GLOSANDO CHICO BUARQUE
SONETO
Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono?
Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo?
Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída?
Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio?
Chico Buarque
SONETO II
Porque vieste assim, louco e sem dono,
Falar-me de mil coisas nunca ouvidas
E me afagaste com mãos decididas,
“Quando eu estava bem, morta de sono?”
Porque bateste à porta, manhã cedo,
E me ofuscaste em luz, na luz que entrava
Por essa mesma porta que eu fechava,
“Quando eu estava bem, morta de medo?”
Porque é que me quiseste dividida,
Se inteiro preencheste este meu rio
“E me deixaste só, com que saída?”
Porque foi que sorveste cada fio
Duma água que jamais fora bebida,
“Quando eu estava bem, morta de frio?”
Maria João Brito de Sousa – 18.08.2017 – 19.41h
(Neste segundo soneto, todos os versos que se encontram entre aspas são da autoria de Chico Buarque)
"Menina Sentada" - Portinari