

Na vida que corre há imensas maneiras
De afastar perigo que ao vir nos enlaça
Nos tira a saúde e nos deixa sem graça
Perturbando o sonho, causando canseiras

*

 

Que a vida nos corra sem melancolia
Porque ela é difícil e temos de ter
A clarividência e também a mestria

*

 

De em cada momento sabermos viver
Que os minutos passem com muita alegria
Assim tem que ser e querer é poder

*

Custódio Montes
28.4.2023
*

12.
*

"Assim tem que ser e querer é poder"

Embora nem sempre nos baste a vontade...

Mas acreditemos que é pura verdade

E algum benefício havemos de obter
*


Mas se de algum erro inocente eu estiver

Basta-me esse trunfo pra que a tempestade

Recue vencida p`la temeridade

De cada verdade que eu possa dizer?
*


Voltemos às ondas revoltas do mar,

Ao vento que sopra, ao trovão que reboa

E à mão sobre a roda do leme a teimar
*


Em salvar a Barca e levá-la a Lisboa:

Já passou a Barra e está quase a chegar

Ao porto que abriga a canção que ela entoa!
*

 

Mª João Brito de Sousa

28.04.2023 - 13.45h
***

13.
*

“Ao porto que abriga a canção que ela entoa”
Do alto da onda até praia segura
A barca descansa depois da procura
De posição firme à ré e à proa
*

Se se vir ao largo pequena canoa
A virar de lado como uma tontura
Volta lá a barca, logo lhe assegura
O seu salvamento, sem andar à toa
*

Mas neste começo ao em onda falar
Andou-me outro assunto no meu pensamento
Descrevi o modo de eu germinar
*

E de ter chegado sem padecimento
Ao mundo dos vivos sem dor nem chorar
Falei do início, do meu nascimento
*

Custódio Montes
28.4.2023
***
14.
*

"Falei do início, do meu nascimento"

Dos tempos primevos, do espanto à candura,

De mim, nascituro, e de mim, criatura

Que agora madura voa em pensamento
*


E tenta, e consegue esbanjar-se em talento

E poemas que alcançam tal envergadura

Que em todos se encontra quando se procura

Na onda em que escolha nadar contra o tempo...
*


De inícios falemos, assim, versejando

No entardecer deste dia de V`rão,

Quando a noite espreita e nos vai impregnando
*


De um luar que evoca uma outra dimensão,

Neste mar de assombro e de vagas quebrando,

"No alto da onda deu-se a explosão"!
*

 

Mª João Brito de Sousa

28.04.2023 - 21.25h
***

06
Ago22

ÉS O SOL - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

Amantes - Pablo Picasso.jpg

Tela de Pablo Picasso (1881/1973)

 

 

ÉS O SOL
*

Coroa de Sonetos
*

Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*

1.
*

És o sol que me aquece dia a dia

Na caverna que arrefece o meu viver

Sem ti o que seria do meu ser

Sem o amor que me dá tanta alegria
*


Amar-te até ao fim é uma fatia

Do que mereces tu para te ter

E muito mais farei até morrer

Ao colo do frescor dessa magia
*


À volta do teu seio e remanso

Reclino a cabeça e descanso

Estarei sempre alegre ao teu redor
*


Que é meu esse ambiente essa frescura

Que me leva ao céu e à loucura

De ter no teu regaço o meu amor
*

Custódio Montes

5.8.2022

***

2.
*

"De ter no teu regaço o meu amor",

Lembro-me bem de em tempos tê-lo dito,

Mas essa é frase que não mais repito

Porque perdeu há muito o seu fulgor
*


E esse meu sol deixou de dar calor,

Tornou-se, para mim, astro proscrito

Que se perdeu, talvez, no infinito

Que é, das grandes lonjuras, a maior...
*


Mas pudesse eu no tempo recuar

E porque me conheço vou jurar

Que o mesmo sol de então me atrairia
*


Sorrio e nem sequer penso em tentar

Andar pra trás, voltando a orbitar

Um astro que entender-me não sabia.
*


Mª João Brito de Sousa

05.08.2022 - 14.50h
***

3.
*

“Um astro que entender-me não sabia”

Mas voou pelo estro do meu ser

E me fez prisioneiro e renascer

Dum grande amor que eu já não conhecia
*


E a cada hora mais ele se abria

A ponto de por ele me perder

Não pôde o coração se defender

E seguir outro rumo ou outra via
*


Agora já nem sei se me conheço

Que tudo o que eu tenho lhe ofereço

O que tenho cá dentro e fora a pele
*


Mas vivo tão contente e satisfeito

Que esse amor que lhe tenho tão perfeito

Me confunde: sou eu ou serei ele ?
*

Custódio Montes

5.8.2022
***

4.
*

"Me confunde: sou eu ou serei ele?"

E exactamente o mesmo se passou

Comigo, quando o sol me deslumbrou

E me cegou até tornar-me dele...
*


Porém, astro não há que não revele

O lado obscuro que antes não mostrou

E até eu fui aquilo que não sou

Enquanto ao sol queimava a minha pele
*


Agora, enquanto leio o que me diz,

Lembro-me que dizia ser feliz,

Embora cada vez mais me anulasse
*


E lá no fundo, muito lá no fundo,

Uma voz sussurrasse - a voz do mundo? -

Que era pura loucura, aquele impasse.
*

Mª João Brito de Sousa

05.08.2022 - 16.00h
***

5.
*

“Que era pura loucura, aquele impasse”

Mesmo assim prosseguiu o seu intento

Lançando o coração de asas ao vento

Pensando que ele ao céu fosse e o levasse
*


Que a gente quando ama segue a face

Do belo imaginado e o pensamento

Sente tanta alegria a seu contento

Que segue irresistível esse enlace
*


E nunca se arrepende o coração

Sem saber o motivo ou a razão

De seguir esse rumo e caminhar
*


Nunca sente a tortura que o aflige

E todo o amor que tem ele o dirige

A quem quis para sempre ter e amar
*

Custódio Montes

5.8.2022
***


6.
*

"A quem quis para sempre ter e amar"

Tive e amei enquanto foi possível,

Mas quando a tempestade mais temível

Rebentou sobre nós a ribombar
*


Nenhum de nós sequer ousou brilhar

Que o espanto, também ele, é perecível

E o sol deixa de ser apetecível

Para quem nel`se acaba de queimar...
*


O que passou, passou. Se houve saudade,

Pouco durou que a criatividade

Depressa se lhe veio sobrepor
*


E nem sei se valeu, ou não, a pena...

Só sei que a peça já saiu de cena

E que foi escrita não sei por que autor.
*

 

Mª João Brito de Sousa

05.08.2022 - 17.25 h
***

7.
*

“E que foi escrita não sei por que autor…”

Que teve assim motivo de romance

Analisando à volta a performance

Do êxito e do auge desse amor
*


Em coisas bem pequenas há valor

Que visto só depois e de relance

Dá tema ao autor para que avance

E faça boa obra ao seu redor
*


Nem tudo o que se passa é problema

Mas de repente temos um dilema

Que não se pode mais ultrapassar
*


No romance haverá uma maneira

De abrir então os olhos à cegueira

Terminando o casal feliz a amar
*

Custódio Montes

5.8.2022
*

8.
*

"Terminando o casal feliz a amar"

Ou em separação, se não houver

Melhor forma de tudo resolver

Até a tempestade se acalmar
*


Que é, por vezes, melhor tudo acabar

Do que tentar fazer prevalecer

Amor que esteja à beira de morrer

E já sem esp`rança de ressuscitar...
*


- Já tive um sol, mas todo o sol se esconde

Na linha de horizonte, ou sei lá onde

Queira um sol refazer o seu caminho...
*


Possa este meu caminho solitário

Ser, por opção, o sol do meu solário

No ôco aconchegante do meu ninho!
*


Mª João Brito de Sousa

05.08.2022 - 21.00h

***

9.
*

“No ôco aconchegante do meu ninho”

Existe a esperança a reentrar

Com os netos e filhos a alegrar

A minha casa antiga, um meu cantinho
*


A casa agora cheia de carinho

Com todos a correr e a nadar

A jogarem à bola e a saltar

E termos mesmo ao lado um bom vizinho
*


O sol que nos aquece e acalenta

Clareia tudo à volta e a gente inventa

A forma de o gozar e resistir
*


A sua intensidade e o seu calor

Deixamos-lo na sua hora pior

Para melhor em casa nos sentir
*

Custódio Montes

5.8.2022
***

10.
*

"Para melhor em casa nos/me sentir"

Depois dessoutro sol ter ido embora,

Voltei a ser aquela que antes fora

E comecei, enfim, a produzir
*


Todas as coisas que ousara trair

Sem que soubesse estar a ser traidora:

Acorda a Musa que comigo mora

Depois de estar vinte anos a dormir
*


E volto a ser quem fui em tempos idos,

Dona e senhora destes meus sentidos,

Operária de versos e de telas
*


Os outros que respondam, se o souberem,

Pelo que já fizeram - ou fizerem... -,

Que eu só sei compor versos, não novelas.
*

 

Mª João Brito de Sousa

05.08.2022 - 23.00h
***
11.
*

“Que eu só sei compor versos, não novelas”

Que estas apenas têm sentimento

Que é de aparato, ou menos, no momento

Em que forem passando pelas telas
*


Não temos qualquer dor depois de vê-las

Nem nos causam tristeza ou lamento.

Num verso quando eivado de tormento

As dores ficam lá ao escrevê-las
*


Escrita uma paixão que a gente teve

Ao tornar a lembrá-la não é leve

E nunca mais nos deixa e vai embora
*


Deve-se, antes, pensar, sendo capaz,

Na alegria que chega e vem de trás

E não nessa paixão, de novo, agora.


Custódio Montes

6.8.2022
***

12.
*

"E não nessa paixão, de novo, agora"

Porque, nisso, eu e Musa de igual forma

Não sabemos mentir... Fugindo à norma,

Lançamos a verdade, verso afora...
*


Nenhuma de nós duas "fingidora",

Nenhuma de nós chora ou se conforma

Com a mentira que tão bem contorna

O que a verdade grita a toda a hora...
*


Mas deu-me o sol momentos de beleza

E a alguns recordo ainda com clareza,

Por isso em coro disse: És o meu sol!
*


Deveria, talvez, ter-me calado,

Mas esta Musa, de ouvido apurado,

Tentou-me até morder isco e anzol...
*

 

Mª João Brito de Sousa

06.08.2022 - 10.30h
***
13.
*

“Tentou-me até morder isco e anzol….”

Mas valeu-me eu estar desconfiado

Senão ela ter-me-ia enganado

No seu canto orquestrado em dó bemol
*


Fechou-me tudo à volta com lençol

Para que eu a não visse. Apaixonado

Resisti e depois de a ter deixado

Voltei para cantar à rouxinol
*


E a minha amada então ficou contente

Passou de novo a ser meu sol nascente

E ser o meu destino, o meu desejo
*


Ao vê-la logo aceno e digo adeus

Apresso-me a fazer seus olhos meus

E ficamos um só ao dar um beijo
*

Custódio Montes

6.8.2022
***

14.
*

"E ficamos um só ao dar um beijo"...

Faça-se o seu presente o meu passado

Remoto, é certo, mas vivenciado

E belo como as águas do meu Tejo
*


Pois sendo hoje mais amplo o que cotejo,

Parece o resto ter-se aligeirado,

Tomando a dimensão de um velho fado

No qual não cabe já qualquer desejo
*


Também sou um produto do vivido,

Nisso me espelho e não há desmentido

Que me faça negar que houve alegria
*


E uma absurda ilusão de ser feliz

Quando dizia, tal como aqui diz:

"És o sol que me aquece dia a dia"!
*


Mª João Brito de Sousa

06.08.2022 - 12.30h
***

19
Jul22

RAZÃO - Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues

Maria João Brito de Sousa

O SONO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS - GOYA (1).jpg

"O SONO DA RAZÃO PRODUZ MONSTROS"

Francisco de Goya

***

RAZÃO - Coroa de Sonetos

*
Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues
*


1.
*
Chegaste escondida nas asas do tempo:

És ré sem sentença nem culpa formada

E germe da força que (in)gere o talento

Duma humanidade confusa e cansada
*


Encontro-te sempre. Não te oiço um lamento

Que a raiva - até ela! - se quer registada

Num ficheiro próprio e num só documento

Conquanto te nasça por tudo e por nada...
*


Chegaste e provaste de todos os frutos:

Exultaste os partos, choraste os teus lutos,

Sonhaste os teus sonhos, lavraste o teu chão...
*

 

Hoje destronada, Razão que aqui canto,

Quem ousa remir-te envergando o teu manto

Que sempre foi pródigo e fértil, Razão?
*

 

Mª João Brito de Sousa

16.07.2022 - 12.40h
***

Gravura de Francisco de Goya
***

2.
*

"Que sempre foi pródigo e fértil, Razão?"

um manto de luz pejado de estrelas

ou apenas triste, magra escuridão

que nem tua Musa se oferece p'ra vê-las.
*


Porquê tanto encómio na mente/razão

se ela funciona, em nós, como trelas

prendendo o sentido da nossa emoção

que ela se nega demais por contê-las?
*


Razão, ó razão, que és "razão pura"

não estragues dos versos a linda figura:

deixa extravasar o medo de Ser!
*

Porque, sendo mente, és pura estrutura

pejada da história que vem da cultura

e vai perseguir-te, depois de nascer.
*

Laurinda Rodrigues
***

3.
*

"E vai perseguir-(me) depois de nascer",

Sem medos, que medo não sinto... que queres?

Seduzem-me os monstros que deito a perder

No poço sem fundo dos fracos prazeres...
*


À Razão não perco e pretendo-a manter

Dialéctica eterna dos meus afazeres...

Não a quero pura nem estática ver,

Porque ela só pára se a não entenderes
*


E viva se espelha nas mãos proletárias,

De maneiras tantas, de formas tão várias,

Que os seus belos frutos sempre irão brotar
*


Ao longo de ramas reais, necessárias

Às almas obreiras e extraordinárias

Que entendem ser justo a Razão resgatar.

*

Mª João Brito de Sousa

18.07.2022 - 13.08h
***

4.
*

"Que entendem ser justo a Razão resgatar"

e dar-lhe o estatuto de criatividade

mesmo que, depois, a mente larvar

só produza ideias da posteridade.
*


Ó ervas daninhas, crescidas no ar,

da vossa presença não tenho saudade.

Quero enlouquecer e me apaixonar

sem ter normativos de terceira idade.
*

 

E, como uma onda, cobrir os sentidos

de torpes palavras e agudos gemidos

deixando na terra o gosto das águas...
*


Talvez sejam gestos, há muito esquecidos

em sono acordado de sonhos dormidos,

de uma alma insana nascida de mágoas.
*

Laurinda Rodrigues

***
5.
*

"De uma alma insana nascida de mágoas"

Nasceram dif`rentes posturas de classe:

Conspira o burguês, cria montros e fráguas

Que amansem "proletas", vencendo esse impasse
*

 

Cruzam-se os seus barcos. Vão mansas as águas...

Tão só de aparência pois quem as olhasse

Sondando o que cresce para além das tábuas,

Veria o que eu vejo... e talvez não gostasse...
*


Mas para que o saibas, aqui te confesso

No Pós-Modernismo ter visto progresso...

Cresci seduzida por ele. E contudo,
*


Amadurecida, só vi retrocesso...

Ser escriba ou poeta é todo um processo

De talento - é certo! - mas também de estudo.
*


Mª João Brito de Sousa

18.07.2022 - 16.50h

***

6.
*

"De talento - é certo! - mas também de estudo"

criaste teu espírito de Razão letrada.

Eu só partilhei o cinema mudo

onde todo o gesto é gesto de fada.
*


Percebo, no entanto, um pouco de tudo,

um tudo de tudo, um tudo de nada...

e, sempre sonhando, eu nunca me iludo

nem às frustrações eu fico fixada.
*


Se o mundo se arroga o Ser da Razão

deixando que morra o amor e a paixão

que sempre fecunda a terra e o mar,
*

 

Sempre gritarei ao outros meu "não"

por quererem impor essa reclusão

que a Razão impõe, em vez de sonhar.
*

Laurinda Rodrigues
*

7.
*

"Que a Razão impõe, em vez de sonhar"?

És tu quem o diz, que eu nunca o diria,

Já que é pelo sonho que me hei-de guiar

De dia e de noite, de noite e de dia
*

 

E à Razão, coitada, querem-na enterrar

Com sonhos e tudo, junto à mais-valia

Da mão que trabalha pra pouco ganhar

Que o grosso do lucro alimenta a avaria...
*

 

Em boa verdade te digo e repito

Estar ela em extinção neste mundo em conflito

Por ser dela o sonho que se concretiza
*


E tudo isto é fruto de um esquema, de um mito,

Que a quer difamada para que o aflito

Não saiba nem sonhe quanto idealiza!
*


Mª João Brito de Sousa

18.07.2022 - 20.30h

***

8.
*

"Não saiba nem sonhe quanto idealiza"

é imperativo do Código que indica

as razões do jogo, que o jogo precisa

p'ra salvar o Ego, de que nunca abdica.
*


É tal sua força, que julgo exterioriza

que tem de enfrentar o medo, que fica

quando, à noite, só e triste, precisa

dessa mão e colo que o dulcifica.
*


Somos todos sábios e néscios na vida

a querer desvendar sentido à partida

p'ra morte que chega, nunca com razão...
*


E usamos a história, que foi muito lida,

contando o segredo e a mágoa da ferida

por termos matado nosso coração.
*

Laurinda Rodrigues
***

9.
*

"Por termos matado nosso coração",

Dirão alguns néscios e sábios em coro

Não compreendendo que foi a Razão

Que foi despojada da c`roa de louro
*


E logo enterrada em três palmos de chão

Pela burguesia sedenta do ouro,

Senhora da guerra que actua à traição

E nos manipula sem qualquer decoro
*


Não vês que anda o mundo cego e tresloucado,

Que tudo confunde, virtude e pecado,

E que andam os pobres cada vez mais pobres,
*


Que embora pulsando num peito estouvado,

Nem um coração foi detido e julgado

Em nome de causas que se afirmam nobres?!
*

 

Mª João Brito de Sousa

19.07.2022 - 09.10h
***

10.
*

"Em nome de causas que se afirmam nobres",

a Razão declara submissão e paz,

com promessas vãs que sempre descobres

estar pr'além daquilo de que se é capaz.
*


Assim divididos um e outro, encobres

que a sua verdade é mentira e jaz

entre a multidão de ricos e pobres

que acabam iguais, quando a morte apraz.
*


Em nome da honra e do compromisso

brincas à Razão e invocas feitiço,

destino cruél que vem do Além.
*


Mas - ai! - já não escapas e acreditas nisso

pois é com palavras que a maldade atiço

em forma de medo, de raiva ou desdém.
*

Laurinda Rodrigues

***

11.
*

"Em forma de medo, de raiva ou desdém"

Respondes àquilo que serena exponho...

Qual de nós conhece tudo o que convém

Ao homem que cresce dentro do seu sonho?
*


Desdenha, enraivece... nada nos detém,

Nem sequer o monstro mais cru, mais medonho

Que afronte e desminta um homem de bem,

Redimido agora, jamais enfadonho
*


Desconheces, creio, que o capitalista

Destrói a Razão pra que ela desista

De ser ferramenta dos trabalhadores
*


Eu, que em mim a trago, tenho-a por benquista

Irmã do explorado, Musa do artista

E um alvo a abater, para os seus censores.
*


Mª João Brito de Sousa

19.07.2022 - 11.26h
***
12.
*

"E um alvo a abater, para os seus censores"

descobres na pele, nos nervos, Razão?

É Razão porquê, se são delatores

e, sem caridade, não estendem a mão?
*


Estarás a ser alvo de estranhos temores

de um planeta exangue, com fome de pão,

sem qualquer resposta de dias melhores

mergulhado apenas na destruição?
*


Nas minhas entranhas, é certo que sei

que todo o presente é fruto da lei

que já vigorou em tempos passados...
*


Não falo, nem escrevo, sobre aquilo que dei,

o que recebi, aquilo que esperei...

Apenas desejo novos seres alados.
*


Laurinda Rodrigues
***

13.
*

"Apenas desejo novos seres alados",

Ícaros - quem sabe? - com asas de cera,

Mais tarde ou mais cedo sendo castigados

Plos deuses irados do topo da esfera
*


Tal qual a Razão foi, por seus jurados

Sem escudo lançada na jaula da fera

De compridas garras, dentes afiados

E a ferocidade sem fim da quimera
*


Tu e eu, burguesas privilegiadas,

Temos perspectivas bem distanciadas:

"Nem guerra entre os povos, nem paz entre as classes!"
*


Sim, são bem bonitas essas tuas fadas,

Mas que sabem elas de bocas esfaimadas,

Dos povos sem terra e dos grandes rapaces?
*


Mª João Brito de Sousa

19.07.2022 - 15.00h
***


14.
*

"Dos povos sem terra e dos grandes rapaces"

sei mais do que pensam ou julgam pensar...

Nasci de outra vida em tempos fugaces

onde não havia Razão para cantar.
*


No entanto cantei, sem temer as classes,

brincando ao poder que quer dominar...

E, sendo mulher de poucos enlaces,

troquei-lhes as voltas e soube singrar.
*


De burguesa tenho poesia editada

que posso exibir, quando estou tentada

a jogar, com os outros, esse passatempo...
*


E, um dia, a Razão há-de estar parada,

abrindo-te as portas quando, p'la calada,

"chegaste(,) escondida nas asas do tempo".
*

Laurinda Rodrigues
***

 

 

 

 

17
Mar22

ANJO - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa

Maria João Brito de Sousa

anjos.jpg

"Promenade" - Marc Chagall

 

ANJO - Custódio Montes e Mª João Brito de Sousa
*

Coroa de Sonetos

1.
*

Um anjo bem gostava eu de ser

Voava até Oeiras junto ao mar

Para ver outro anjo a poetar

Olhar e escutar o acontecer
*

Como era bom aí eu escrever

Ouvia o outro anjo e ao escutar

Melhor me poderia inspirar

E vinha e ia lá para aprender
*

Que os anjos têm asas e alto voam

E cânticos poéticos entoam

Agora, dia e noite e todo o ano
*


De longe vem um canto de alegria

Que entoa uma musa com mestria

Ia ouvir se fosse anjo, um anjo humano
*

Custódio Montes

15.3.2022
***
2.
*

"Ia ouvir se fosse anjo, um anjo humano"

Que pudesse ir além do que aqui escrevo,

Um canto a despontar do doce enlevo

Do seu altivo berço de serrano
*


Onde crescem as torgas mano a mano

Com a carqueja e com o verde trevo...

Anjo não sou, porém, e se me elevo,

Caio a seguir e só provoco é dano...
*


Só a palavra voa quando a solto

E fica a orbitar o chão revolto

Da minha linda terra-quase-mar
*


É a palavra a minha ferramenta;

Nasce ainda que eu esteja sonolenta

E há-de sobreviver ao que eu calar...
*


Mª João Brito de Sousa

15.03.2022 - 18.00h
***
3.
*

“E há-de sobreviver ao que eu calar…”

Porque fica a palavra como um hino

Ou como numa torre ao longe um sino

Que se ouve a cada hora badalar
*


O escrito por cá fica a perdurar

Com brilho intenso, brilho cristalino

Com graça, sempre novo, tal menino

Alegre que não deixa de brincar
*


E quem o escrito lê, seja onde for,

Logo se vai lembrar do seu autor

Ao qual dará as loas que merece
*


Se morre ele ou o anjo, o escrito não

Que traz a luz e apaga a escuridão

Ao ir-se o autor, no verso permanece
*

Custodio Montes

16.3.2022
***

4.
*

"Ao ir-se o autor, no verso permanece"

E assim se vai mudando a morte em vida,

Porque muito depois da despedida

Se ouve o seu canto como se vivesse
*


Quem já partiu... E sem que ele o soubesse

Enquanto a mão escrevia decidida

A deixar uma estrofe bem tecida,

Já o olhar de alguém de novo a tece
*


E se o que leu acaso o cativou,

Se algum encanto aquele olhar lhe achou,

Passa o poema a ser de mais alguém
*


Talvez um outro olhar venha depois

E esses encantados já são dois,

Ainda que o não leia mais ninguém...
*


Mª João Brito de Sousa

16.03.2022 - 11.10h
***

5.
*

“Ainda que o não leia mais ninguém”

E se alguém ler o verso é o bastante

Para quem o escreveu ir por diante

Que fica da leitura o que contém
*


Não morre e permanência ele tem

Mesmo que a pena esteja já distante

A memória deixada vai avante

Ainda que o autor vai para o além
*


A vida continua no universo

Da mente que o criou e no seu verso

Em marco que lhe traz memória plena
*


Estando ele escrito, o verso fica

E mantém o autor que deifica

No verso que escreveu e no poema
*

Custodio Montes

16.3.2022
***
6.
*

"No verso que escreveu e no poema"

Talvez habite um anjo, um anjo alado

Que ao voar vá espalhando o seu recado

E o faça dia a dia, por sistema...
*


Talvez esse anjo enfrente algum dilema,

Talvez um dia hesite e com cuidado

Mantenha um verso ou outro bem guardado,

Não venha ele causar algum problema
*


Mas muito raramente isso acontece

Porque um verso respeito lhe merece

E o seu destino nem um anjo o sabe
*


Ainda que lhe tema pela sorte,

Nenhum anjo duvida de que a morte

Não cabe nunca onde um poema cabe...
*


Mª João Brito de Sousa

16.03.2022 - 12.40 h

***
7.
*

“Não cabe nunca onde um poema cabe”

Por isso, a vida angélica não quero

Digo-o frontalmente, sou sincero

Só a vida terrena é que me sabe
*


Pensarmos no além é um entrave

É ter junto de nós animal fero

Que amedronta e nos leva ao desespero

Por isso, o rejeito e em mim não cabe
*


Mesmo tendo um só dedo a escrever

Prefiro apenas tê-lo e ao meu ser

Que ficar no poema após a morte
*


Enquanto por aqui a gente andar

Podem fazer-se versos de encantar

Porque enquanto por cá se almeja um norte
*

Custodio Montes

16.3.2022
***

8.
*

"Porque enquanto por cá se almeja um norte",

Por lá, um anjo alado e incorpóreo

Terá o peso do corpo marmóreo

Que em tempos lhe tiver cabido em sorte
*


E ainda que belo em seu recorte,

Terá a dimensão de um acessório,

Nada fará de bom, de meritório,

Para além de exibir seu nobre porte
*


Enquanto os outros, os que ao nosso lado

Enfrentam este mundo atormentado,

Com a coragem própria dos humanos
*


Que mais ou menos belos - pouco importa! -,

Trazem sempre a palavra que conforta

Um irmão que sucumbe aos desenganos.
*


Mª João Brito de Sousa

16.03.2022 - 14.30h
***
9.
*

“Um irmão que sucumbe aos desenganos”

Cheio de sofrimento e de tristeza

Ao ver ao seu redor tanta vileza

E actos asquerosos e insanos
*


Em cada hora e dia, pelos anos

Desviando fortunas à pobreza

E exibindo gestos de grandeza

Com cheiros bafientos pelos canos
*


O anjo bem os vê mas não faz nada

Deixando andar no mundo a canalhada

Que é muito pior que um animal
*


Há guerras destrutivas sem quartel

Em confusão de torre de Babel

De anjos não dos nossos mas do mal
*

Custodio Montes

16.3.2022
***
10.
*

"De anjos não dos nossos mas do mal",

Humanos todos, que noutros não creio,

Esteve este nosso mundo sempre cheio

E para muitos é coisa banal
*


Uma guerra sangrenta e tão brutal

Que avança, que parece não ter freio

Porquanto tudo leva de escanteio

Pra descambar num ódio irracional...
*


Anjos do mal ou peões dos int`resses

Da indústria da guerra e das benesses

De que muitos irão tirar proveito?
*


Sou contra as guerras! Frias, mornas, quentes

Ou mesmo as que, subtis, dominam mentes...

Às guerras entre povos, nunca aceito!
*


Mª João Brito de Sousa

16.03.2022 - 16.30h
***

11.
*

“Às guerras entre povos, nunca aceito”

Nem eu as quero ver à minha porta

Nem na terra de quem as não exorta

Nem mesmo nas de quem as usa a eito
*


Ao escolher o povo o seu eleito

Pensa que ele ao mandar bem se comporta

Mas depois de o escolher Inês é morta

E só então lhe vê esse defeito
*


Destrói povos irmãos mesmo ao lado

Por títeres o exército mandado

Causam destruição, barbaridade
*


E quem os elegeu se está repeso

Não pode abrir a boca que vai preso

E manda o ditador sem piedade
*

Custodio Montes

16.3.2022
***
12.
*

"E manda o ditador sem piedade",

Como é comum a todo o ditador,

Que a guerra se erga em todo o seu "esplendor"

Em cada rua ou praça da cidade
*


Não de é anjo, decerto, essa vontade

De ser o poderoso vingador

Dos mártires do Donbass na sua dor;

É de quem julga ter impunidade
*


Mas se de anjos falamos - não de demos -

Melhor será que assim continuemos,

Que embora o Sahara voe sobre nós
*


E esteja o céu repleto de poeira,

É preferível não cair na asneira

De dissertar sobre esta guerra atroz
*


Mª João Brito de Sousa

16.03.2022 - 18.00h

***
13.
*

“De dissertar sobre esta guerra atroz”

Eu só a referir mas de passagem

Para aludir àquela vilanagem

Que quer passar por anjo e é feroz
*


Mas nos versos trocados entre nós

Eu só falo dum anjo de coragem

Que me traz harmonia e vantagem

Bem junto ao rio Tejo e à sua foz
*


A esse gosto bem de o ver voar

A dar a dar às asas junto ao mar

E com poemas lindos que eu almejo
*


Queria que a saúde lhe voltasse

E que o seu lindo estro não parasse

Seria esse o meu maior desejo
*

Custodio Montes

17.3.2022
***

14.
*

"Seria esse o meu maior desejo"

E eu tanto assim sei bem não merecer,

Não sei sequer como hei-de agradecer,

Se de lhe agradecer tiver ensejo...
*


Anjo não sou, que a tanto não almejo,

Apenas sou poeta e sou mulher

Velha demais pra pensar em crescer

Ou pra esquecer os versos que cortejo
*


Por isso escrevo tanto e tão depressa:

Um verso acabo e um outro já começa

A bailar-me na mente, a qu`rer nascer
*


E por isso, também, logo entendi

O que, no que transcrevo, acima li:

"Um anjo bem gostava eu de ser"!
*


Mª João Brito de Sousa

16.03.2022 - 19.10h

***

 

 

 

01
Mar22

SONETO À "CHEF" - Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues

Maria João Brito de Sousa

soneto á chef 2.jpg

SONETO À "CHEF"
*

(Sem jaleca, nem estrelinhas)
*

Coroa de Sonetos
*

Mª João Brito de Sousa e Laurinda Rodrigues
*

1.
*

Sim, já usei palas, uma em cada olho,

Mas uma jaleca com direito a estrela,

Nunca usei nenhuma, nunca pude tê-la

Por não saber como... bringir um repolho!
*


Não tendo jaleca, estrelinhas não colho

Nem mesmo as que observo da minha janela;

Sou tão só poeta, escrevo à luz da vela,

Mal vou distinguindo espargos de restolho...
*

 

Quem me faz um prato com este soneto

Sem peixe, sem carne, nem sabor concreto?

E acabo eu de ouvir que de um bom cozinhado
*

 

Um "Chef" estrelado faria um poema...*

Que o faça, que eu provo! Salgou-lhe um fonema?

Faltou-lhe a mestria de um vate inspirado!
*

 

Mª João Brito de Sousa

27.02.2022 - 12.00h

 


* Chef Óscar Geadas na finalíssima do programa MasterChef Portugal
***
2.
*

"Falta-lhe a mestria de um vate inspirado"

que tenha no corpo a grande lição

que o cheiro e o gosto, depois de provado

não gosta de expor sua rendição.
*


O "chefe" ou a "chefe" das coisas visíveis

esconde para nós a ponta do véu:

somos atraídos por ecos plausíveis

que brotam perfumes que a terra nos deu.
*

Mas nada é verdade. Verdade que importa?

Todos pretendemos não ser "cepa torta"

traduzindo o eco de gritos potentes...
*


Talvez esteja longe! Mas cá, entre nós,

espero que haja gente que, ao usar a voz,

traduza razões que sejam diferentes.
*

Laurinda Rodrigues

27.02.2022
***

3.
*

"Traduza razões que sejam diferentes"

Bringidas, seladas ou talvez cozidas

Já que pouco entendo de águas "reduzidas"

E algas polvilhadas de ocres reluzentes...
*


Mas que são bonitas e muito atraentes

As tais obras-primas por lá concebidas,

Disso não duvido porque as vi servidas

Quer estivessem frias, quer estivessem quentes!
*


Eu que mal cozinho, vou fazê-lo agora,

Mas "Chefa" não sou, sou só "comedora"

E um arroz me basta se uma costeleta
*


Bem ou mal passada puder pôr no prato,

Que a barriga sinto roída por rato,

No que toca a pratos, pouco ou nada esteta...
*


Mª João Brito de Sousa

27.02.2022 - 14.00h

***
4.
*

"No que toca a pratos, pouco ou nada esteta"

mas será artista na decoração

da mesa e da louça que são sua meta

trazida do tempo de infância e paixão.
*


Lembranças colhidas de sabores eternos

sentados à volta, com cheiro a lareira.

Não existem guerras nem esses infernos

de quem não tem pão, nem eira nem beira.
*


Histórias mal contadas. Doces reprimendas

que, agora, esquecidas, sabem a merendas

de doces com gestos apaziguadores...
*


Nem sequer importa quem foi cozinheira

porque, na alegria, tu foste a primeira

devorando, ansiosa, todos os odores.
*

Laurinda Rodrigues
***
5.
*

"Devorando, ansiosa, todos os odores"

Vêm-me à memória belas rabanadas,

Açordinhas d`alho, filhós, encharcadas...

E a essas memórias juntam-se os sabores
*


De antigas compotas, de velhos licores,

Das mil iguarias bem confeccionadas

Pela avó Maria ou pelas empregadas

Das casas maternas, meus grandes amores...
*


Três foram as casas em que fui crescendo;

Todas me prenderam, todas fui prendendo

E sou hoje um bairro de três casas só
*


Porque a quarta casa é a que hoje abriga

O corpo que envergo e o da minha amiga,

A Musa incansável, coberta de pó...
*


Mª João Brito de Sousa

27.02.2022 - 19.40h

***

6.
*

"A musa incansável, coberta de pó"

não tem a mania das arrumações

e a cama onde deita para fazer "óó"

é feita de sonhos, crenças, ilusões.
*


Não pede que a dona faça concessões

p'ra que chegue urgente sentada em trenó

como o Pai Natal ou como Papões

que na noite gemem como o som da mó.
*


Ah que sinfonia de gostos infindos

quebrados, esgotados, mas ainda lindos

que, atrás de uma porta, poetas aguardam...
*


E, sempre com medo das reais maldades,

compõem os versos que trazem saudades

de um tempo vivido que mágoas não guardam.
*

Laurinda Rodrigues
***

7.
*

"De um tempo vivido que mágoas não guardam"

Apuram-se as sopas de espinafre ou grão;

Para essas guardo a vara de condão

Cujos bons efeitos decerto não tardam...
*


Sobre o leite creme sempre convém que ardam,

Que flamejem chamas como se um dragão

Lançasse o seu sopro com mais devoção

Do que os mais que o comem, do que os mais que enfardam
*


E, agora, as memórias voltam prá panela

Com açúcar, leite e um pau de canela

A que junto lima para obter frescura
*


As gemas batidas e homogeneizadas

Serão, na mistura, bem incorporadas

Mal este soneto levante fervura...
*


Mª João Brito de Sousa

27.02.2022 - 21.30h
***

8.
*

"Mal este soneto levante fervura"

entornando o caldo tão açucarado

vais lamber a espuma, curando a secura

da espera de um beijo que saiba a pecado.
*


Não é cozinhado que o desejo cura

por muito que seja bem condimentado:

a fome de amor, que a ânsia tortura,

em nada se mata se não for saciado.
*


Transmuta-se a carne. O instinto sobra.

Comendo a maçã que te deu a cobra

ficarás p'ra sempre envolta em pecado.
*

E mesmo que escrevas ao tal cozinheiro

os teus belos versos num estilo certeiro

não vai ser a ele que entregas teu fado.
*

Laurinda Rodrigues
***

9.
*
" Não vai ser a ele que entregas teu fado"

E eu logo respondo que tudo o que entrego

É esta amizade que sinto e não nego

Por negar saber o que é o tal... "pecado"
*


E a menos que esteja muito perturbado

Ou surdo dos olhos, ou de ouvido cego,

A ti te o devolvo e em ti o delego;

Errou na morada, chegou atrasado!
*


Julgas que eu poeto para um cozinheiro

Só porque um soneto me nasceu matreiro

De uma frase ouvida? Devo-te dizer
*


Que estás enganada, nada disso eu quis,

Por pura ironia fiz o que aqui fiz;

Escrevo até pra cactos, se tal me aprouver...
*


Mª João Brito de Sousa

27.02.2022- 23.13h

*

10.
*

"Escrevo até para cactos, se tal me aprouver!"

Mas toma cuidado porque catos picam

e sendo, como és, a Grande Mulher

não gosto de ver que dores te salpicam.
*


Assim, é melhor os versos escrever

ao tal cozinheiro (que os petiscos bicam!)

e esperar que ele os venha comer

com sal e pimenta, que tão belos ficam!
*


Mas fico espantada que sejas capaz

de compor sonetos que nos tragam paz

depois de teres sido vítima da gula...
*

Presumo que a Musa já dorme contigo

debaixo da cama, sentada ao postigo,

enquanto teus versos sua boca oscula.
*

Laurinda Rodrigues
***
11.
*

"Enquanto teus versos sua boca oscula"

Ou beija os tais cactos que nunca a picaram;

Ambos têm espinhos que picam, mas saram,

Que a mãe natureza tudo isso regula
*


Enquanto o planeta circula e circula,

Meus olhos há horas que se descerraram

E o Sol já vai alto nos céus que azularam

Sem seguirem ordens, nem lerem a bula
*


Na paz dos meus versos dormi, com efeito;

Vestido o pijama fiquei a preceito

Pra mais uma noite de sono profundo
*


Não fosse o alarme tocar tantas vezes,

Teria dormido talvez uns bons meses

Alheia às desgraças que grassam no mundo...
*


Mª João Brito de Sousa

28.02.2022 - 10.20h

***

12.
*

"Alheia às desgraças que grassam no mundo"

mas nunca indiferente no fundo do Ser

que só a aparência de um medo profundo

rasgou as entranhas p'ra nunca morrer.
*


Se tocam os sinos p'la paz neste mundo

que estranha soada vai acontecer?

Talvez seja o grito desse ódio imundo

perdido no espaço... Iremos viver?
*


Entre cozinhados, com Chefes ou não

Poetas temperados com sonho a carvão

chegamos à meta, quase esmorecidas...
*


Tu cantas vitória e eu não canto, não!

porque esta memória cravou-me no chão

das várias memórias já acontecidas.
*


Laurinda Rodrigues
***

13.
*

" Das várias memórias já acontecidas"

Quem te diz que eu rio e que canto vitória,

Se nunca me esqueço das chagas que a História

Nos mostra - se a lermos - que são cometidas?
*


Minha Luta é outra! Estas, fratricidas,

Funestas, horrendas, trazem-me à memória

Prenúncios de morte; nem honra, nem glória,

Que essas são "fachadas", que essas são fingidas!
*


Deixo os cozinhados de requinte extremo

E evoco o Nautilus do Capitão Nemo

Transmutado, agora, num` arma nuclear...
*


Perco o apetite só de imaginá-lo!

Não cozo as batas, nem grelho o robalo,

Tenho é de esforçar-me pra não vomitar!
*


Mª João Brito de Sousa

28.02.2022 - 11.55h
***
14.
*

"Tenho é de esforçar-me para não vomitar"

quando olho e ouço notícias atrozes

onde o inconsciente está a governar

fazendo verter impulsos ferozes.
*


Já não acredito que apenas são vozes

a espalhar o medo sem o praticar...

Começamos bem com Chefes e nozes

que isto de comer prefiro a matar.
*


Afinal sabias que a poesia serve

para divertir, mas que também ferve

p´ra temperar a vida como fosse molho...
*


E armadas em Chefe, jaleca despida,

perguntas se um dia já fui corrompida:

"Sim, já usei palas, uma em cada olho."
*

Laurinda Rodrigues
***

 

 

 

 

 

 

 

21
Jan22

MOVER MONTANHAS - Coroa de Sonetos - Mª João B. Sousa e Ró Mar

Maria João Brito de Sousa

Mátria.jpg

MOVER MONTANHAS
*
Coroa de Sonetos
*

Mª João Brito de Sousa e Ró Mar
*
I
*

Não te procurarei até que venhas

E que tragas contigo o que levaste

De mim, que te dei mais do que sonhaste,

De mim, que hoje abandonas e desdenhas
*


Como se as tuas glosas fossem estranhas

Aos versos que comigo partilhaste...

Voa, então, até onde te encantaste

Ainda que voando me detenhas
*


Mas se em verdade, Musa, me olvidaste,

Enquanto noutras vozes te entretenhas

Ache eu a voz da voz que em mim calaste
*


E ainda que me perca se me ganhas,

É no poema que hoje me negaste

Que encontro a força pra mover montanhas.
*


Mª João Brito de Sousa

19.01.2022 - 13.45h

***
II
*

"Que encontro a força pra mover montanhas"
E destrono a Musa feiticeira,
Que de repente em manhas e artimanhas
Dá volta ao miolo e traz canseira!
*

Ah, como me apraz saber-me capaz
De improvisar sem ter fada madrinha
P'ra o toque final, tão bem que isso faz!
Não sendo ingrata, também sou estrelinha!
*

Venha o pôr do Sol, que eu desfilo ao lado!
Haja mar altaneiro e mais natureza
Para me consolar no poema amado!
*

Se tiveres de novo a delicadeza
De sobrevoar o meu céu estrelado
Serás o luar dos meus dias de tristeza.
*

© Ró Mar | 20/01/ 2022

***

III
*

"Serás o luar dos meus dias de tristeza"

E o sol das minhas noites de alegria,

Mas fada não serás onde a magia

Seja maior que o pão que levo à mesa...
*


Se sou plebeia, serás tu princesa

De um reino que nem sei se principia

Ou finda assim que cessa a melodia

A que vou estando noite e dia presa?
*


Existirás pr`além da teoria

E serás, realmente, a chama acesa

Duma candeia que só me alumia
*


Quando a palavra voa e me não pesa?

Musa, não sei que chama ardente ou fria

Soube acender em mim tanta incerteza...
*


Mª João Brito de Sousa


19.01.2022 - 23.30h
***

IV
*
"Soube acender em mim tanta incerteza..."
Por minha culpa, entreguei o coração
Num dia núveo p'ra sentir firmeza
Na minh' alma ao compor uma canção;
*

Mas, dias não são dias, hoje sei bem
O quanto tu me amaste na surdina;
Se me foges é porque queres-me bem
E eu sempre preciso da lamparina...
*

Ah, quantas as noites o Morfeu não vem!
E, o que me têm acesa noite adentro
És mesmo tu: ó Musa de todos sem...
*

Querubina da colina, epicentro
Da retina, qual o horizonte advém
Liberto, peculiar do circuncentro!
*

© Ró Mar | 20/01/ 2022

***

V
*
"Liberto, peculiar do circuncentro(!)",

Polígono imperfeito, deus de barro,

Espiral de fumo ou cinza de cigarro

E tudo o mais que exista cá por dentro
*


Quando de ti me afasto e desconcentro

E nunca sei se agarro e quando agarro...

Desse abraço improvável e bizarro

Há-de nascer a luz de um céu cruento
*


Montanhas trazes dentro do teu tarro

E algumas são de ferro e de cimento

Ainda fresco ou já mostrando o sarro
*


Do tempo em imparável movimento

Como se o ir e vir de um autocarro

Que não tem um motor nem traz assento
*


Mª João Brito de Sousa

20.01.2021 - 11.00h
***

VI
*
"Que não tem um motor nem traz assento"
E este carcomido, desamparado,
Onde a poeira aninha no argumento
Ressaltando o tempo pré-encerrado!
*

Por mais que abra janelas p'ra arejar
A maleita está aqui de tal forma,
Que não resta dúvida a despistar
Nem exclamações, tornando-se norma.
*

O vai-e-vem de engrimância na escalada
Ressalta, saltam os carretos, teia
Premiando a permuta prá 'pousada'.
*

Imagético, contudo recheia
De esperança o olhar da voz calada
E os dedos tremulando a ideia!
*

© Ró Mar | 20/01/ 2022
***

VII
*

"E os dedos tremulando a ideia",

Movem montanhas, plantam mil florestas

E, solidários, limam as arestas

Das estrelas-do-mar na maré cheia
*


Ninguém os pára, ninguém os refreia;

Nem os arqueiros com as suas bestas

Podem abrir mais que pequenas frestas

No muro de vontade que os rodeia
*

E se cansados fazem suas sestas

No sal do mar, em castelos de areia,

Jamais as horas lhes serão funestas
*


Que à noite hão-de ter astros para a ceia

Degustados ao som de mil orquestras

Conduzidas por uma só sereia.
*


Mª João Brito de Sousa

20.01.2022 - 15.40h
***

VIII
*
"Conduzidas por uma só sereia"
É mote de génio, que iça esta barca
Cambaleante entre o mar e a candeia
Na mística e aventurada matriarca;
*

Protetora das ninfas Oceânides
Criadora de floreado marítimo,
Que ascende às excelsas efemérides,
Ah, Tétis, Musa do vento Oceânico!
*

Move-se a Terra e ascende-se aos Céus
Neste belo pedaço mitológico
Onde se faz viagens pelos ilhéus;
*

Metáforas de mérito cronológico
Filiadas na Lumena dos coruchéus
Onde nasce o poder morfológico.
*

© Ró Mar | 20/01/2022
***

IX
*

"Onde nasce o poder morfológico"

E a lógica se despe de sentido,

Surge um ardor imenso e desmedido

Como se o surrealmente fisiológico
*


Nascesse, por acaso, num zoológico

E fosse um estranho sem nunca o ter sido...

Ah, quem o não teria enaltecido

Se fosse belo e sábio ou antológico?
*


Vogasse a Barca num mar já rendido

Ao vírus mais letal, mais patológico

E fosse o tripulante dissolvido
*


Num punhado de plâncton ideológico...

Seja este poema aceite ou proibido,

Nada do que foi escrito é escatológico!
*

 

Mª João Brito de Sousa

20.01.2022 - 17.20h
***

X
*
"Nada do que foi escrito é escatológico"
São meros laivos de raízes profundas
Ao vocábulo impugnando o lógico
Da maré, que se adivinha nas fundas!
*

Assim, esvaziado o pote mágico
Calcorreado vai o pensamento
Ao leme dum desnorte nostálgico
Implorando pelo sentimento.
*

Desvanece o modo de frasear
Porque escasseia a leda inspiração,
Que só dotados sabem desenrolar.
*

Cabe-me mover montanhas p'ra achar
O dom que outrora abria o coração
Num leque emotivo de fascinar!
*

Ró Mar | 20/01/2022
***

XI
*

"Num leque emotivo de fascinar(!)"

Lançou ao vento um punho de sementes;

De pé ficou, cerrados os seus dentes

Que mais não tinham para mastigar
*


Já que as sementes rodavam no ar

Todas seguindo rotas bem diferentes...

Que faria sem ter ingredientes

Pra pôr na mesa o pão do seu jantar?
*


Por que razão tivera tais repentes

E perdera as sementes sem pensar?

O vento não devolve em pratos quentes
*


Palavras acabadas de idear,

Mas pode um poema ser manjar de gentes,

Tentear-lhes a fome... e até sobrar?
*


Mª João Brito de Sousa

20.01.2022 - 19.15h
***

XII
*
"Tentear-lhes a fome... e até sobrar"
Para procriar fiapos noutra sequência
Expetante que venha a melhorar
O cardápio com dose de paciência.
*

E, por este labirinto sequiosa
Duma boa prosa escarafuncho
Até aos confins, nada receosa,
Embora se denote o caruncho.
*

Tenha eu ainda alguns dentes molares
Até ao dia de partir... hei-de sorrir,
Dar dentadas nas côdeas e acenares
*

Ao universo o uno verso de devir
Num cear coerente de afagares
Saciar famintos de estro... coexistir...
*

© Ró Mar | 20/01/2022
***

XIII
*

"Saciar famintos de estro... coexistir..."

Ser verbo e carne e nervo e até ser pão

Que desse verbo nasce humano e são

Enquanto a mão da Musa o permitir
*


E com dentes, ou não, saber sorrir,

Explorar a vida até à exaustão,

Escrever com toda a força da paixão,

Ser-se um vulcão que aprende a não explodir...
*


Movemos a montanha, mão com mão,

E abrimos as janelas do devir

Como quem abre uma outra dimensão
*


E se essa dimensão nos não servir,

Depressa mais janelas se abrirão

Sobre as montanhas que houver que subir!
*


Mª João Brito de Sousa

20.01.2022 - 22.05h
***

XIV
*

"Sobre as montanhas que houver que subir"

Se o fôlego falhar, basta a vontade

Que ela é quem nos traz a felicidade

E este pequeno orgulho de existir
*


Que vai nascendo em quem não desistir

De ir dando quanto pode em qualidade,

Pois só assim se alcança a igualdade

E a alegria imensa de a fruir...
*


Não desistas agora! Mais um passo

E um outro ainda. Nunca te detenhas

Que o teu maior troféu é o cansaço;
*


Se lhe resistes, moverás montanhas...

Mas nunca esperes pelo meu abraço,

"Não te procurarei até que venhas"!
*

 

Mª João Brito de Sousa

20.01.2022 - 22.45h
***

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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