Maria João Brito de Sousa
Cantos não te of`reço que os trago ocupados;
Por todos os lados está já transbordando
Esse órgão sem mando que mos traz guardados,
Mesmo empoeirados, velhos, caducando,
Mas vai-me sobrando lugar noutro lado;
Num tempo passado que fui resgatando
Pensando num quando jamais exp`rimentado,
Um espaço asseado, limpinho, brilhando.
Será um cantinho, mas sobra-lhe espaço,
Abriga um abraço, abriga um carinho,
Serve-te de ninho, mata-te o cansaço...
Of`reço e se o faço, não ficas sozinho;
Há estantes de pinho, de papéis, um maço,
E o resto - tão escasso... - são lençóis de linho.
Maria João Brito de Sousa – 24.01.2018 – 12.24h
NOTA - Soneto escrito a propósito do poema "Soneto Datílico", de Albertino Galvão.
publicado às 13:28
Maria João Brito de Sousa
Hoje ocorreu-me um verso picaresco
(logo hoje, que estou frágil e febril)
Mas tive, quando desses pouco “pesco”,
Um lapso de memória. Estou senil,
Ou terei antevisto algo grotesco,
Alguma coisa hedionda, abstrusa e vil,
Por trás dessa ingressão num pitoresco
Nada sofisticado, nem subtil?
Senil, não estou – ainda... - , pois discorro
Sobre a realidade em que me morro
A cada dia um pouco mais e mais,
Portanto outra razão, qualquer que seja,
Tirou-me o picaresco da bandeja
E foi cedê-lo às “gordas” dos jornais.
Maria João Brito de Sousa – 20.01.2018 – 12.09h
publicado às 09:36
Maria João Brito de Sousa
PALAVRAS
Eu gosto de palavras que se enlaçam
Em frases simples, ou versos floridos,
Desde que, entrelaçadas, satisfaçam
Os ritmos que lhes sejam requeridos,
Quer nuas e selvagens quando passam,
Quer com mantos opacos por vestidos,
Que nas voltas que dêem, se se abraçam,
Falem tanto à razão quanto aos sentidos.
Colho-as ao fim da tarde, ou bem cedinho,
Conforme o propicie o descaminho
Por onde me conduzam tempo e espaço
E a elas me confio enquanto possa
Lembrar que, quando fui menina e moça,
Quase ousei desistir das que hoje abraço.
Maria João Brito de Sousa – 18.01.2018 -18.12h
publicado às 10:49
Maria João Brito de Sousa
Hoje, dia do décimo aniversário deste blog, a reedição da primeira publicação.
Maria-Sem-Camisa
Maria-Sem-Camisa, a sem dinheiro
Que passa pela vida ao Deus-dará,
Tem fama de ser dura e de ser má
Mas é, tão só, poeta a tempo inteiro.
M aria vai plantando em seu canteiro
Sementes de si mesma ... o que não há,
Engendra-o Maria, e tanto dá
Ter pouco se tão rica foi primeiro.
Maria-Sem-Camisa planta ideias
E disso vai colhendo o seu sustento
Sem cuidar da chegada ou da partida,
Porque os frutos colhidos são candeias
E estrelas a luzir no firmamento
Da órbita em que traça a sua vida.
Maria João Brito de Sousa, 14.01.2008 - 21.15h
publicado às 13:58
Maria João Brito de Sousa
Sou rebelde e, confesso, caprichosa;
Vista, em gala, um soneto delicado,
Ou o casaco usado de uma prosa,
Vesti-los-ei com gosto e com cuidado,
Como se fossem pétalas de rosa,
Ou penas de um pardal que, apaixonado,
Do mais alto dos galhos da mimosa
Cantasse à companheira um velho fado.
Tenho uma pauta própria, mas comum
Ao mais douto e ao velho “Trinta e Um”
E tanto sirvo o rei, quanto o magala.
Caso não conheçais poeta algum,
Não podeis afirmar; - Não há nenhum
Que se atreva a ser “muso”... e “de bengala”.
Maria João Brito de Sousa – 12.01.2018 – 14.49h
publicado às 15:14
Maria João Brito de Sousa
TOO FAR AND TOO SOON
*
Sem espaço para ter privacidade,
Nem tempo pra pensar e reflectir,
Vai a espécie tentando evoluir
Sobre as cinzas da própria sanidade
*
E, atrocidade sobre atrocidade,
Vai conseguindo, o homem, prosseguir,
Sem poder vislumbrar, nem discernir,
Que vai perdendo a sua identidade.
*
Quanto nos restará de liberdade?
Que pergunta tão tola hoje me invade
E porque teimo sempre em resistir
*
À mais que inconcebível quantidade
De gente que entroniza uma igualdade
Onde ela está prontinha a sucumbir?
*
Maria João Brito de Sousa – 09.01.2018 -12.45h
publicado às 14:25
Maria João Brito de Sousa
NÃO MAIS QUE UM DEDAL...
Hoje sou poeta que, em tempos passados,
Teve outros cuidados. Achei-me incompleta.
Sem rumo, nem meta pr`ós passos já dados,
Vi-os naufragados sem causa concreta
E, usando a caneta, sondei meus pecados
Tão sobrestimados... tudo isso era treta
E a vida, uma recta sem fuga prós lados
Que me eram vedados. Tornei-me obsoleta.
Era natural, ou assim o pensava
Porque me cansava de vê-lo tão mal
Que achava um sinal onde nada encontrava;
Nem pedra, nem clava, nem sonho, afinal,
Ou pinga de sal, se o sal me faltava...
Pouco me sobrava. Não mais que um dedal.
Maria João Brito de Sousa – 04.12.2018 – (por volta das 8.00h)
Trabalho inspirado no soneto SOBRE MIM DISSERTO de MEA.
publicado às 10:24
Maria João Brito de Sousa
“Os poetas não morrem”, fui pensando
E sempre acreditei no que pensava
Mas, cá por dentro, fraco, fundo e brando,
Algo bem diferente murmurava
Que o que não morre é o que vai ficando
Da voz com que um poeta me encantava,
Porque o que cria, esse, vai passando,
E eu é que à própria morte renegava...
Não morra a sua voz! Que ao menos essa
Fique viva e que ecoe e reverdeça
Tal como as primaveras desta vida!
Que seja sempre ouvida e acarinhada
A voz que tanto deu sem pedir nada
E que agora se cala, adormecida...
Maria João Brito de Sousa – 02.01.2018 – 11.47h
Soneto dedicado à poetisa Alice Queiroz, companheira de versos que nunca cheguei a conhecer pessoalmente.
publicado às 13:11