CONVERSANDO COM FLORBELA - (Vidas e pontos de vista)
A MINHA TRAGÉDIA
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Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida
Parece que a minh`alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!
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Ó minha vã, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago em meus lábios roxos a saudade!...
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Eu não gosto do sol eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!
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Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...
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Florbela Espanca
In "Livro de Mágoas"
UM POUCO DE MIM
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Eu, em compensação, gosto dos dias,
Do Sol, do brando afago de uma brisa,
Do meu passo a deixar no chão que pisa
Um rasto de pequenas utopias.
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Gosto das mil serenas melodias
Duma planta que cresce e se enraíza
E, tanto quanto sei, não sou juíza,
Nem de homens, nem de humanas bizarrias.
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Nunca odiei ninguém, mas... raivas, tenho!
Há, com efeito, coisas que desdenho
Sempre que me pareçam ser nocivas;
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Crenças humanas contra as quais me empenho
Quando pr` analisá-las me detenho
E as sinto injustas, fúteis, destrutivas.
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Maria João Brito de Sousa - 24.04.2017 - 13.49h