Maria João Brito de Sousa
Devorava sentidos proíbidos
Na captura das formas e das linhas.
Falava pouco ou nada com vizinhas.
Dizia-se da cor dos seus vestidos.
Abraçava-se aos gestos repetidos
Que sobreamontoava, quais sardinhas,
Recriando ilusões e adivinhas
Onde antes eram vãos os seus sentidos.
Criava como quem retrata a vida
Que dantes conhecera, repetida
Por muitos que ela nunca conheceu
E roía os caroços de outros frutos
Supondo partilhar os seus produtos
Até ao próprio dia em que morreu.
Maria João Brito de Sousa - 2007
Pormenor de "Escorço - Grande Pintora a Lápis de Cor"
publicado às 01:15
Maria João Brito de Sousa
Ia por ali fora, cabisbaixa,
Vivendo por viver, sem já ter meta,
Deixando atrás de si, em linha recta,
Pegadas que gravara numa faixa.
Não estava aberta, nem à caridade,
Nem ao fluir do seu imaginário...
Vivia, no momento, o seu contrário
Caminhando por força de vontade.
Funcionava tão mal, enquanto gente!
Perdera os meios de seguir em frente
Na azáfama, na dor, no burburinho...
"Disfuncionantemente" prosseguiu,
Embrenhou-se, por fim, nesse vazio
Que tão longe a levara do seu ninho...
Imagem retirada da internet
publicado às 01:03
Maria João Brito de Sousa
Passou por este espaço e quis parar...
Ficou refém do espaço, por momentos,
Olhando-o com olhos muito atentos
Em busca da razão que o fez ficar.
Passou por este espaço e, sem saber,
Passara por si mesmo uma vez mais
Sem que os olhos captassem os sinais
Que este espaço lhe dera a conhecer...
Depois foi normalmente à sua vida.
Não fora a sensação de uma partida,
Jamais se lembraria deste espaço...
Tem dias em que passa e já nem olha,
Em nenhum deles, porém, a sua escolha
Dependeu da vontade ou do cansaço.
Maria João Brito de Sousa - 29.12.2008
Gravura de Manuel Ribeiro de Pavia
publicado às 00:49
Maria João Brito de Sousa
Pretérito de mim neste imperfeito
Que é condição de ainda andar por cá,
Procedo á criação do não há,
À minimização do meu defeito...
E, nesta dimensão de Causa-Efeito,
Traçando o meu caminho ao Deus-dará,
Mais-pedra, menos-pedra... eu volto já!
Este caminho ìnda não está direito...
Mais-obra, menos-obra, eu vou passando
Sem saber se acabei, sem saber quando...
Gente feita de barro é mesmo assim,
Por cá vamos deixando o nosso rasto!
Vislumbro um horizonte e não me afasto
Até que alguém venha afastar-me a mim...
Imagem retirada da internet
publicado às 14:35
Maria João Brito de Sousa
A CEIA DO POETA III
Se sou a mais pequena entre os pequenos
(ainda mais pequena que o comum...),
Se vivo neste absurdo desjejum
Das palavras que escrevo em mil cadernos,
Ao vislumbrar-me, assim, entre os eternos,
Senti-me, por segundos, ser mais um
E, louca de alegria, bebi rum
Por copos que inventei noutros invernos
E fiquei-vos tão grata - embora louca...-
Que já nem sei expressar essa medida,
Que já nem sei dizer como fiquei,
Pois desfeita em palavras, fiquei rouca...
Embriago-me, invento outra bebida,
E tento dar-vos mais que o que já dei!
Maria João Brito de Sousa - Dezembro, 2010
SONHAI!
Crescei, multiplicai-vos e sonhai!
Roubai maçãs da árvore da vida,
Chorai os que são vossos, na partida,
Sede vós mesmos, mas acreditai!
Se tendes sede ou fome, protestai!
Se vos faltar amor, perdão, guarida,
Procurai novo peso, outra medida,
Encontrai novos rumos, viajai!
Ide ao fundo do mar de cada mar,
Subi, subi além de cada estrela,
Descobri tudo, tudo o que puderdes!
A vós ninguém vos pode condenar
Porquanto o vosso sonho é que nivela
A dimensão de tudo o que fizerdes!
Maria João Brito de Sousa - Dezembro, 2010
BOAS FESTAS!
Desejo-vos pão, livros e saúde
Para o ano que está quase a chegar!
E alegria e esp`rança a despontar
No momento em que algum se desilude.
Desejo-vos amor e lucidez
E sonhos, muitos sonhos criativos!
Que possais criar sempre, enquanto vivos,
Aquilo que pensais ser só talvez
E que possais guardar, dentro de vós,
A criança que existe em toda a gente
Que será sempre a vossa companhia.
Que possais sempre ouvi-la e dar-lhe voz,
Que saibais aceitar o seu presente,
Que tenhais sempre um pouco de alegria!
Maria João Brito de Sousa - Dezembro, 2010
publicado às 15:55
Maria João Brito de Sousa
São milénios, são anos, são momentos,
São traços como palavras ou rugas,
São os inevitáveis, são as fugas
Às concretizações e aos eventos.
São as desconstuções, os desinventos,
Os verbos que esqueceste, mas conjugas,
A força que, não tendo, ainda alugas
Em troca do que calas em lamentos.
São ondas do teu mar, essas marés
Que te tornam naquilo que tu és
Sobrando o que é comum a toda a gente.
São as recordações dos teus sentidos,
Memórias, livros lidos e relidos,
E o que de ti ficar daqui pr`á frente.
Maria João Brito de Sousa - 26.12.2008
A S.
imagem retirada da internet
publicado às 10:49
Maria João Brito de Sousa
publicado às 11:42
Maria João Brito de Sousa
LINEARIDADE III
Existe, em cada cor, um mar de linhas.
Umas são longas, outras são quebradas.
Enérgicas, contudo, e bem traçadas
Tão negras como voos de andorinhas.
De cada linha nasce cor dif`rente.
Por vezes, em "nuance", aclaro o tom...
Nem sempre o menos claro é menos bom
Porque realça a luz, omnipresente.
Desenham-se momentos, atitudes,
Entre os defeitos surgem as virtudes
Em traços como punhos, como gritos.
São silenciosos gritos, como as cores,
Como os sorrisos, como os desamores.
Como tudo o que expresso. E facilito.
Maria João Brito de Sousa, 1999
publicado às 00:47
Maria João Brito de Sousa
Não fora a compulsiva, estranha urgência
De explicar-me `inda mais do que me sei,
Não fora eu não ter dono, nem ter lei
Para além desta absurda transparência,
Não fora esta assumida incoerência
De eu qu`rer dar muito mais do que já dei
E sentir muito mais do que pensei
Em subversões da própria inteligência,
Não fora eu ser assim [embora louca...]
Este pr`além de mim [mas coisa pouca...]
Que sempre vai pedindo mais e mais...
Não fora a linha em que me envolvo, inteira,
[maleável embora rotineira...]
Como me encontraria entre os demais?
Maria João Brito de Sousa, 1999
publicado às 00:01
Maria João Brito de Sousa
Por fora da palavra eu traço a cor,
Por dentro é que preencho a cor do traço.
Linear, como tudo o que aqui faço,
Defino-me num estranho, infindo amor.
Envolvo numa linha definida
A pálida brancura e seu contraste
E não há envolvência que me baste
Pr`a me tornar segura, protegida...
Mais linhas, mais abrigos, maiores pontes...
E torno à cor que jorra de mil fontes
Porque tudo, afinal, é cor e luz!
A golpes de pincel já mergulhei
No mesmo mar de cor em que engendrei
Tudo o que é linear e me traduz.
Maria João Brito de Sousa, 1999
publicado às 13:53
Maria João Brito de Sousa
Nasci deste poema que fizeste.
Tu olhas-me e não queres acreditar
Mas eu sou, na verdade, esse pulsar
Do momento da escrita em que te deste.
Venho lá bem do fundo do teu ser,
Sou a ponte que leva a tudo o mais,
Trago anseios, urgências animais,
De partir e de dar-me a conhecer...
Não quero nem morada, nem fronteiras!
O corpo é para ti que és pequenina.
Eu "sou", sem dimensão de tempo ou espaço!
Saltei d as tuas mãos, entre canseiras...
Do fundo dos teus sonhos de menina,
Da estranha imensidão do teu cansaço!
Imagem retirada da internet
Acabadinho de nascer para :
http://fabricadehistorias.blogs.sapo.pt/
NOTA: Este poema não foi ficcionado, não senhor! Surgiu-me com a rapidez de um vendaval e com a inevitabilidade de um facto consumado, avisando que iria para a FÁBRICA DE HISTÓRIAS. E garanto que não posso jurar que me tenha lembrado de dar rédea solta à imaginação!
publicado às 01:48
Maria João Brito de Sousa
Tudo tem uma cor e tudo é cor!
Palavras, letras... números também!
Cada um é a cor da cor que tem
E dispersa-se em ondas de calor.
Nem sempre o negro é mau, nem sempre é dor!
Do negro que tracei nasceu, além,
Uma pérola branca a que ninguém
Pode dizer que não terá valor...
O "um" sempre foi negro, o "dois" cinzento,
O "três" é amarelo, ao "quatro" tento
Descrever-lhe esse azul mal definido...
O "cinco" é bem vermelho, o "seis" é rosa...
São a minha paleta, o verso, a prosa...
E todo este "ab initio" faz sentido...
Maria João Brito de Sousa, 2002
publicado às 16:01