Maria João Brito de Sousa
MURMÚRIOS DO TEMPO
Às vezes há murmúrios pelo tempo… O vento geme em portas e janelas As nuvens dissimulam as estrelas O sol fica sem brilho, pardacento
O céu muda de azul para cinzento A chuva traz-nos novas aguarelas; Mudando a Natureza as suas telas Talvez ela até faça algum lamento
Porém o tempo chora e há beleza No cinza de que veste a Natureza Embora haja uma bruma no seu rosto
Serão choros do tempo, de tristeza? Há tratos que lhe damos com rudeza Talvez haja no choro algum desgosto...
Joaquim Sustelo
(editado em MURMÚRIOS NO TEMPO)
...* ...
SILÊNCIOS DO TEMPO
Outras vezes o Tempo silencia
As vozes murmuradas dos poetas,
Guardando-as em caixas tão secretas
Que nem um adivinho as acharia
E ninguém sabe por que as guardaria,
Por que razão as cala se, directas,
Essas vozes se erguiam muito erectas
No tempo em que o poema resistia.
Lamentos, ou sorrisos, ficam mudos
Nas gavetas dos linhos, dos veludos
E das sedas que o Tempo resguardou
Dos humanos ouvidos, quais riquezas
Que se tornassem bem guardadas presas
Do silêncio a que o Tempo as condenou.
Maria João Brito de Sousa – 17.06.2018 – 14.47h
Imagem - O Poeta Pobre - Carl Spitzweg
publicado às 10:36
Maria João Brito de Sousa
PAIXÃO DE NAMORADOS
Como a chama reclama combustível, Para manter-se acesa e aquecida, A paixão, igualmente perecível, Depende do desejo pra ter vida.
Como a chama, a paixão é suscetível De extinguir-se depois de consumida, Mantendo-se, porém, inexaurível, Se a fonte dos desejos for mantida!
Não a fonte da eterna juventude, Mas a tal sensação de plenitude Que completa os casais apaixonados;
Que funde, além dos corpos, nossas almas Nas chamas da paixão, que, mesmo calmas, Nos fazem para sempre namorados!
Belém, 12 de junho de 2018. Jay Wallace Mota.
...* ...
A CHAMA DA AMIZADE
E quando a chama acesa permanece
Cúmplice, humana, atenta e solidária,
Quando por tudo e nada se enternece
E emana uma luzinha igualitária,
Será companheirismo, o que enaltece
Essa luz que julgámos temporária,
Mas que reluz ainda e mais parece
Ter-se tornado humana luminária.
Não explode em grandes brilhos de paixão,
Mas vai-nos garantindo a combustão
Por muito, muito tempo, essa luzinha
Que se acendeu na ponta de um rastilho
E cuja chamazinha, no seu brilho,
Começa a ser tão tua quanto é minha.
Maria João Brito de Sousa – 17.06.2018 – 10.17h
publicado às 10:33
Maria João Brito de Sousa
CONVERSANDO COM HELENA TERESA RUAS REIS
"De primaveras mesmo sendo Inverno",
De um Verbo novo e sempre mais eterno
Por cada nascituro abrindo a vida,
Dar novo olhar à dor que foi vencida.
Natal feliz: um mundo p'ra o que sofre.
Abaixo os sons do mal e o cheiro a enxofre!
Renove-se p'la paz todo o terror
Co'a Bíblia ou o Corão chamado Amor.
O sono de Jesus nos dê sossego
Num berço onde a miséria enobrece
E humildes nos curvamos numa prece.
Fruto terno e raiz a que me apego...
Ó inverno em Natal nossa esperança,
Quimera que nasceu doce criança!
Helena Teresa Ruas Reis
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"Quimera que nasceu doce criança"
E a todas as crianças representa
Fazendo, do Natal, terna mudança
Que a todos nos enlaça e nos sustenta.
Calem-se, então, os loucos da matança
Cuja riqueza, injusta e opulenta,
Nos torna a vida dura e sem parança
E sempre sacrifica alguém que tenta
Contra a ganância impor-se e dizer; Não!
Que nunca, nunca mais se nasça em vão,
Que nunca mais se sofram agonias,
Que se unam sempre o Amor e a Razão,
Pois cada um de nós tem por missão
Construir um Natal todos os dias!
Maria João Brito de Sousa – 22.12.2017
publicado às 17:51
Maria João Brito de Sousa
MEU LUGAR
Carmo Vasconcelos
O meu lugar cativo está no Além,
que este daqui, por marco provisório,
tem seu tempo marcado, transitório,
é morada perpétua de ninguém.
Estamos de passagem, mas porém,
não é caminho vão, de todo inglório,
pois se revela p'ra alma sanatório
de erros passados - carma que detém.
Na breve estada cabe-nos saldar
o "deve" e "haver" de vidas mal vividas
na displicência própria dos infantes;
sair da senda dos ignorantes,
crescer na luz das chances concedidas,
p'ra ganharmos, enfim, "nosso lugar".
Carmo Vasconcelos
DE TOMBO EM TOMBO ATÉ SE DESFAZER
Seja Depois o meu lugar cativo,
que no Tempo o concebo e não no Espaço
onde inteira me entrego ao tempo escasso
de amigos e poetas com quem privo.
Também estou de passagem... se hoje vivo,
nunca sei se amanhã se solta o laço,
mas enquanto te encontro, a ti me abraço,
poema que me tentas, louco e esquivo...
No “deve” e no “haver”, fico a perder;
devo mais do que dou, dando-me inteira
de corpo e alma e mais do que o possível,
Mas foi-me agreste a sorte que, insensível,
transmutou rocha em seixo de ribeira
que tomba e rola até se desfazer...
Maria João Brito de Sousa – 29.12.2017 – 11.10h
publicado às 13:41
Maria João Brito de Sousa
SAUDADE DO PIUÍÍÍ
*
Regina Coeli
Lá longe, onde o passado jaz perdido,
Sempre via um alegre trem passar;
Deixava som saudoso ao meu ouvido,
Um gostoso "piuííí" solto no ar...
*
A criançada, olhar embevecido,
Aplaudia o trenzinho em seu cantar,
"Piuííí, Piuííí!", um eco repetido
Até sumir sua imagem devagar...
*
No relembrar de dias tão distantes
Fica-me uma tristeza acre e sem fim:
Jamais verei "piuííís" como vi antes...
*
Um trem desliza e corre pelo chão,
Circula e encanta todos, não a mim,
Porque não traz "piuííí” ao coração...
*
Regina Coeli
Brasil
MEMÓRIAS DO “POUCA-TERRA, POUCA-TERRA”
*
Não houve “piuííís” no meu Dafundo,
Mas houve um “pouca-terra, pouca-terra”
Que enchia todo o meu pequeno mundo
Das fantasias que outro mundo encerra...
*
Passa agora um comboio, longe, ao fundo,
Mais distante e tão rápido que enterra
Ao passar bem veloz, num só segundo,
Sessenta e cinco anos, quando berra
*
Sobre os carris de ferro que devora...
Ao velho “pouca-terra” evoco em vão;
Não é tristeza, não, que essa não mora
*
No mais profundo do meu coração...
A menina cresceu, sofreu... não chora,
Mas ama ainda como amava então...
*
Maria João Brito de Sousa -19.12.2017 – 18.28h
Portugal
publicado às 10:05
Maria João Brito de Sousa
SONATINA XII (do livro "Treva Branca")
É bom que eu viva ao léu, pois me acostumo
à solidão que assusta a quem não crê,
pois se de algum receio eu sou mercê,
passeio, canto e ando, rio e fumo.
Num certo dia que virá, presumo,
não tendo amigos nem sequer você,
talvez que eu me lamente, só porque
a sorte não nos pôs no mesmo rumo.
E, se ao chegar a hora em que se apaga
a luz da vida, uma saudade vaga
quiser velar na minha soledade,
ouvidos não darei ao seu alento,
porque saudade é sempre sofrimento
por mais que seja alegre uma saudade.
Alda Pereira Pinto
Brasil
Soneto recolhido no blogue “O Secular Soneto”
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ENCONTRO CASUAL DE DUAS SOLISTAS
Não passeio, nem canto. Escrevo e fumo
enquanto grafo um verso... talvez dois...
outros doze, a jorrar, virão depois
completar-me o soneto em que me assumo
Reflexo de um poema – ou seu resumo... -
nos estilhaços em que o desconstróis,
honesto, firme, não sonhando heróis,
de ti colhendo o fruto. A polpa. O sumo.
Vi-te por mero acaso. Este soneto
foi o ponto de encontro, o mar secreto
onde já de partida eu navegava
Quando te vi passar rebelde, agreste...
Olhei-te fixamente, mas nem deste
por mim, que estranhamente em ti me olhava.
Maria João Brito de Sousa – 14.12.2017 – 09.00h
Portugal
publicado às 09:07
Maria João Brito de Sousa
PINGOS DE CHUVA
Há no inverno e também neste verão, Fazendo reflorir todas as flores E muito amor ao nosso coração, Livrando-nos a todos de suas dores. Os pingos batem forte no telhado Tal qual som musical em harmonia Que sai do piano ao toque do teclado, Como todos nós numa sinfonia. Cantemos todos nós em dós e rés Juntamente com todos trovadores, Pois o grande concerto já se instalou. Tal musicalidade é das marés Sobre bravos e fortes pescadores Dos mares que o poeta já nos falou.Adílio Belmonte
Belém – PA - Brasil
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DE OLHOS NO HORIZONTE E MÃO NO LEME
Que a musicalidade das marés Te traga inspiração e força e esp`rança! Que nessa Barca e sobre o seu convés, Em vez de tempestade, haja bonança! Que o céu, que agora está negro-de-pez, Se encha das cores do arco-da-aliança Preenchendo esse negro que ora vês P´ra tornar mais harmónica a mudança! Haja o que houver, que a Barca permaneça, Que nas ondas do Mar nunca pereça Essa que tudo enfrenta e nada teme E nem a Tempestade nos impeça, De rumar devagar, ou mais depressa, De olhos no Horizonte e mão no Leme! Maria João Brito de Sousa - 27.11.2017 - 10.12
Oeiras, Portugal
publicado às 12:07
Maria João Brito de Sousa
SONETO ATRASADO
De Marília os sinais aqui ficaram, Que tudo são sinais de ter passado: Se de flores vejo o chão atapetado, Foi que do chão seus pés as levantaram. Do riso de Marília se formaram Os cantos que escuto deleitado, E as águas correntes neste prado Dos olhos de Marília é que brotaram. O seu rasto seguindo, vou andando, Ora sentindo dor, ora alegria, Entre uma e outra a vida partilhando: Mas quando o sol se esconde, a noite fria Sobre mim desce, e logo, miserando, Após Marília corro, após o dia.
José Saramago
In “Os Poemas Possíveis”
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SONETO DO ENCONTRO TARDIO
Atrás de mim vieste e me alcançaste
No rasto dos sinais por mim deixados,
Mas tivesse eu mais rio, mais chão, mais prados,
Soubesse eu desses sonhos que sonhaste,
Mais sinais deixaria onde passaste;
Mais lágrimas, mais risos entoados,
Mas muito menos passos apressados
Teria dado até onde me achaste...
Caminhava apressada pela vida,
Sem cuidar de cuidar que havia um fim,
Sem notar que passava distraída,
Mas que um rasto deixava e, sendo assim,
Te apontava uma rota percorrida
Que antecipava a tua, atrás de mim...
Marília
(Maria João Brito de Sousa – 20.11.2012 – 11.20h)
publicado às 11:35
Maria João Brito de Sousa
A MINHA TRAGÉDIA
*
Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida
Parece que a minh`alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!
*
Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos a saudade!...
*
Eu não gosto do sol eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!
*
Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...
*
Florbela Espanca
In "Livro de Mágoas"
UM POUCO DE MIM
*
Eu, em compensação, gosto dos dias,
Do Sol, do brando afago de uma brisa,
Do meu passo a deixar no chão que pisa
Um rasto de pequenas utopias.
*
Gosto das mil serenas melodias
Duma planta que cresce e se enraíza
E, tanto quanto sei, não sou juíza,
Nem de homens, nem de humanas bizarrias.
*
Nunca odiei ninguém, mas... raivas, tenho!
Há, com efeito, coisas que desdenho
Sempre que me pareçam ser nocivas;
*
Crenças humanas contra as quais me empenho
Quando pr` analisá-las me detenho
E as sinto injustas, fúteis, destrutivas.
*
Maria João Brito de Sousa - 24.04.2017 - 13.49h
publicado às 19:45
Maria João Brito de Sousa
SAUDADE
A saudade chegou quando partiste
E trouxe a solidão gelada e fria
Feita flocos de neve, que persiste
Tornando a madrugada tão sombria
O luar transportou sentido e triste
O silêncio da voz que se queria
Mas, no sol que nasceu tu me sorriste
Porém de olhos fechados para o dia
Deixei teu nome esculpido de cobre
Na pedra negra e dura que te encobre
E da enorme paixão que te assolou
Deixei em bronze um busto de corcel
Sendo o teu companheiro mais fiel
Na memória feliz que me ficou
MEA
9/01/2016
FRAGMENTO(S)
Tive saudades, sim, que sendo humana
E não tendo, do Tempo, havido tempo
Para o que realmente o Tempo sana,
Em tempos, foi magoado o meu tormento,
Bem como dura a dor que ainda emana
Desta (in)sustentação que é meu sustento
Que quanto mais me of`rece, mais me engana,
Mais me transforma em folha solta ao vento,
Quando aspiro à raiz que, em terra plana,
Sobrevive, teimosa, ao turbulento
Dos sopros com que o vento inda me abana,
Das horas que me morrem num momento,
Dos anos que me fogem, por semana,
Deste jogo em que, inteira, me fragmento...
Maria João Brito de Sousa - 10.01.2017 - 11.08h
publicado às 21:00
Maria João Brito de Sousa
PASSEIO-ME POR TI
Passeio-me por ti, com tuas mãos
Quando elas em mim abrem os caminhos
Que exploram nas veredas dos meus chãos
Os becos fervilhantes de carinhos
E quando neles fazem seus os ninhos
Teus dedos verdadeiros artesãos
Tecem afago em todos os cantinhos
Onde existam os mais pequenos grãos
Já cansados teus dedos se sossegam
Procurando plos meus que não se negam
Nessa entrega tão doce e tão feroz
Mas quando com os meus eles se enlaçam
E os nossos corpos vibram e se abraçam
O mundo não existe para nós
MEA
30/11/2016
HISTÓRIA (MUITO) ANTIGA
Há muitos, muitos anos, passeavam
- as mesmíssimas mãos que hoje procuram
poemas, dos que a vida me asseguram... -
As minhas, que então nada procuravam
E nesse quase nada, se bastavam,
Quando é num quase tudo que me curam,
Me percorrem o corpo, mo fracturam
E me saciam do que então buscavam...
Mas, creio bem, ninguém pode entender
Que este meu fogo tenha mais poder
Que os fogos de erotismo juvenil
Que, em tempos, me acabaram por fazer
Perder das mil palavras por nascer
De outro mel bem mais doce e mais subtil.
Maria João Brito de Sousa - 30.11.2016 - 21.34h
publicado às 09:56
Maria João Brito de Sousa
ESTE LIVRO
Este livro é de mágoas. Desgraçados,
Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!
Somente a vossa dor de Torturados
Pode talvez senti-lo... e compreendê-lo.
Este livro é pr`a vós. Abençoados
Os que o sentirem, sem ser bom, nem belo!
Bíblia de tristes, ó Desventurados,
Que a vossa imensa dor se acabe ao vê-lo!
Livro de Mágoas... Dores... Ansiedades!
Livro de Sombras, Névoas e Saudades!
Vai pelo mundo... (trouxe-o no meu seio...)
Irmãos na dor, os olhos rasos de água,
Chorai comigo a minha imensa mágoa,
Lendo o meu livro só de mágoas cheio!
Florbela Espanca
In "Livro de Mágoas"
ALMAS GÉMEAS
Destes sonetos meus, que ousei escrever,
Também brotaram mágoas - porque não? -,
Mas muito além da mágoa, vi nascer
Uma mesma incomum comum paixão
E da mesma paixão nos vi morrer...
Entendo-te a precoce rendição,
Irmã dos mil sonetos que eu tecer
Pr`além dos que me nascem sem razão,
Mas como condenar-ta, se entender
Que a dor que te matou teve a função
De engendrar teus sonetos? Que fazer,
Se te bendigo a própria maldição?
Florbela, eu que te sei, sem te saber,
Como glosar-te, assim? Sonhei-te, então?
Maria João Brito de Sousa - 07.11.2016 - 13.58h
(Inédito, respondendo ao soneto "Este Livro", de Florbela Espanca)
publicado às 16:20