Da autoria de Maria João Brito de Sousa, sócia nº 88 da Associação Portuguesa de Poetas, Membro Efectivo da Academia Virtual Sala dos Poetas e Escritores - AVSPE -, Membro da Academia Virtual de Letras (AVL) , autora no Portal CEN, e membro da Associação Desenhando Sonhos, escrito num portátil gentilmente oferecido pelos seus leitores.
...porque os poemas nascem, alimentam-se, crescem, reproduzem-se e (por vezes...) não morrem.
Era a sua segunda noite de insónia desde os tempos dos céus de chumbo e risos de trovão. Sonhara enquanto acordada, depois… não se lembrava. Eram sonhos bidimensionais, como um ecrã. Entre mil e uma imagens de seres humanos em diferentes estádios do seu crescimento, vira, claramente visto, o título do seu último post: SONETO. Ficou com a ideia de que teria de se levantar para
corrigir o erro. Não fora esse o título que lhe dera. Impunha-se corrigi-lo, mas começava a mergulhar na névoa da semi-consciência que precede o sono.
Havia coisas. Muitas mais coisas. Um conjunto de salas grandes, espaçosas, de tons claros e neutros onde se sentavam mais pessoas. Homens, na sua maioria. Do outro lado ficava a sua sala, ligeiramente transfigurada por planos em diagonal e pelo excesso de figuras humanas que surgiam como peças expostas de uma montra. Curioso. Parou para os tentar visualizar mas surgiu, de novo, o ecrã. SONETO. Era evidentemente necessário mudar aquela palavra. Não fora essa a mensagem que quisera fazer passar. Não nesse dia… e, ainda, a brumazinha confortável do sono a chamá-la….
Todos sorriam. Homens e mulheres. Todos a olhavam com o ar amistoso de quem dá as boas-vindas. Só o erro no título parecia incomodá-la. Incomodava-a. Incomodou-a ao ponto de a fazer imaginar-se de pé, tentando a reedição do post. Não dava. Não deu. Talvez fosse tarde… as outras figuras haviam já feito a leitura e continuavam a sorrir amavelmente em perfeita sintonia.
Tudo era suave ali, naquela antecâmara do sono. Do sono. Não da morte. A morte nada tinha a ver com aquilo. Surgia, quase abrupta, num acentuadíssimo declive e era, inicialmente, muito dolorosa. Fluía, depois, para uma paz que desafiava toda e qualquer imaginação de rédeas soltas, mas era diferente. Fora assim que a experimentara e assim a guardou na memória. Pacificamente. Para mais tarde recordar. Agora urgia corrigir o erro. Não era uma urgência angustiante, de forma nenhuma. Era apenas uma premência do dever por cumprir. Tentava e não conseguia. Foi então que entendeu que cada uma das figuras interpretaria o título à sua maneira, segundo as suas idades, sexo, vivências e património cultural. Parou. Lembrou-se do pátio da sua escola. Teria de fazer mais. Muitos, muitos mais antes de partir.
Sorriu. Fazia todo o sentido sorrir àquilo que antes lhe parecera não ter pés nem cabeça.
Embora me não sobre tempo para grandes viagens na blogosfera, faço os possíveis por ir visitando os amigos que conheci no início da minha aventura enquanto "blogonauta"... uma das primeiras pessoas que conheci, por ser uma das concorrentes ao II Prémio Poesia em Rede, foi a Rosa Silva, Azoriana. Lá estava ela com as suas rimas à sua amada Serreta e eu recordo-me muito bem de ter achado muita graça àquilo que pensei ser um pseudónimo pontual. Passados uns tempos, recebo um comentário da Azoriana e acabámos as duas a "poetar" uma para a outra... já lá vai um ano.
Aquilo que, desde o início, mais chamou a minha atenção no http://silvarosamaria.blogs.sapo.pt/ foi a capacidade de trabalho que esta mulher demonstrava. Ela era uma fonte inesgotável de rimas e chegava a fazer autênticas reportagens, em fotografia e verso, sobre as ilhas dos Açores. Ajudava, também, os novos "bloggers" com um blog que criou especificamente para o efeito.
Saía do blog da Azoriana sempre com a ideia de ter acabado de deixar para trás uma força da Natureza, que gostaria de poder igualar... divergíamos - e divergimos ainda - em certas formas de estar e pensar e, se uma pendia para os sonetos em decassílabo, a outra pendia para as famosas redondilhas. Nunca me esquecerei do dia em que recebi um email da Rosinha a perguntar-me o que eram as redondilhas... e eu, muito atrapalhada, a dizer-lhe que eram os versos de sete sílabas métricas em que ela era mestra...
Bons tempos. A última visita que fiz à Rosinha levou-me a escrever este post.
A minha amiga das "redondilhas inesgotáveis" estava cansada, exausta, à beira da desistência...
Os tempos não estão fáceis, eu sei, mas a Rosa Maria Silva, Azoreana, nem sequer tem um computador, neste momento e eu sei bem a falta que isso faz aos poetas que, tal como eu, não têm outra forma de divulgar o seu trabalho.
Eu sei que a Rosinha tem ainda muito para dar. Sei que ela não é mulher de desistir... mas há limites para tudo e o seu último post levou-me a pensar que ela poderia estar a atingir o seu. Por isso escrevo este apelo e o soneto que deixo, no final. Por isso espero que, de entre todos vós, alguém possa dar uma ajuda à Rosa Maria Silva. "Azoriana".
À Eva, à Helena e a todos os meus amigos que, de alguma forma, contribuíram para que este sonho se concretizasse, o meu muito, muito obrigada!
E porque um lançamento online não invalida que se estenda a mão a alguém que necessita de uma palavra de conforto (muito pelo contrário!), aqui fica a tal "portinha aberta" para quem também precisa de nós
E agora? – Foi a primeira coisa que pensou quando abriu a conta da banda larga daquele mês e os olhos lhe pousaram na descrição do débito total.
Já estava na blogosfera havia mais de um ano e nunca uma simples conta de banda larga tomara aquelas proporções. Mais de cento e setenta euros!
Exactamente menos nove euros do que o que recebia mensalmente do subsídio de inserção social e que, pagas as contas de água, luz e gás, mal lhe davam para jantar durante uma semana. Pousou a carta sobre o tampo da secretária e foi aos seus afazeres. Outras coisas a preocupavam naquele momento e, embora tendo vendido uma tela havia poucos dias, não conseguira pagar nem metade das dívidas que acumulara ao longo dos últimos meses.
Lembrava-se do dia em que recebera o vale da última tela, de quão gratificada se sentira, da ilusão pontual de poder sobreviver com um mínimo de dignidade. Lembrava-se de ter corrido para a farmácia, para pagar uma parte da dívida, lembrava-se das outras contas que haviam acabado de chegar e que reclamavam pagamento, dos condomínios, da eterna dívida bancária, dos animais que a mãe lhe deixara em testamento verbal…
Não era uma mulher inteligente, embora respirasse criatividade por todos os poros. Não podia ser inteligente ou nunca teria imaginado que o seu trabalho, um tanto ou quanto à revelia do sistema, pudesse vir a ser premiado ou recompensado de outro modo que não fosse aquela alegria genuína de quem dá tudo o que pode e, por vezes, mais do que isso. Mas era assim que ela entendia as coisas e, durante uns dias, não voltou a pensar no assunto. Aquela estupidez natural de quem teima em deslumbrar-se com as pequeninas coisas, colara-se-lhe ao corpo e, tomando as rédeas do percurso, passara a ser a sua mais determinante característica. Tão determinante que ela jamais pensaria que não fosse, lá bem no fundo, a sua maior qualidade.
Agora, sentada frente ao PC, repetia a frase: - E agora?
Agora escreveria, claro! Se mais não podia fazer!
Escreveu, então, mas, desta vez, sabia que talvez fosse a última que o sistema lhe permitiria. Não. Não se voltaria para os sonetos, como era habitual. Não aceitaria mais do que o que dava! Passava horas e horas agarrada àquele computador, “poetando” a sua burrice congénita, ao ponto de considerar-se justificada pelo ar que consumia neste planeta e aquilo teria de acabar. Teria de acabar mesmo! A Fábrica de Histórias pedia um “E agora?” esta semana e esta era a oportunidade exacta para falar do seu.