Maria João Brito de Sousa
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DESOLAÇÃO *
Choro quem parte e temo por quem fica:
Se a vida tem remédio, a morte não
E o mundo vai caindo em depressão,
Sem que se saiba tudo o que isso implica *
Já que ao que tudo ou quase tudo indica,
Pouco nos deixa, esta devastação
Pr`além do rasto de desolação
Que diante de nós se multiplica *
Como vírus que, entrando em mutação,
Corrói um mundo do qual não abdica
E lhe devora a carne feita pão. *
Lá longe, ouve-se um sino que repica,
Uma voz que suplica a salvação
E outra que nega o que isso significa. *
Maria João Brito de Sousa
03.03.2021 - 11.07h ***
publicado às 10:21
Maria João Brito de Sousa
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MÃOS III *
Ó mãos hábeis, vadias, mãos sem dono,
velhas mãos condenadas cuja pena
será a sina ingrata e não pequena
de despertardes mal vos chegue o sono... *
Mãos que encontrais um verso ao abandono
numa outra mão que pára e vos acena
com mel e vinho e hastes de verbena
nas mansas tardes de um qualquer Outono *
Ó mãos rudes, gretadas de tão frias,
imprudentes, inquietas, fugidias,
que sempre que sois voz a não calais *
Parai e reparai que estais vazias!
Quem vos roubou o sonho e as alegrias
e assim vos despojou de tudo o mais? *
Mª João Brito de Sousa
10.03.2024 - 21.00h ***
publicado às 21:31
Maria João Brito de Sousa
REFLECTINDO *
Eu que pensava que medos não tinha,
De medo tremo... Que não trema a Musa,
Que nada teme, ao medo se recusa
E quão mais paro, mais ela caminha *
Consigo leva toda a força minha
E, às vezes, sei que dessa força abusa
Ao qu`rer-me racional e não confusa
Neste tempo que absurdo se adivinha... *
A minha Musa, como essa Alma tua,
Sobre brasas caminha e não recua
Nem que ergam um vulcão à sua frente *
Concebe mundos do suor que sua,
E enquanto em casa eu espero, sai à rua:
Musa não mais que assim se muda em gente! *
Mª João Brito de Sousa
07.03.2024 - 11.30h ***
Ao Rogério V. Pereira
a quem acabo de roubar esta fotografia
publicado às 16:57
Maria João Brito de Sousa
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CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XX *
Vós que, de olhos suaves e serenos,
com justa causa a vida cativais,
e que os outros cuidados condenais
por indevidos, baixos e pequenos; *
Se ainda do Amor domésticos venenos
nunca provastes, quero que saibais
que é tanto mais o amor despois que amais,
quanto são mais as causas de ser menos. *
E não cuide ninguém que algum defeito,
quando na cousa amada se apresenta,
possa deminuir o amor perfeito; *
Antes o dobra mais; e se atormenta,
pouco e pouco o desculpa o brando peito;
que Amor com seus contrairos se acrescenta. *
Luíz de Camões *
Se Amor com seus contrairos se acrescenta
A si mesmo contrairo Amor será:
Nunca em si mesmo Amor se encontrará
Se em buscar-se a mesmo se contenta... *
Tão mais de si diverge quão mais tenta
Achar-se, por inteiro, onde não está:
Quão mais sincero, mais perjurará
Se assim, de seus contrairos, se sustenta... *
Ah, que não cuide Amor de ser Perfeito,
Pois se achará contrairo à perfeição
A que não teve nem terá direito: *
Que humana seja a sua condição,
Que a Amor que d`outrem venha renda preito,
Que não sucumba Amor, morta a Paixão! *
Mª João Brito de Sousa
07.03.2024 - 11.00h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 10:24
Maria João Brito de Sousa
Tela de Tarsila do Amaral
*
No dia em que a Mulher dantes vencida
Orgulhosa se erguer já libertada,
Exalte-se a obreira, a camarada
E aquela que no ventre alberga a vida *
Que ninguém esqueça a escrava que vendida
Logo foi morta porque revoltada,
Nem a que tanto foi chicoteada
Que ao seu algoz matou enfurecida *
Que jamais fique omissa a operária
Que hora após hora, em gestos sempre iguais,
Tudo monta e desmonta peça a peça *
A que ainda hoje o faz, a proletária
Que não se esfuma porque a ocultais
Por não convir que o Presente a conheça. *
Mª João Brito de Sousa
08.03.2024 - 12.50h ***
publicado às 13:37
Maria João Brito de Sousa
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*
AMOR E LIBERDADE *
“Vestia se de amor para que o dia
Se colorisse em tons de felicidade”
E assim vestido já não tinha idade:
Quem era? Onde nascera?, quem sabia? *
Saiu à rua quando em flor se abria
O chão que ia pisando a Liberdade
E com ela exultou porque em verdade
Amor também florindo se sentia *
Ah, que os dois, quando juntos, mudam tudo:
Tranforma-se o inferno em paraíso,
Pés que sangravam pisam já veludo... *
Se alguém dos dois fizer um mau juízo,
Deixai que fale até que fique mudo:
Estes dois dão-nos tudo o que é preciso! *
Mª João Brito de Sousa
06.03.2024 - 14.00h ***
Os dois primeiros versos foram transcritos, com pequeninas modificações a bem da métrica/melodia, do Blog Cúmplice do Tempo
publicado às 22:53
Maria João Brito de Sousa
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CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XIX *
O céu, a terra, o vento sossegado…
As ondas, que se estendem pela areia…
Os peixes, que no mar o sono enfreia…
O nocturno silêncio repousado… *
O pescador Aónio, que, deitado
onde co vento a água se meneia,
chorando, o nome amado em vão nomeia,
que não pode ser mais que nomeado: *
Ondas (dezia), antes que Amor me mate,
torna-me a minha Ninfa, que tão cedo
me fizestes à morte estar sujeita. *
Ninguém lhe fala; o mar de longe bate;
move-se brandamente o arvoredo;
leva-lhe o vento a voz, que ao vento deita. *
Luíz de Camões ***
Mas de repente o vento a voz devolve
Num tom que é o da voz da sua amada:
Ergue-se Aónio que não vendo nada
No mar chorado inteiro se dissolve *
De novo a voz... E no sal que o envolve
Julga rever a face delicada
Da que lhe fora pelo mar tragada:
A culpa tanta, dor alguma a absolve! *
Quão mais o vento intenta consolá-lo,
Mais sofre Aónio, o pobre pescador
Que mais no mar perdeu do que ganhou *
Cala-te vento, estás a torturá-lo!
Não vês como lhe crescem pranto e dor
Quando emulas a Ninfa que ele amou? *
Mª João Brito de Sousa
06.03.2024 - 15.50h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 09:51
Maria João Brito de Sousa
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CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XVIII *
Todo animal da calma repousava,
Só Liso o ardor dela não sentia:
Que o repouso do fogo, em que ele ardia,
Consistia na Ninfa que buscava. *
Os montes parecia que abalava
O triste som das mágoas que dizia:
Mas nada o duro peito comovia,
Que na vontade de outro posto estava. *
Cansado já de andar pela espessura,
No tronco de uma faia, por lembrança
Escreve estas palavras de tristeza: *
Nunca ponha ninguém sua esperança
Em peito feminil, que de natura
Somente em ser mudável tem firmeza. *
Luíz de Camões ***
(Natércia, confrontando Liso) *
Se prometi mostrar-me, aqui me vedes
Que o que prometo cumpro. Não ouseis
Escrever sobre quem sou quanto escreveis
Que irada me vereis se em mim não credes! *
Em outro quis matar as minhas sedes
- bem mais as sedes podem do que as leis -
Não mas matou! Se vós mas matareis,
Nem vós sabeis... Talvez se mas beberdes... *
Vedes a rosa aberta em meu jardim?
Senti, tocai-lhe o róseo gineceu
E entrai, Liso, matai a sede em mim *
Que quão mais o tentais, mais gozo eu!
Ai, Liso, que esta sede não tem fim...
Parai, Liso, parai que já morreu! *
Mª João Brito de Sousa
05.03.2024 - 13.00h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 10:13
Maria João Brito de Sousa
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CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XVII *
Quem presumir, Senhora, de louvar-vos
Com humano saber, e não divino,
Ficará de tamanha culpa dino
Quamanha ficais sendo em contemplar-vos. *
Não pretenda ninguém de louvor dar-vos,
Por mais que raro seja, e peregrino:
Que vossa fermosura eu imagino
Que Deus a ele só quis comparar-vos. *
Ditosa esta alma vossa, que quisestes
Em posse pôr de prenda tão subida,
Como, Senhora, foi a que me destes. *
Melhor a guardarei que a própria vida;
Que, pois mercê tamanha me fizestes,
De mim será jamais nunca esquecida. *
Luíz de Camões ***
Folgo, Senhor, em saber que guardais,
Melhor que à própria vida, o meu sorriso:
Mais não vos dei, Senhor, nem foi preciso
Já que com esse pouco assim gozais... *
Mas se me não pedis um pouco mais
Porque em verdade sois homem de sizo,
Ao não me suscitar qualquer aviso
Muito mais mereceis que o que louvais! *
Se tanto vos honrei sem o saber
E se sem o notar vos fiz ditoso,
Ampliar-vos posso - e muito! - esse prazer *
E por serdes galante e generoso
Talvez, Senhor, talvez torneis a ver
Quem, por sorrir-vos, vos cobriu de gozo. *
Mª João Brito de Sousa
04.03.2024 - 12.00h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 09:39
Maria João Brito de Sousa
A revista POESIS, que hoje aqui vos trago, é uma iniciativa da Associação Portuguesa de Poetas, associação a que pertenço desde 07.07.2006 sendo no corrente ano de 2024 a associada nº 88.
As minhas limitações, físicas e não só, deixaram de me permitir o convívio presencial nas tertúlias e reuniões dos associados desde meados de 2008, mas nunca deixei de me sentir acarinhada, quer pelos corpos directivos, quer, noutros espaços da internet, por poetas/companheiros da APP com quem me fui cruzando, aqui e ali, neste mundo líquido em que nos vamos movendo e partilhando os nossos versos...
Além de enviar o meu grato abraço ao Presidente da APP, Professor Doutor Ivo Furtado e ao Vice-Presidente, Carlos Cardoso Luís, não posso deixar de agradecer à poetisa Virgínia Branco que apadrinhou a minha adesão à APP e a continuou a apadrinhar ao longo de todos estes anos (a minha eterna gratidão, Virgínia!) bem como ao poeta Rogélio Mena Gomes pela gentileza de ter escolhido um dos meus sonetos para figurar nesta quinta edição da POESIS e ainda por me ter enviado prontamente as imagens da capa e da página preenchida pelo meu trabalho.
Estendo o meu fraterno abraço a todos os membros da APP cujo incansável labor poético vai mantendo bem viva esta associação há quarenta anos reconhecida pela UNESCO.
"Verba volant, scripta manent!"
***
Maria João Brito de Sousa
Oeiras, 04.03.2024
publicado às 09:14
Maria João Brito de Sousa
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CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XVI *
Que pode já fazer minha ventura
que seja para meu contentamento,
Ou como fazer devo fundamento
de cousa que o não tem, nem é segura? *
Que pena pode ser tão certa e dura
que possa ser maior que meu tormento?
Ou como receará meu pensamento
os males, se com eles mais se apura? *
Como quem se costuma de pequeno
com peçonha criar por mão ciente,
da qual o uso já o tem seguro; *
Assi de acostumado co veneno,
o uso de sofrer meu mal presente
me faz não sentir já nada o futuro. *
Luíz de Camões ***
Deixai, Senhor, que sobre mim vos fale
De desventura tanta, tal veneno,
Que o vosso vos pareça ser pequeno
Face a tão dura pena e tanto mal... *
Não credes no que digo? Achais venal
Tal infortúnio? Credes que o enceno
Pra que pareça o vosso mais ameno,
Mais comum do que o meu, mais trivial? *
Não me tomeis, Senhor, por mentirosa,
Nem por santa, vos peço, me tomeis:
Se santa, as calaria suspirosa, *
Se mentirosa, sequer as vereis...
Ouvi-me pois, Senhor, que aguardo ansiosa
Que, mais do que por vós, por mim peneis! *
Mª João Brito de Sousa
03.03.2024 - 10.50h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 10:59
Maria João Brito de Sousa
CONVERSANDO COM CAMÕES NO SEU QUINGENTÉSIMO ANIVERSÁRIO XV *
Aquela fera humana que enriquece
A sua presunçosa tirania
Destas minhas entranhas, onde cria
Amor um mal que falta quando cresce; *
Se nela o Céu mostrou (como parece)
Quanto mostrar ao mundo pretendia,
Porque de minha vida se injuria?
Porque de minha morte se enobrece? *
Ora, enfim, sublimai vossa vitória,
Senhora, com vencer-me e cativar-me;
Fazei dela no mundo larga história. *
Pois, por mais que vos veja atormentar-me,
Já me fico logrando desta glória
De ver que tendes tanta de matar-me. *
Luíz de Camões ***
Matar-vos, eu? Disso tirar prazer
Como se fôreis monstro e, abatido,
Orgulho e glória me houvesse trazido
Ver-vos no chão, sem vida, a apodrecer? *
Que loucuras dizeis, só por dizer?
Se amor houvesse em quanto haveis sentido,
A Amor abraçaríeis já rendido
Em vez de enfurecido o combater! *
Se cativo estivésseis de quem sou,
Dócil vos mostraríeis noite e dia,
Não mais me exigiríeis do que dou... *
Não, nunca o meu amor vos cativou!
Vociferai, então! O que vos guia
Se um dia abriu em flor, hoje murchou! *
Mª João Brito de Sousa
02.03.2024 - 10.45h ***
O soneto de Camões foi transcrito do blog Sociedade Perfeita
publicado às 10:54