Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Não sei o que fazer… se ao verbo informe,
Tomada de paixão, tente moldar,
Se negue a sensação sem a esboçar
E a devolva intacta ao que em mim dorme.
A compulsão, porém, tornou-se enorme!
Mais forte do que eu sou, quer-se afirmar
E sinto que não mais se irá vergar
Nem há compensação que, hoje, a conforme
Ou que possa anular-lhe esta vontade
De ir esculpindo uma voz que agora invade
O espaço das mil causas emergentes.
Se o tempo que passou gerou saudade,
Depressa entenderá que esta verdade
Lhe exige gestações bem mais urgentes.
Maria João Brito de Sousa – 23.06.2014 – 18.18h
Imagem - Pintura de Álvaro Cunhal retirada da página do Partido Comunista Português
publicado às 15:24
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Sussurro ensimesmado, entristecido,
Ou grito enraivecido e revoltado,
Cada poema emite, ao ser traçado,
Um som que, antes de escrito, é sempre ouvido
E, se o poeta o prende, é desmentido,
Tudo o que quis dizer lhe foi roubado
Ao negar-lhe as razões pr`a ser cantado
Que o fizeram nascer livre e sentido.
Se afirmo o que afirmei, digo a verdade
Que poderão tomar por má vontade
Contra quem me sugira mote e tema,
Porém só sei escrevê-lo em liberdade
E juro que não faço essa maldade
De dar tão curta rédea ao meu poema!
Maria João Brito de Sousa – 13.02.2014 – 19.30h
IMAGEM - Amadeo de Souza-Cardoso, Os Cavalos do Sultão
publicado às 16:02
Maria João Brito de Sousa
(Soneto em decassílabo heróico)
Existe ainda um mar que, em tempo incerto,
Transpondo quanto dique eu lhe impuser,
Me galvaniza e vai, sempre a crescer
Por dentro de mim mesma, a descoberto,
Submergindo o que exista lá por perto,
Subindo o que é suposto, em mim, descer
Nessa vaga incontida do meu ser
Que, ao quebrar, se transforma em livro aberto.
Mole infinita de ondas e marés
Nas quais, liberta a escrava das galés,
Vaga a vaga, me afundo em vaga alheia
De um mar que podes ser, que também és,
Se à praia desces e, molhando os pés,
A espuma ascende em nós, galgando a areia.
Maria João Brito de Sousa – 01.04.2011- 09.16
NOTA DA AUTORA - Soneto em decassílabo heróico, trabalhado a partir do soneto original “Havia um Mar”, in PEQUENAS UTOPIAS -
CORPOS EDITORA, Maio de 2012.
publicado às 02:53
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Passaram tantos dias, tantos anos
(… a vida é mesmo assim que se desenha,
Não escrevo pr`a chorar-lhe os desenganos),
Que aqui tento evocar, nesta resenha
Do “engenho” que cresceu nos meus “meccanos”,
Das bonecas de loiça ou desta estranha
Memória que, ao passar, não causa danos
Porque, aos danos que fez, esquece e desdenha.
Nostálgica… não sou, nunca o serei!
Se evoco, é porque nisto reproduzo
O pouco, o muito pouco qu`inda sei
Que vou fazendo enquanto me conduzo
Ao sabor da palavra e contra a “lei”
Que a tantos dobrará, mas que eu recuso.
Maria João Brito de Sousa – 14.06.2014 – 17.13h
publicado às 20:27
Maria João Brito de Sousa
(Em decassílabo heróico)
Lá ficam mil palavras por nascer
Neste vê-se-te-avias de uma vida
Onde morre a palavra preterida
Por outra que não quer retroceder,
E quem nelas se enreda até morrer,
Quem delas faz preâmbulo e partida,
Agradece à palavra já rendida
As muitas que ela acaba de acolher;
Pr`a todas as palavras nunca ditas
Porque outras mais propícias, mais bonitas,
Vieram preencher quanto diriam,
Aqui deixo as que agora foram escritas
Pois todas elas devem ser benditas
Quanto à nobre função que exerceriam…
Maria João Brito de Sousa – 07.06.2014 – 16.18h
Imagem - Massacre da Coreia, 1951 - Pablo Picasso
publicado às 23:10