Maria João Brito de Sousa
CASA
*
Agiganta-se a casa. O mundo pára.
Não excede o meu telhado o próprio céu,
Quando me falam deste pouso meu,
Da minha toca velha e estranha e rara,
*
Deste tecto onde a musa se declara
A cada verso lido como seu
E, a cada passo que ainda não deu,
Mais foge a casa que nos foi tão cara.
*
Se fico, estou perdida e, se vou, morro.
Pra quê chorar, gritar, pedir socorro?
Escolho morrer, ficando! Morro nela.
*
A musa (inexistente) assim mo dita,
Pois disso nos dependem verso e escrita;
Arrisco, escrevo e não desisto dela!
Maria João Brito de Sousa – 02.08.2018 – 09.52h
publicado às 07:30
Maria João Brito de Sousa
Tiram-me braços, pernas, coração...
Levam-me o velho espaço onde me insiro
E, por arrasto, a mim me levarão,
Talvez em breve, ao último suspiro,
Que só eu sei da estranha condição
De ser tábua do chão do meu retiro
E, assim que mo negarem, negarão
Até o próprio ar que nele respiro...
Não gosto de queixar-me e sei ser vão
Falar do estranho amor que aqui refiro,
Mas nada mais me resta! É deste chão
Que o verso se me eleva a quanto aspiro,
Enquanto vos vou expondo a situação...
(... mas quanto mais me exponho, mais me firo...)
Maria João Brito de Sousa - 06.01.2016 - 18.00h
publicado às 14:37
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em verso hendecassilábico)
Meu celeiro farto, meu pinheiro manso
Que choras se parto, calo ou me desdigo,
Meu pinheiro amigo, meu seguro abrigo
Onde, havendo p`rigo, me escondo e descanso
De um bulício antigo que nem sempre alcanço;
Porta sem postigo, falta sem castigo,
Figueira onde o figo sabe que o bendigo
Por ser só comigo que dança, se eu danço
Doce figo lampo que uma mãe-figueira
Me of`receu trigueira, lesta, rotineira
E que ao dar-se inteira se me foi tornando
Materno alimento, carne, irmã ceifeira
De espiga engendrada nesta fértil leira
Tão mais derradeira quão mais vai faltando.
Maria João Brito de Sousa - 12.03.2015
(Soneto em reedição, ligeiramente modificado - À minha morada)
publicado às 11:34
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Daquela antiga casa que sabia
Todos os tempos do meu verbo Amar
Como secreto templo que se abria
De cada vez que a fosse visitar,
Olhava um areal que se estendia
Da orla ribeirinha até ao mar
Que rescendia a sonho e maresia
Em cada avo de sonho por explorar…
Talvez morasse Deus na antiga casa,
Ou talvez fosse, eu mesma, um deus menino
Que ali quis construir seu próprio mundo,
Pois despontava-me uma ou outra asa
Na casa que era mais que o que eu defino
Por velha moradia do Dafundo…
Maria João Brito de Sousa – 19.07.2014 – 17.04h
NOTA – Reformulado a partir do soneto original de 31.07.2010
publicado às 18:52
Maria João Brito de Sousa
Eu passo! Essa jogada não é minha!
Prefiro a lucidez distanciada
Do tempo em que ao jogar uma cartada
Tinha a vitória mais do que certinha!
Um livro de cordel (escrito por mim!),
Uma sopa no prato, sobre a mesa...
Vestígios de outra casa portuguesa
Sem beijo à minha espera (antes assim!)...
Sem azulejos nem flores e jardim,
Sem nada que pareça uma promessa,
Mas sempre a minha casa e não m`int`ressa
Se a casa cheira a mel e alecrim!
A casa portuguesa... um universo
Desta implosão de mim no meu inverso!
Imagem retirada da internet
publicado às 15:28
Maria João Brito de Sousa
Ele era o meu eleito entre os Poetas!
Vivia amando tudo o que não tinha,
Mas em qu`rendo o luar, o luar vinha
Beijar as suas horas mais secretas...
Viveu para aprender até morrer,
Aflorou os mistérios de outros céus
E antes de partir, disse-me: - Adeus,
Ainda tenho muito que aprender!
Por vezes nem sei mesmo se partiu
Ou se ficou por cá... alguém sentiu
Que as coisas permanecem mesmo mortas?
Por isso estamos juntos nestes versos,
Criamos outros tantos universos
E batemos, os dois, às vossas portas.
Ao poeta António de Sousa e à Ligeirinha.
Imagem - Fotografia tirada há cerca de dois meses à porta da "nossa" casa, na Rua Luís de Camões em Algés.
publicado às 12:15