Maria João Brito de Sousa
Se eu cresci a saber que duvidar
É a mais produtiva ferramenta
- embora dê trabalho e seja lenta… -
Porque me falas tu de acreditar
Como se fosse a forma de criar
Que tudo vai gerar, tudo sustenta?
A dúvida é um bem que me acalenta,
Que me ensinou a arte de voar…
Sem dúvida que a dúvida é, por vezes,
O ponto de partida de uma fuga,
Mas gera, para nós, sabedoria…
Duvidei tanto, ao longo destes meses,
Que vi acrescentada, em cada ruga,
A lavra do que eu não compreendia…
"The suicide of the pink whale and the dove I borrowed from Magritte" - Maria João Brito de Sousa
publicado às 16:42
Maria João Brito de Sousa
Sobra-me de alma e falta-me saúde...
São coisas desta idade indefinida,
Quando se passa além da meia-vida
E não mais a pujança nos ilude...
São coisas que, pensadas amiúde,
Vos falam da Mulher-Interrompida,
Da que voltou por si (ou foi trazida...)
De um outro espaço doutra latitude...
Sobra-me um somatório de ilusões,
De rastos-de-cometa, sensações
De algo que se passou sem ter passado.
Sobram-me, de mim mesma, mil pedaços
Que transformei em manchas e em traços
Sobre a crua nudez do meu pecado.
Imagem retirada da internet
Pormenor de: "Sobre a nudez crua da Verdade, o manto diáfano da Fantasia"
Estátua de Mestre Teixeira Lopes, representando Eça de Queiroz estendendo sobre a Verdade o ténue manto da Fantasia.
publicado às 00:11
Maria João Brito de Sousa
Quanto direito humano ou que direito
Nos dá, a nós, direito de passar
Por esse mundo fora sem olhar
Pr`a outro como nós, mas imperfeito?
E se lhe faltar pão, amor, saúde,
Porque não partilhar o que nos sobra?
De nada irá servir a nossa obra
Se a obra não partilha e nos ilude...
Tanto humano direito desprezado...
Tanta miséria e fome e quão cansado
Estará o bicho-homem de se ouvir!
Quantos nem nunca ouviram ou souberam
O sentido, a razão porque nasceram
Onde outros nunca querem dividir...
Imagem retirada da internet
publicado às 00:35
Maria João Brito de Sousa
Se teço mil carícias de cetim
No corpo alucinado de um soneto,
Se, nesta tentação, me comprometo
Com esta sedução que surge assim,
Eu nunca mais consigo achar-lhe o fim!
São tantos os pecados que cometo
E tantos os poemas que prometo
Que me espanta o ardor que existe em mim!
Mas, mesmo que assim brinque, e u sei que sou
Poeta a tempo inteiro - corpo e alma! -
Pois nada do que faço me contenta...
Não paro de escrever... eu venho e vou
Entre uma rima breve que me acalma
E outra que me torna mais sedenta...
Imagem retirada da internet
publicado às 02:45
Maria João Brito de Sousa
Quantas vezes abraço o mundo, a vida,
E o Universo e eu somos só um!
Quantas vezes sou tantos e nenhum,
Dispersa, em esparsa névoa diluída?
Quantas vezes tão só e acompanhada
Me sinto, mais do que eu, árvore, flor,
Cometa em voo raso, Ursa Maior,
Terra, água, fogo e ar... ou mesmo nada?
E, nesta fantasia, que não sei
Se é mesmo fantasia ou se é real,
Me encontro, me defino e justifico.
De tudo o que fui dando, o mais que dei
Foi esta elevação do que é banal
À dimensão de um Eu que sacrifico.
Imagem retirada da internet
publicado às 13:46
Maria João Brito de Sousa
Aqui, onde me vês, não sou ninguém.
Sou átomo de vida, um quase-nada,
Quiçá uma abstracção inacabada
Das coisas irreais que o mundo tem...
Aqui, onde me vês, eu nada sou,
Ou sou este teimoso sonho meu...
Eu, Hermes mensageiro, eu, Prometeu
Que Zeus um dia, irado, castigou...
E, enquanto ilusão, eu nunca sei
Se sou por existir, se me sonhei,
Se sou realidade, ou invenção
De um Ego que a si mesmo se constrói...
O que de mim sobrar (isso é que dói!)
Talvez seja, mais tarde, um sonho em vão...
Imagem - "A Sonhadora" - Acrílico sobre C anson
30x20cm
Maria João Brito de Sousa, 2001
publicado às 09:06
Maria João Brito de Sousa
Peço-te mil perdões por ter-te amado,
Porque te amei demais... Eu, a Poeta,
Pintei-te de outra cor, quis-te paleta,
Quis-te só para mim, quis-te encantado...
Amar-te tanto assim foi sempre errado.
Tornei-te meio-ser, alma incompleta,
Tentando ir caminhando em linha recta
Num círculo perfeito e pré- traçado...
Amei-te em cada gota do meu sangue,
Amei-te até morrer, caindo exangue;
Amei-te além de mim. Tão mais além...
Gravei na dimensão dos meus sentidos
Um ideal de humanos desmentidos
Que nos foi condenando. A nós, também...
Maria João Brito de Sousa - 2008
Imagem retirada da internet
publicado às 12:16
Maria João Brito de Sousa
Sim, sofro como sofrem os magoados,
Mas nunca como sofre o desistente!
Se sofro, é duma dor que, embora urgente,
É deste mundo e não me dá cuidados...
Sofro da fome que é dos deserdados
Daquilo que faz falta ao ser vivente,
Daquilo que pensei ser-me indif`rente
Porque não vem nos versos nem nos quadros,
Daquilo que não posso dispensar
Por força do meu espírito estar preso
À carne que me rende e que eu desprezo...
E esta ambivalência a condenar
Urgências da minh`alma, como um peso
A esmagar no meu corpo o fogo aceso!
Maria João Brito de Sousa - 19.08.2008
Imagem - "O Guardador de Almas"
Pastel Sépia s/ Canson
Maria João Brito de sousa, 1999
publicado às 13:52
Maria João Brito de Sousa
*
Eu já morei nos longes de outros tempos, Já enfrentei dragões, sendo moinhos, E vi, com meus dois olhos, os caminhos Que levam das mil glórias aos tormentos. *
Morei em esconsas celas de conventos, Conheci mil palácios, provei vinhos, Travei batalhas, lavrei pergaminhos Sem me render ao medo, aos desalentos. *..
Ergui, da areia, as pedras de Gizé, Morri mil mortes, matei outras tantas... De tudo o que eu criei, perduram sonhos; *
A humana condição é como a fé Na estranha lucidez que nos comanda... Surdos, mudos e cegos... mas risonhos! *
Maria João Brito de Sousa - 15.08.2008 - 19.18h
Imagem - "Ensaio Sobre a Cegueira" , 103x73cm
Técnica mista
Maria João Brito de Sousa , 1999
publicado às 13:18
Maria João Brito de Sousa
O CAPITAL
*
Poemas que vos dizem quanto sei,
Poemas que vos falam do que penso
E outros descrevendo o contra-senso
Desta temeridade em que me dei,
*
Descritivo fiscal de quanto herdei,
Livre de selo, imposto, emolumentos,
Ou talento, que paga em sofrimentos
As taxas exigíveis pela lei;
*
Todo este capital vos legarei
E enquanto vo-lo deixo em testamento,
Crescem-me os bens pr`além do que sonhei
*
Na soma dos mil versos que engendrei,
Por fim legalizada em documento;
Eis todo o capital que acumulei!
*
Maria João Brito de Sousa - 13.08.2008 - 13.20h
Imagem retirada da Internet
Reformulado a 20.10.2015
publicado às 13:20
Maria João Brito de Sousa
É o modelo vivo da desordem,
A descrição geral do desconforto,
Mas, apesar de parecer já morto,
Vive tal como os outros que se mordem.
Pouco ou nada lhe importa que discordem
Da sua estranha vida e, porque é "torto",
Já nem sequer procura abrigo ou porto
E despreza atenções dos que lhe acodem.
Que não ouse ninguém repreendê-lo!
Irado e já tomado de impaciência,
Pode mesmo chegar a destruir,
Mas, se esse alguém puder compreendê-lo,
Ele abre uma excepção e faz cedência
Do Adão que foi gerado em seu sentir...
Maria João Brito de Sousa - 10.08.2008
Imagem - "Escorço - Grande Pintora a Lápis de Cor"
(pormenor)
Maria João Brito de Sousa - 2007
publicado às 11:38
Maria João Brito de Sousa
Um poema é um nobre missionário
Gerado pelo sonho em movimento...
Ecoa pelo espaço e pelo tempo
Sem pedir alimento nem salário
E sempre é casto, sendo libertino...
Seduz, fascina, ensina uma uma lição
E parece incansável na missão
De ser parte integrante do destino
Se ri, se chora, abraça sem escolher
E nesse seu abraço faz saber
Que um sonho nunca morre; é infinito
Poema, ao dar-vos tudo o que tiver,
É quem vos dá, no fundo, a conhecer
O que, dentro de vós, há de bendito...
Ao Mário Quintana (li alguns dos seus poemas na minha mais remota juventude e recordo-me de que o meu avô falava muito nele. Suponho que fossem amigos ou, pelo menos, correspondentes e reencontrei-o no blog http://escritosdeeva.blogs.sapo.pt/ )
Ao Freddie Mercury.
Imagem - "L`Important c`est la Rose" - Acrílico e pastel de óleo
Maria João Brito de Sousa - 1999
publicado às 11:39