GLOSANDO FLORBELA ESPANCA (3)
CASTELÃ DA TRISTEZA
Altiva e couraçada de desdém,
Vivo sozinha em meu castelo: a Dor!
Passa por ele a luz de todo o amor...
E nunca em meu castelo entrou alguém!
Castelã de tristeza, vês?... A quem?!...
– E o meu olhar é interrogador –
Perscruto, ao longe, as sombras do sol-pôr...
Chora o silêncio... nada ... ninguém vem...
Castelã da Tristeza, por que choras
Lendo, toda de branco, um livro de horas,
À sombra rendilhada dos vitrais?...
À noite, debruçada p’las ameias,
Por que rezas baixinho?... Por que anseias?...
Que sonho afagam tuas mãos reais?...
Florbela espanca, in "Livro de Mágoas"
NÃO VÊS?
"Altiva e couraçada de desdém",
Mas nunca desprovida de valor
E, quase sempre, pronta a pressupor
Que, mesmo nada sendo, eras alguém...
"Castelã da Tristeza, vês? ... A quem?!..."
Quando tu, cultivando a própria dor,
A cada qual tornaste um desertor
Da mágoa que, por vezes, te entretém?...
"Castelã da Tristeza, por que choras"
E a quem é que, chorando, tanto imploras
A esmola de quem te ame um pouco mais?
"À noite, debruçada p`las ameias",
Não vês que a fome alastra nas aldeias
Enquanto, nessa angústia, em vão te esvais?
Maria João Brito de Sousa - 26.01.2016 - 12.44h